“A ideia de fundar o grupo ‘Acadêmicos e Ativistas pela Democracia no Brasil’ foi encorajar uma discussão aberta e democrática, combinada com a ação, para responder à situação atual no Brasil, mas também para pensar sobre como promover uma agenda progressiva que possa atingir os objetivos de inclusão social, justiça econômica e ampla democracia”, escreveu James N Green na página do grupo no Facebook, que já conta com mais de 2.400 membros.
Green é brasilianista, professor de História Moderna da América Latina e diretor da Brown-Brazil Iniciative da Brown University, nos Estados Unidos, e professor visitante da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel.
Pesquisador do Brasil há mais de 40 anos, tendo vivido seis no país, em plena época da ditadura militar, Green resolveu juntar um grupo de acadêmicos e ativistas pela democracia no Brasil.
Tendo acompanhado de perto o processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff e se indignado com o que ele chama de pretextos para o impeachment, ele resolveu montar um grupo de resistência internacional.
O acadêmico é autor do livro “We cannot remain silent” ou “Nós não podemos ficar em silêncio”, que foi lançado no Brasil como “Apesar de você: a oposição à ditadura militar nos EUA, 1964-85”.
Nesta entrevista, Green comenta o julgamento do ex-presidente Lula, marcado para o dia 24 de janeiro, e o seu receio ao ver similaridades entre o Brasil de hoje e o dos tempos pré-64.
RFI – Por que este grupo? Qual o objetivo?
James N Green – Nós iniciamos um movimento internacional em 2016, quando houve a ameaça do impeachment de Dilma Rousseff. Conseguimos o apoio de acadêmicos e intelectuais norte-americanos, europeus e latino-americanos para questionar a falta de democracia no processo de investigação no Congresso sobre o impeachment dela.
E depois do impeachment fizemos uma campanha em defesa do Jean Wyllys, que estava sendo ameaçado de ser punido por sua atuação no Congresso, e protestamos também contra a presença do Jair Bolsonaro na universidade americana George Washington este ano.
Foram três iniciativas de intelectuais e acadêmicos norte-americanos e europeus para tentar juntar uma opinião pública dentro de um setor social sobre a realidade brasileira. Estas três iniciativas foram muito felizes e eu percebi que era possível organizar uma rede internacional de pessoas que podiam seguir adiante, acompanhando o processo político democrático no Brasil e responder às ameaças à democracia.
RFI – Por que é importante a mobilização internacional pela democracia no Brasil?
JNG – O meu primeiro contato com o Brasil foi em 1973, quando eu conheci um exilado brasileiro que estava organizando uma campanha internacional contra a tortura no Brasil, contra a ditadura. Eu colaborei um pouco com esta campanha, depois eu fui para o Brasil, e eu aprendi com esta experiência a importância de uma solidariedade internacional, de mostrar tanto às pessoas que estão lutando pelo país democrático quanto àquelas que estão tentando evitar esta possibilidade de democracia que a opinião pública internacional pode ter um peso de influenciar na situação nacional.
Claro que nossa situação não é de intervir na política específica do país, mas mostrar que as pessoas que estão fora do país estão acompanhando a situação, estão preocupadas com a ameaça à democracia e estamos disponíveis para mobilizar fora do país em relação a estas medidas.
É uma experiência que eu aprendi durante a ditadura militar (1964-1985), quando eu fazia parte desta rede internacional de solidariedade, contra a ditadura, e acho fundamental neste momento em que a democracia está sendo ameaçada.
RFI – O julgamento de Lula, marcado para o próximo dia 24, é uma ameaça à democracia? Por quê?
JNG – Eu acho que é uma ameaça porque realmente eu não estou convencido sobre as acusações contra ele. Eu acompanhei o processo, eu vi várias leituras e interpretações. Eu não sou advogado, mas eu não acho que as provas foram suficientes para condená-lo.
