Em recente viagem à Índia, Michel Temer foi perguntado pela BBC Brasil sobre o motivo de ter escolhido um ajuste fiscal (congelar verbas sociais por 20 anos) que pune os pobres e poupa os ricos. Respondeu que a crítica “não tem procedência” e que “não há nenhuma perseguição aos mais pobres”. Uma explicação pouco convincente, segundo certos economistas, incluindo o conselho federal da categoria.
Para eles, o congelamento sacrificará os mais pobres, ao afetar serviços públicos como saúde, educação e assistência, áreas que no presente ajudam a promover um mínimo de proteção social e igualdade e que no futuro terão menos recursos. Uma avaliação que explica por que os aliados do presidente no Congresso fazem a proposta avançar a toque de caixa, sem muita discussão.
Para o Conselho Federal de Economia, o governo deveria enfrentar a crise fiscal com medidas pró-crescimento econômico e uma cobrança maior de impostos dos ricos. Seria um meio de arranjar dinheiro para bancar as despesas sociais, sem a necessidade de congelá-las.
“No atual momento de crise fiscal, não há como atender às crescentes demandas sociais sem mexer em nosso modelo tributário”, diz um comunicado recente do Conselho. “Contudo, em lugar deste debate, adota-se o caminho mais fácil, jogando o ônus nos ombros dos mais pobres.”
O modelo tributário brasileiro citado pela entidade é um “paraíso para os super ricos”, segundo um estudo divulgado em fevereiro por um órgão ligado às Nações Unidas, o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo.
O estudo é de dois economistas brasileiros, Sergio Gobetti e Rodrigo Orair, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e autores de análises diversas sobre a tributação nacional que sempre chegam à mesma conclusão: o pobre paga mais e o rico paga menos impostos.
Por razões históricas, a tributação no Brasil privilegia o consumo. Cobra-se muito de ICMS, Cofins e ISS a cada venda de mercadoria ou serviço, o que é pior para os mais pobres, que gastam tudo o que ganham com alimentação, remédios etc. Já a tributação da renda e do patrimônio, como imposto de renda e sobre lucros, tem peso menor, o que favorece os endinheirados.
No resto do mundo costuma ser o contrário. Por exemplo: nos países da OCDE, grupo a reunir 34 nações desenvolvidas como Estados Unidos e várias da Europa, a taxação do consumo representa, em média, um terço da arrecadação nacional, enquanto a cobrança de impostos sobre renda e bens equivale a dois terços.
Economistas contrários ao ajuste fiscal de Temer apontam alguns caminhos de taxação dos ricos como alternativa ao congelamento das despesas sociais.
Gobetti e Orair defendem acabar com uma isenção de IR sobre lucros e dividendos instituída em 1995, primeiro ano da gestão Fernando Henrique. Graças à isenção, uma jabuticaba só existente por aqui, os “super ricos” podem ganhar fortunas como pessoa jurídica sem pagar nada como pessoa física. O fim da mordomia poderia gerar cerca de 40 bilhões de reais por ano.
André Calixtre, outro economista do Ipea, defende tirar do papel a taxação das grandes fortunas, um tributo previsto em vão até hoje na Constituição de 1988. Estimativas dele indicam ser possível obter por ano de 10 bilhões de reais, se aplicada uma alíquota fixa, a 50 bilhões de reais, na hipótese de a alíquota subir junto com o tamanho da fortuna.
Fernando Gaiger, mais um economista do Ipea, apostaria no aumento da cobrança de alguns impostos já existentes, como os incidentes sobre fazendas (ITR), de arrecadação “vergonhosa” por aqui. E na instituição da progressividade (quem pode mais, paga mais) de outros, como o IPVA (carros) e IPTU (imóveis), inexistência que ele também considera uma “vergonha”.
Tais ideias não entusiasmam o governo. Pelo contrário. Em meados de junho, Temer assinou uma medida provisória que, na prática, reduziu a cobrança de taxas sobre propriedades litorâneas situadas em áreas públicas. Em outras palavras, aliviou para ricos donos de casas à beira mar.
Logo ao assumir o cargo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pediu para deixar de lado um projeto que seu antecessor, Nelson Barbosa, acabara de mandar ao Congresso, para elevar a taxação das heranças. Dentre os que taxam, o Brasil exibe uma das menores alíquotas, segundo a consultoria Ernest & Young, em torno de 4%. Nos EUA, a alíquota média é de 29%. No Chile, 13%.
Com opções políticas dessa natureza, não surpreende a correria patrocinada pelos governistas na votação no Congresso do congelamento de verbas.
Uma semana após os deputados aprovarem de vez o projeto, o Senado já providenciava, na última terça-feira 1, um primeiro relatório a respeito, de autoria do cearense Eunício Oliveira, líder do PMDB de Temer e candidato a comandar a Casa a partir de 2017. Se tudo correr como combinado entre os partidos, a aprovação terminará em 13 de dezembro, com menos de dois meses de debates.
Na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em que o relatório de Oliveira, a favor da aprovação do congelamento, foi conhecido, os governistas queriam votá-lo logo. Não conseguiram, mas impediram uma discussão mais prolongada.
Uma semana antes, eles já haviam tentado, sem êxito, derrubar uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos, para a qual haviam sido chamados dois representantes do governo – e ambos não apareceram.
Fernando Gaiger participou da audiência pública. E comentou: “O problema fiscal está dado. Há que se tomar alguma medida. Agora, a medida [congelar verba social por 20 anos] é altamente regressiva, porque você vai controlar justamente os gastos mais progressivos que você tem.”