A segunda edição da revista de estudos técnicos da Liderança do PT no Senado, a Farol, está no ar! Desta vez, o tema é educação. O assessor Bruno Costa faz uma análise, à luz da luta de classes, dos avanços e retrocessos da educação no Brasil desde a Constituição de 1934.
A publicação explicita o salto histórico – quantitativo e qualitativo – da evolução do direito à educação no país durante os governos petistas; apresenta os impactos dos governos Temer e Bolsonaro, a exemplo da reforma do ensino médio; e destaca os principais desafios pela frente, como a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), com a meta de elevar os gastos com a área 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos.
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A primeira edição da Farol tratou do tema inteligência artificial, apresentando estudo técnico conduzido pelas assessoras Sarah Vale e Elisângela Pontes. No texto, as autoras apontam como os perigos da tecnologia ameaçam o processo eleitoral e como lidar com o avanço de métodos adotados para disseminar mentira em larga escala.
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Professora há quase 50 anos, a senadora Teresa Leitão (PT-PE) tem imenso orgulho da trajetória do partido na defesa da educação. “Apesar dos desafios, o que se observa é que, ao longo do tempo, os marcos legais que trouxeram grande parte dos avanços para o campo da educação pública, democrática e de qualidade foram conquistas que tiveram forte participação do PT, seja na luta por direitos ou na liderança do país. Uma prova robusta que aponta quem defende e acredita na educação como ferramenta de transformação social e a prioriza”.
Para o líder do PT no Senado, Beto Faro (PA), a educação é um dos pilares da democracia. “Nosso povo merece uma educação gratuita, pública, de qualidade e acessível a todos. Em menos de dois anos, estamos revertendo os ataques de Temer e Bolsonaro a esse direito fundamental, tanto nas ações do governo quanto no parlamento”.
Confira abaixo a entrevista com Bruno Costa, assessor da Liderança do PT no Senado desde 2016 nas áreas de Educação, Cultura e Esporte:
Na publicação, você analisa o tratamento legal dado à educação desde a Constituição de 1934. Em apenas 11 anos, os governos petistas elevaram o patamar da educação a níveis nunca vistos na história do país. Quais foram as mudanças mais significativas, “divisores de águas” mesmo, durante esse período que você chama de círculo virtuoso da educação (2003-2014)?
A Constituição de 1934 foi escolhida como marco inicial da pesquisa por se tratar do primeiro texto constitucional no qual emerge um capítulo dedicado à educação. E o que tento demonstrar é como o direito à educação avança e retrocede, nos textos constitucionais e nas legislações infraconstitucionais, como expressão das lutas de classes. Os retrocessos são mais agudos nos períodos autoritários.
Outra questão notória na análise é a histórica dicotomia, por vezes explícita, entre uma educação para as elites e outra para as classes trabalhadoras. Na Constituição de 1937, por exemplo, o principal papel do Estado era assegurar formação profissional para as classes menos favorecidas, em detrimento de uma educação integral.
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Nos dois primeiros governos Lula e no primeiro governo Dilma testemunhamos avanços significativos, que podemos considerar como sendo divisores de águas em benefício da educação pública e da redução das desigualdades educacionais, a exemplo da substituição do Fundef pelo Fundeb, da Lei do Piso Salarial do Magistério, da constitucionalização da educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos (da pré-escola ao ensino médio), da Lei de Cotas, da consistente expansão das universidades e institutos federais de educação e da aprovação do Plano Nacional de Educação (2014-2024).
Se hoje estamos debatendo a concepção de ensino médio, isso se deve muito ao fato de, nos governos liderados pelo PT, o ensino médio ter passado a integrar a educação básica obrigatória. Antes de 2009, a educação básica obrigatória se limitava ao ensino fundamental. Chega a ser estranho imaginar que, em um passado não tão distante, o ensino médio sequer fazia parte da educação básica obrigatória.
Após o golpe contra a Dilma (e contra o Brasil), os governos Temer e Bolsonaro impuseram ao país retrocessos enormes, a exemplo do teto de gastos e a reforma do ensino médio. Quais foram os impactos desses ataques?
Desde a Constituição de 1934 temos um piso constitucional de receitas vinculadas à educação. O teto de gastos (2016) resultou na suspensão do piso constitucional das receitas vinculadas à educação, impondo restrições orçamentárias que, na prática, inviabilizaram o cumprimento das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.
A reforma do ensino médio, por sua vez, representou uma reforma empresarial da educação, alheia aos anseios das juventudes das classes trabalhadoras, e não por acaso estudantes ocuparam mais de mil escolas país afora quando da edição e aprovação da reforma do ensino médio (2016-2017).
A concepção implícita na reforma do ensino médio reflete a histórica dicotomia de uma educação para as elites e outra, rebaixada, para as classes trabalhadoras, por isso a redução da carga horária da formação geral básica e a terceirização de parte significativa da carga horária do ensino médio para o mercado dos cursos de qualificação profissional. Por isso apenas português e matemática como componentes curriculares obrigatórios, em detrimento, por exemplo, de sociologia e filosofia.
Os chamados itinerários formativos, propagandeados como uma grande novidade para tornar o ensino médio mais atrativo, tornaram-se teias de componentes curriculares os mais absurdos e desconexos. A pandemia e o apagão do MEC durante o governo Bolsonaro tornaram o cenário ainda mais catastrófico para estudantes e profissionais da educação, de modo que o caminho da reconstrução não será nada simples.
Como isso está sendo combatido pelo governo Lula?
O governo Lula, através do ministro Camilo Santana, tomou a decisão acertada de suspender o cronograma de implementação da nefasta reforma do ensino médio e deflagrar uma consulta pública para ouvir principalmente estudantes e profissionais da educação, mas também gestores, pesquisadores e entidades da educação.