Então, para mim, a condenação dele não é uma condenação legal, mas uma condenação política. Ou seja: tem forças políticas que não querem que ele seja candidato à presidência em 2018 e por isso é necessário puni-lo para que ele não seja candidato. Então isso para mim é muito perigoso, porque anular uma candidatura de uma pessoa que tem muita popularidade ameaça as opções democráticas para as pessoas no país.
RFI – Por que você considera importante que Lula participe da eleição de 2018? Você sabe que ele tem rejeição dentro da própria esquerda brasileira.
JNG – O Lula realmente é uma pessoa que tem grande apoio popular, mas tem pessoas tanto da esquerda quanto de outros setores políticos que estão contra a candidatura dele. Eu acho que ele deve ser candidato para poder articular suas visões e deixar o país fazer um balanço sobre os mandatos dele.
E se o povo acha que ele fez um mandato correto e não está convencido de suas acusações, ele tem todo o direito de ser presidente de novo, e vai ser um tipo de plebiscito nacional e acho que isso é fundamental para garantir a democracia no país.
RFI – Você acha que a tentativa de distribuição de renda dos governos Lula/ Dilma irritou as elites a tal ponto de elas terem apoiado o impeachment sem provas concretas? Ou você vê outras razões?
JNG – Eu acho que tem duas razões. A primeira razão foram justamente as tentativas – muito moderadas e mínimas, mas significativas – de tentar fazer uma certa justiça social no país, com vários programas sociais. Limitadas e incompletas, mas foram tentativas que ameaçavam muito o status quo e a hierarquia sócio-econômica do país, foi realmente um dos motivos muito fortes para as campanhas contra a presidenta Dilma Rousseff.
O segundo motivo era a situação econômica, que estava muito debilitada, e justificava as mobilizações políticas contra a presidenta. Agora as razões que eles inventaram para a derrubada dela foram ridículas, sem fundamento, foram pretextos.
Exatamente a mesma situação de 1968, quando o famoso discurso do deputado Márcio Moreira Alves, no Congresso, contra a tortura, foi apenas um pretexto para implantar o Ato Institucional número 5 (AI-5), fechar o Congresso e começar o período mais repressor da história do Brasil.
Então foi um pretexto que eles procuraram para derrubar a presidenta Dilma, como procuraram um pretexto em 1964 para derrubar o governo de João Goulart. Eu acho que vai ser muito difícil Lula ser candidato, porque eu acho que estas mesmas forças que derrubaram a Dilma Rousseff em 2016 não vão deixar Lula ser candidato à presidência em 2018.
RFI – Você falou que viu uma relação entre o golpe militar de 64 e o impeachment da Dilma em 2016. Quais outras relações você vê entre o Brasil de hoje e o Brasil do período militar?
JNG – Eu acho que são dois momentos: um momento antes do golpe de 64, onde havia certas mudanças sociais implementadas pelo governo de João Goulart e a ameaça de outras mudanças, com as mobilizações populares, que foi um dos grandes motivos para o golpe de 64.
Eu acho que mesmo sendo reformas moderadas e modestas implementadas pelos governos de Lula e Dilma, elas ameaçaram muito setores políticos e econômicos que achavam que estas medidas do governo do PT ameaçavam seu poder.
Eu acho que, comparando a ditadura e a situação atual, nota-se uma grande ameaça aos procedimentos democráticos, no sentido que agora o Judiciário está com muito poder, arbitrário, tomando medidas que eu acho que não deveria tomar.
Como o Judiciário estava totalmente sob o controle do governo no período militar, sem atividades independentes e autônomas. Hoje em dia o Judiciário é autônomo, mas toma medidas arbitrárias e políticas, não legais.
RFI – Você acompanhou de perto o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Agora, passado um tempo dos fatos, qual a sua avaliação disso?
JNG – O impeachment dela foi uma palhaçada. Porque não tinha motivos reais para impedir a presidência dela. A derrubada dela foi um golpe muito grande à democracia brasileira e abre a possibilidade de outras medidas contra outros presidentes no futuro, então isso para mim foi muito doloroso de acompanhar.
