Nesses últimos meses de desgoverno Bolsonaro, o tsunami de queda da renda e endividamento que arrasta a grande maioria das famílias brasileiras tem feito as mais pobres tomarem empréstimos para comprar comida e pagar as contas. É o que revela um estudo do instituto de pesquisas Plano CDE com famílias de todas as classes sociais.
“Salta aos olhos essa questão da necessidade dos empréstimos para comprar comida, indicando a situação grave que uma série de famílias enfrenta atualmente”, afirma Maurício Prado, diretor do Plano CDE, na Folha de São Paulo.
Entre 45% e 50% dos respondentes das classes C, D e E afirmaram que a alimentação e as contas do mês foram ou seriam a principal finalidade para tomar um empréstimo. O percentual cai para 30% entre as classes A e B. Pagamento de outras dívidas e montar ou investir no próprio negócio são outras das principais justificativas.
A pesquisa aponta ainda que 50% dos participantes nas classes D e E já tiveram de reduzir a compra de comida para pagar uma dívida. Os endividados também recorrem ao aumento na carga de trabalho (horas extras, bicos, trabalhos temporários) e à venda de bens (carro, móveis, eletrodomésticos) para fazer frente às despesas.
Considerando todas as classes, 42% afirmam ter alguma dívida em atraso. Metade das famílias tomaram algum tipo de empréstimo no último ano. Familiares e amigos foram a principal fonte para a busca dos recursos entre os mais pobres, seguida por bancos.
“O consignado do Auxílio Brasil só vai fazer com que as famílias se enrolem ainda mais”, ressalta Prado. Após liberar em outubro R$ 6 bilhões em empréstimos consignados para beneficiários do Auxílio Brasil, a Caixa Econômica Federal restringiu a linha de crédito depois do segundo turno das eleições.
A média diária de contratos diários caiu de 114 mil, em outubro, para 1,5 mil em novembro.
São considerados de classes D e E domicílios com renda familiar de até R$ 2.000. Na C2, o intervalo vai de R$ 2.000 até R$ 3.000, e de R$ 3.000 até R$ 6.000 na C1. A AB é formada por lares com renda familiar acima de R$ 6.000.
Com a renda cada vez mais baixo, crédito é alternativa para sobreviver
“O crédito como complemento de renda é um caminho quase certo para o superendividamento”, avalia o coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Lauro Gonzalez.
A combinação de crescimento econômico baixo com inflação alta e um mercado de trabalho marcado pela precarização e informalidade, diz ele, levou a população de menor poder aquisitivo a utilizar cada vez mais o crédito como um complemento à renda.
Entre os brasileiros que conseguiram poupar algum valor no último ano (acima de 60%, mesmo nas classes C, D e E), a caderneta de poupança ainda é a principal alternativa. Um em cada 3 brasileiros disse que pretende fazer alguma aplicação na poupança nos próximos 12 meses.
No entanto, 57% dos entrevistados não têm poupança para lidar com um imprevisto. O principal desafio para a formação de uma taxa de poupança na base da pirâmide é a falta de renda —nos últimos 12 meses, cerca de 50% da população teve gastos maiores do que a renda, sendo 60% nas D e E e 55% nas C1 e C2.
Em outubro, a diferença entre saques e depósitos na caderneta de poupança chegou a R$ 11,006 bilhões, maior saldo negativo para o mês em toda a série histórica do Banco Central (BC), desde 1995. Em 2022, o acumulado entre janeiro e o mês passado já atinge -R$ 102,077 bilhões. Até dezembro, a saída líquida pode chegar a mais que o dobro do pior resultado da história, em 2015 (-R$ 53,567 bilhões).
Para modificar esse cenário de terra arrasada, urge priorizar os mais vulneráveis. A aprovação da PEC do Bolsa Família será o primeiro passo nesse grandioso processo de recuperação socioeconômica, tanto por meio do Bolsa Família quanto pela recomposição dos gastos com programas estratégicos para a retomada do crescimento inclusivo. Cabe ao Congresso Nacional assumir sua responsabilidade com a população.
Da Redação, com informações da Folha de S. Paulo