Se é quase uma unanimidade na esquerda que as eleições de 2018 foram uma farsa idealizada para legitimar o golpe que culminou no impeachment da Presidenta Dilma, as posições sobre as motivações e as causas desse processo golpista são dezenas.
Queremos com esse artigo defender que o programa do PT supere a ideia de que há saída possível para superar a crise da democracia no Brasil e construir um projeto de sociedade socialista através da aposta no funcionamento das instituições burguesas e com um programa de aliança com burguesia nacional, mas para isso precisamos primeiro voltar um pouco no tempo para compreender a aliança que permitiu a eleição de Lula.
Lula chega à presidência em 2002 aliado a uma parcela significativa da burguesia nacional. Mantém as bases macro econômicas do país, mas dá uma guinada na economia interna ao abandonar a ideia neoliberal de Estado mínimo (para os pobres) e coloca o Estado brasileiro no centro do desenvolvimento nacional como indutor da economia e promotor de distribuição de renda. Não há qualquer pessoa séria nesse país que não reconheça que a partir dessa guinada, o Brasil experimentou um gigantesco avanço social. Foram tantos os avanços que é impossível tratar em um único texto de todos eles, portanto aqui vamos nos concentrar no papel do bolsa família, da política de valorização do salário mínimo e do combate sistemático ao desemprego.
Foi graças a esses programas que o país experimentou, pela primeira vez em sua história, crescimento econômico aliado à distribuição de renda. Foi também graças a eles que os trabalhadores conquistaram sucessivos aumentos reais de salário e renda, que foi possível acabar com a miséria e a fome que assolavam o país, assim como também foi possível que bancos e indústrias tenham experimentado crescimento e lucratividade acima de qualquer expectativa. Era o apogeu econômico promovido por Lula.
Diante de tamanho sucesso econômico e social, fortaleceu-se uma ideia de que era possível e desejável uma eterna conciliação de interesses que combinassem o aumento do poder de compra e crédito dos pobres o aumento do lucro dos ricos. Diante desse cenário extremamente positivo, os governos petistas pouco avançaram nas reformas de base e não enfrentaram a base da infraestrutura social do país.
Sem democratização dos meios de comunicação de massa, sem reforma política real, sem reforma tributária, sem promover alterações no judiciário (quem nomeamos mesmo para o STF?) e sem politização social dos avanços conquistados, os governos petistas não promoveram nenhuma profunda alteração na correlação de forças sociais presentes no Brasil.
Também é preciso levar em consideração que o protagonismo internacional alçado pelo Brasil fruto de uma política externa altiva e multipolar, a criação do Banco dos BRICS (primeira alternativa ao FMI), a descoberta de enormes reservas de petróleo na camada pré-sal, aliados à crise econômica mundial, instalada a partir de 2008, tornaram o Brasil alvo central do capitalismo internacional, em especial, do estadunidense.
É diante desse contexto que a crise econômica mundial começou a impor limites ao apogeu econômico que tornou possível que todos lucrassem no país. A política de valorização dos salários começa a ser um problema para as elites que pressionavam o governo para reduzir os custos da mão de obra.
O interesse internacional sobre o petróleo brasileiro também cresce. Diante desse cenário a presidenta Dilma e diversos executivos da Petrobras tem seus telefones grampeados pela NSA, o WikiLeaks divulga uma troca de emails entre José Serra e o embaixador estadunidense prometendo rever o marco regulatório do pré-sal, surgem diversos movimentos de extrema direita e a imprensa assume um papel de oposição declarada ao governo Dilma.
As eleições de 2014 ocorrem nesse ambiente de polarização e tensionamento, com forte engajamento. De um lado revistas divulgando falsas denúncias e bancos divulgando suas posições favoráveis a Aécio Neves, de outro lado grande mobilização de artistas, da juventude e dos movimentos sociais a favor de Dilma. No segundo turno das eleições o debate econômico se tornou central. O PT apostou na defesa dos direitos dos trabalhadores e conseguiu vencer as eleições, apesar da pequena diferença.
Tornou-se nítido, a partir dali, que a política de alianças e conciliação que garantiu a governabilidade entre 2002 e 2013 já não seria possível em 2014. Apesar da separação inevitável entre o programa eleito nas urnas e a conciliação com a burguesia nacional diante de uma crise econômica, o governo tenta se conciliar com o capital financeiro ao nomear Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, que publica as Medidas Provisórias 664 e 665, adota uma política de austeridade que era oposta ao programa vitorioso das eleições de 2014, fazendo com que Dilma perca a força popular que sustentou sua vitória eleitoral. No parlamento o fisiologismo ganhou as eleições da Presidência da Câmara com o Eduardo Cunha e o chamado “centrão” passou a ter uma pauta própria, fisiológica e ultra conservadora completamente inconciliável com o programa que saiu vitorioso das urna. Estava desenhado o cenário do golpe de 2016.