Foi também muito difícil ver um Congresso tão corrupto e tao ridículo quando fizeram as declarações na votação na Câmara dos Deputados. Eu acho que isso foi uma revelação para todo o país acompanhar este dia da votação.
O fato de que o vice-presidente Temer assuma o poder e vá fazer uma transformação total na política do PT e o governo dirigido por Dilma Rousseff indica que realmente foi um golpe político contra uma política de Estado.
Setores da centro-direita estavam totalmente insatisfeitos com a política econômica do governo do PT e fizeram o golpe para reverter todos os programas sociais, todas as medidas progressistas que foram implementadas pelos governos do PT ao longo dos anos no poder.
Isso é um golpe total à democracia no país, porque a Dilma foi eleita duas vezes democraticamente. O programa que ela defendia foi um programa progressista que o governo atual está tentando desfazer, destruir. Então isso para mim é um perigo.
RFI – E quais lições o Brasil pode tirar deste processo de impeachment de 2016?
JNG – Eu acho que as pessoas têm de estar muito atentas a estas manipulações do Congresso e de políticos, de inventar pretextos para derrubar governos democraticamente eleitos. Então, neste caso, Dilma foi derrubada por medidas totalmente irregulares, por pretextos que não se sustentavam, e isso pode acontecer no futuro.
Então para mim isso é uma ameaça, eles podem manipular o sistema político para derrubar outros governos populares, como eles estão manipulando a situação, neste momento, para evitar a candidatura de Lula.
RFI – Você viveu no Brasil no final dos anos 70 e participou de importantes movimentos sociais no país. Quais memórias guarda deste período? O que ficou daquela luta?
JNG – Estes foram os melhores anos da minha vida. Foram seis anos, de 1976 a 1982, quando eu participei tanto do movimento contra a ditadura, em várias atividades, como estudante e como jornalista, e também no movimento LGBT, do qual eu fui um dos fundadores do primeiro grupo no país. Foi um momento de transformação, de sentir que tudo podia melhorar, que a situação estava florescendo, uma nova sociedade estava brotando neste momento.
A abertura política fornecia novas possibilidades para o país, foi fabuloso. Eu lembro muito bem deste período, eu tenho grandes amigos desta época da minha vida, eu vivo intensamente estas amizades ainda, com estas pessoas com quem eu militei nos anos 70 no Brasil, pela democracia.
Eu acho que houve muitas conquistas. O fato que o movimento operário, o movimento estudantil, os movimentos sociais derrubaram a ditadura militar, em grande medida, o fato de o movimento LGBT ter surgido neste momento e ainda ter uma força muito grande.
E eles forjaram uma consciência de cidadania que ainda não foi derrotada. Este sentimento de cidadania, dos plenos direitos de todos os setores sociais, é o que nós estamos tentando canalizar, dentro e fora do Brasil.
Dentro do Brasil com as pessoas que ainda acreditam na possibilidade da justiça social e igualdade e fora do Brasil com pessoas que acompanham o país, que acreditam ainda neste sonho de um país melhor. Estamos lutando por isso.
RFI – E foi por isso que você fundou este grupo? Quantas pessoas tem no grupo hoje e como está sendo a mobilização?
JNG – Foi impressionante, porque eu comecei com esta ideia o ano passado, eu fundei uma página no Facebook que chamava “Academics for Democracy in Brazil” (Acadêmicos pela democracia no Brasil). E recentemente pensei que tinha de ampliar mais, porque tem muitos brasileiros no exterior que estão muito ativos na campanha contra a situação no Brasil.
Então refundei o grupo, que passou a se chamar “Academics and Activists for Democracy in Brazil” (Acadêmicos e ativistas pela democracia no Brasil), e em uma semana crescemos de 600 para 2.250 pessoas. Há um grande interesse de forjar estas redes internacionais, de trocar ideias, de pensar como mudar a sociedade, como organizar a resistência, então acho que é um bom começo. Em uma semana mais de 2000 pessoas aderiram ao movimento e vamos ver como canalizamos esta energia.
Da RFI