Após o processo de consulta, um GT elaborou o PL 5230/2023, uma tentativa de mediação entre os dos polos da disputa em torno da concepção do ensino médio. O principal mérito da proposta do governo era ampliar a carga horária da formação geral básica e transformar os desconexos itinerários formativos em percursos de aprofundamento nas áreas de conhecimento integrantes da formação geral básica.
Simultaneamente, o governo Lula lançou um programa de expansão do ensino em tempo integral e o Pé-de-Meia, uma política de assistência estudantil fundamental para assegurar a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade no ensino médio.
No Congresso, você acompanhou todo o processo que culminou na aprovação do PL 5230/2023. Que avaliação você faz desse embate, que contou com a participação ativa da sociedade civil, e do resultado final?
Foram embates muito difíceis. Na Câmara dos Deputados, (Arthur) Lira designou o deputado Mendonça Filho como relator da proposição do governo: o deputado que foi ministro da Educação do governo Temer e que foi responsável pela nefasta reforma do ensino médio. O resultado não poderia ser muito promissor.
No Senado Federal, no entanto, conseguimos avanços significativos em relação ao texto aprovado na Câmara. Diversas emendas apresentadas pela bancada do PT no Senado foram acolhidas, e o texto aprovado por unanimidade no Plenário do Senado representava, de fato, a revogação do modelo indutor de desigualdades e a introdução de um modelo mais próximo da concepção de uma educação integral.
Ao retornar à Câmara, no entanto, Mendonça Filho rejeitou praticamente todas as mudanças aprovadas no Senado, de modo que o texto final, embora contenha avanços significativos quando comparado à reforma de 2017, mantém abertas muitas janelas de precarização da educação pública.
Cabe ressaltar que a votação do texto final na Câmara foi conduzida de forma antidemocrática, de modo a impedir que as mudanças aprovadas no Senado pudessem ser objeto de votação nominal.
Não podemos deixar de homenagear a luta do Núcleo de Educação e Cultura do PT no Congresso, do Fórum Nacional de Educação, da CNTE, da UBES e de diversas entidades e movimentos sociais que participaram de todo esse processo de disputa e construção política. Tampouco deixar de ressaltar a importância da atuação da senadora Teresa Leitão, que presidiu uma subcomissão, no âmbito da Comissão de Educação e Cultura do Senado, destinada a debater um novo modelo de ensino médio.
Pensando nos desafios mais imediatos que teremos pela frente no parlamento, como está a discussão sobre o 3º PNE? Diante da atual correlação de forças no Congresso, o que você considera que deve ser priorizado nesse debate para enfrentarmos os problemas estruturais que ainda que interferem na qualidade da educação básica pública?
O PNE deve ser concebido como um pilar fundamental de um projeto de nação, tamanha sua importância. Sua vigência decenal denota que não se trata de um plano de governo, mas de uma política de Estado. Diante da correlação de forças desfavorável no interior do parlamento, somente uma potente mobilização social pode tornar possível a aprovação de um novo PNE que responda aos principais desafios do nosso país em matéria educacional.
Precisamos derrotar a falsa narrativa de que o Brasil já investe muito em educação e de que o problema é tão somente de gestão. Os dados da OCDE estão aí para demonstrar que, apesar de todos os avanços materializados nos governos liderados pelo PT, o investimento por aluno na educação básica ainda está distante da média do investimento por aluno praticado na OCDE.
Existe uma espécie de comportamento político bipolar no parlamento. Alguns parlamentares cobram mais investimentos e melhores resultados na educação, mas esquecem de liberar os investimentos em educação, tidos como fundamentais nos discursos, de entraves fiscais.
A tramitação do PNE exigirá muita mobilização social, do contrário poderemos ter como resultado um plano decenal que não responde aos nossos principais desafios em matéria educacional.
Por fim, a educação é uma bandeira histórica do partido. Como você menciona no estudo, a escola pode ser um espaço de “resistência democrática e de construção de uma cidadania crítica e ativa”. Qual modelo de educação você sonha para o Brasil?
A escola é um espaço em disputa. Não por acaso estamos testemunhando, aqui mesmo no Distrito Federal, um retrógrado processo de militarização escolar, concebido para adestrar corpos e mentes, e não para semear cidadania e pensamento crítico.
É a educação pública que concentra mais de 80% das matrículas na educação básica. Estamos falando de milhões de crianças e adolescentes frequentando milhares de escolas espalhadas por todo o país.
Há quem deseje que essas milhares de escolas sirvam tão somente, para usar uma expressão de Félix Guattari, como aparelhos modelizadores, ou seja, que sejam tão somente instrumentos de uma educação bancária, adestradora, mistificadora.
Eu sonho com um modelo de educação no qual a escola pública seja o equipamento público mais bonito e pleno de significação dentre todos os equipamentos públicos existentes e necessários.
Um modelo de educação no qual estudantes egressos dos cursos de pedagogia e das licenciaturas almejem ser trabalhadores de escolas públicas, pois a carreira dos profissionais da educação será valorizada e atrativa, e não considerada como uma espécie de via crucis.
Um modelo de país no qual o investimento em educação não é limitado por entraves fiscais que beneficiam tão somente o mercado financeiro. No qual as mães e os pais possam estudar e trabalhar com a tranquilidade de ter seus filhos bem-cuidados em creches públicas, gratuitas e de qualidade.
Um modelo de educação no qual os sentidos de existir sejam construídos coletiva e dialogicamente, de modo que a barbárie seja derrotada pela utopia e que a escola seja o espaço-tempo do devir humano. Um modelo de escola que combata a feiura do mundo e produza bonitezas.
Do PT Senado