Temer assumiu cumprindo a promessa feita por Serra aos EUA e abriu a possibilidade de exploração internacional de nossas reservas de petróleo. Aprovou a terceirização irrestrita que precarizou ainda mais as relações de trabalho no país. Apesar de amplo apoio parlamentar, Temer nunca conseguiu conquistar aprovação popular e recebia dezenas de denúncias de corrupção. O governo era, portanto, precário e instável, com imagem golpista e não sustentaria um programa neoliberal de médio e longo prazo.
É diante desse contexto que se desenham as eleições de 2018. O projeto entreguista buscava alcançar o resultado esperado com o golpe contra Dilma, mas para isso precisava se legitimar nas urnas, mas havia um empecilho no caminho: Luis Inácio Lula da Silva, que liderava todas as pesquisas de intenção de voto para a presidência da república.
Condenaram Lula através de processos extremamente frágeis, julgados em tempo recorde com forte campanha da imprensa pela sua prisão. Lula candidato de fato impediria a realização do projeto entreguista. Assim mantiveram Lula isolado e calado.
Durante esse processo, Bolsonaro crescia nas pesquisas canalizando em si o antipetismo, a antipolítica e a força de dois debates pouco enfrentados pela esquerda: a corrupção e a segurança pública.
É verdade que Bolsonaro nunca foi o candidato idealizado pelo establishment do golpe, mas tornou-se o único candidato capaz de vencer Fernando Haddad, o candidato do PT, o candidato de Lula, nas eleições. É importante lembrar que durante as eleições de 2018, o PT mostrou uma capacidade de superação gigantesca, após o golpe contra Dilma e a prisão de Lula, mostrou grande capacidade de mobilização eleitoral, levando um candidato até então pouco conhecido para o segundo turno e elegendo a maior bancada de Deputados Federais da Câmara.
As praças ficaram lotadas de banquinhas “vira voto”, artistas e intelectuais se mobilizavam, mas não foi suficiente para vencer o establishment, que precisava dessa eleição para implementar seu programa. No fundo sabíamos que para o golpe de 2016 ter continuidade e implementar seu programa, jamais permitiriam que a esquerda vencesse as eleições presidenciais.
Chegamos, portanto ao ponto central de reflexão que buscamos com esse artigo. Se desde as eleições de 2014 já havia ficado nítido que eram grandes e poderosas as forças que operavam contra o projeto democrático e popular em curso no Brasil, se desde que a Presidenta Dilma teve sua comunicação violada pelos Estados Unidos já se sabia o enorme interesse que os norte americanos tinham no petróleo brasileiro, por que se desmonta a estrutura de comunicação contra hegemônica criada com o Muda Mais e se nomeia Levy para implementar o programa econômico derrotado nas urnas para conciliar com o capital financeiro?
Se sabíamos que as eleições de 2018 faziam parte do script golpista, mas mesmo assim por diversas vezes apostamos em uma tática eleitoral que disputava a sociedade pelo viés conservador, apostamos mais uma vez na tática eleitoral diante da estratégia da luta social.
Aquela gigantesca base social que mobilizamos no segundo turno das eleições de 2018 precisam vir para o PT, viver o PT, construir o PT, ter espaço no PT. Nossas sedes precisam estar nas periferias, nosso trabalho de base não pode acontecer somente no período eleitoral. Aquela multidão que lotava as plenárias de candidatos petistas precisam também ir para as ruas contra os retrocessos. É inadmissível que petistas tergiversem sobre a Reforma da Previdência, o Pacote do Moro ou sobre a gravidade do retrocesso no campo da educação. É essencial que nossos governadores, prefeitos e parlamentares compreendam que precisam ser mais que bons gestores das instituições burguesas. É necessário todos os petistas ocupem governos para disputar a ideologia social e se contrapor ao projeto entreguista e ultraconservador que assumiu o governo federal.
Entendemos que o 7º Congresso do PT será um importante divisor de águas para a história do PT. Que é necessário superar a ideia de que somos um partido apenas eleitoral, para sermos um partido com estratégia socialista, que compreenda que a vitória eleitoral é sempre meio para a implementação de um programa, que não pode ser sacrificado para qualquer vitória eleitoral pontual. Defendemos um PT que seja formador, formulador, pedagógico, democrático, transparente, desburocratizado, de massas e também de quadros, popular e também dirigente, que seja capaz de disputar continuamente a ideologia politico social, os corações e as mentes da população.
Os mesmos erros levam aos mesmos lugares. Já aprendemos que a estratégia da conciliação, da crença nas instituições burguesas e da falta um programa estratégico socialista nítido constrói uma tática frágil. Acreditamos que nessa divisão de águas que o PT viverá, a saída será sempre pela esquerda.
Alfredo Santos Junior é Diretor de Imprensa do Sindiquímica e Secretário de Administração e Finanças da CUT-BA.
Camila Moreno é do Diretório Nacional do PT.