Por Nádia Garcia*, do Elas Por Elas
A ideia de um branco salvador que, sozinho, livra os negros e negras de sua amaldiçoada vida é um roteiro que estamos acostumados a ver, mas que, em todo 13 de maio, volta às discussões dentro do movimentos antirracistas do país. O dia da Abolição dos escravos é comemorado pelos grandes meios de comunicação e tem como atriz principal a princesa do Império do Brasil à época, Isabel Cristina Leopoldina. Com uma heroína monarca, a história contada nos livros traz Isabel como a única agente do fim da escravidão e justiceira dos negros brasileiros.
Mas será que foi assim mesmo?
O processo de ocultar grandes atores negros e negras do histórico de lutas pela liberdade no Brasil não é novidade. Esse fenômeno é um dos principais responsáveis pelo entendimento geral de que a abolição foi um processo de muita empatia e disposição da burguesia. Mulheres como Dandara dos Palmares, Tereza de Benguela, Luiza Mahin, Maria Firmina dos Reis, nenhuma delas é citada nos livros como referência da luta abolicionista encampada pelos negros e negras. A higienização histórica no Brasil faz parte da estrutura racista que enfrentamos todos os dias, buscar limpar negros e negras da história e da sociedade é um projeto antigo daqueles que nos vêem, ainda hoje, como mão de obra descartável.
Abolição para quem?
Todos os dias, sentimos o peso de sermos negros e negras no país que manteve por 300 anos homens e mulheres como escravos. A desigualdade racial é estrutural e fruto de uma abolição que não garantiu nenhum tipo de inclusão ou direito, sequer o de liberdade de forma plena. Trabalho, moradia, educação saúde, segurança, tudo nos foi negado e, em cima disso, a estrutura social brasileira foi criada, nos trazendo a resultados como o maior número de mortes entre negros e negras com a crise do COVID-19, do que entre brancos e brancas.
Somos maioria entre as empregadas domésticas, 75% das vítimas de homicídio, maior parte das pessoas em situação de rua, os desempregados, trabalhadores informais, mais de 60% da população carcerária. Tudo isso é reflexo da falsa liberdade assinada pela princesa salvadora. É preciso luta e resistência para cobrar dos governantes e da justiças reparação histórica, plenos direitos e mais acesso às políticas públicas e oportunidades.
Liberdade sem inclusão é prisão.
Ter em mente sempre que o alicerce estruturante do Brasil foram homens e mulheres, negros e negras, sequestrados de suas terras e escravizados em solo brasileiro é essencial para nunca esquecermos sobre quem nossos olhares devem se debruçar e quem nossas lutas devem beneficiar.
O Brasil tem pele preta e ela foi libertada pelos negros e negras que fizeram a verdadeira luta abolicionista brasileira.
*Nádia Garcia é diretora LGBT e de Combate ao Racismo da Juventude do PT (JPT)