Partido dos Trabalhadores

Amazonas pode entrar em lockdown, com indígenas sob risco

Doentes de Covid-19 já ocupam 90% dos leitos no estado. Enquanto surgem primeira mortes de indígenas, Funai ignora verba extra recebida há duas semanas

Ricardo Stuckert

Comunidade indígenas do Amazonas ameaçados pela contaminação do Covid-19

O Amazonas deve ser o primeiro estado brasileiro a decretar um lockdown, a forma mais rígida de quarentena. O governador Wilson Lima declarou, em entrevista ao El País Brasil, que 90% dos leitos dos hospitais do estado são ocupados por pacientes de Covid-19.

O governo estadual contabiliza 1.275 contaminações e 71 mortes, o que levou Lima a comentar: “Estamos avaliando os números e, se a gente continuar numa evolução significativa, não vamos ter outra alternativa a não ser colocar todo mundo em quarentena, a aumentar as medidas restritivas”.

O Amazonas está em quarto lugar no ranking de estados com mais casos da doença, embora sua população seja a 13ª entre as unidades da Federação. No sábado, 11 de abril, morreram em Manaus um homem da etnia tikuna, de 78 anos, e uma mulher da etnia kokama, de 44 anos. Na quinta-feira, havia morrido um adolescente ianomâmi de 15 anos, no Hospital Geral de Roraima.

As mortes fizeram a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, anunciar nesta segunda-feira, 13, que o governo vai liberar R$ 4,7 bilhões para povos indígenas e comunidades tradicionais durante a pandemia. A maior parcela, R$ 3,2 bilhões, vai para o auxílio emergencial para trabalhadores informais. Há previsão de R$ 1,5 bilhão em compras de cestas básicas, kits de higiene e reforço alimentar.

Algumas horas depois do anúncio, no entanto, o jornal O Estado de S.Paulo relatou consulta ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) do governo federal, que constatou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) recebeu, há duas semanas, R$ 10,840 milhões de recursos emergenciais para usar na proteção de indígenas, mas até agora apenas um gasto de R$ 11,4 mil havia sido empenhado pelo órgão.

Questionada sobre as razões de não usar o recurso emergencial, a Funai não se posicionou e também não comentou o que pretende fazer com a verba. O orçamento total da Funai previsto para este ano era de R$ 506 milhões.

 

Dupla ameaça

Desde fevereiro, entidades vêm alertando para a gravidade da situação dos 800 mil indígenas brasileiros, principalmente na região amazônica. O povo Mura denunciou uma investida de grileiros e madeireiros em áreas à beira de sua reserva, a Terra Indígena Lago Capanã, em Manicoré (AM). Antes mesmo da pandemia, o desmatamento já havia explodido nos dois primeiros meses de 2020, com aumento de mais de 70% nos alertas emitidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Boletim da ONG Instituto Socioambiental (ISA) também confirmou com imagens de satélite que garimpeiros estão ampliando suas operações dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas. Segundo o boletim, houve aumento de 3% na área degradada no território yanomami em março, em comparação com fevereiro. Os novos focos de garimpo degradaram 114 hectares, ou 114 campos de futebol.

A entidade, que criou uma plataforma online interativa (https://covid19.socioambiental.org/) para acompanhar os casos de Covid-19, contesta o procedimento da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, que não coloca na conta de indígenas com coronavírus os considerados “não aldeados”, que moram nas cidades ou fora das aldeias.

Por conta desse método, a entidade se preocupa com a subnotificação da pandemia entre a população indígena. Segundo boletim epidemiológico desse domingo, além dos três mortos pela doença, foram contabilizados nove casos confirmados e 23 suspeitos, mas as entidades acreditam haver muito mais.

Alarmado com a situação, o povo Kayapó do município de Alto Progresso, no Pará, enviou apelo ao Ministério Público Federal do Estado nesta segunda-feira, 13. “A situação é de extrema gravidade e a presença de invasores coloca em risco não somente a integridade territorial como ameaça nossa própria sobrevivência física”, afirmaram no documento. O MPF acredita que essa contabilização será judicializada no futuro.

Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também cobrou uma posição das autoridades. A coordenadora-executiva da entidade, Sônia Guajajara, sugeriu que, devido ao que chama de “negligências” do governo Bolsonaro, a sociedade civil concentre os esforços na articulação dos governos estaduais, “uma vez que o governo federal não demonstra compromisso para a construção real de um plano emergencial”.

 

Mais Médicos

O descuido do governo federal com a saúde dos povos indígenas ocorre desde o fim do convênio entre o Mais Médicos e o governo de Cuba, no fim de 2018, e mudanças na gestão da saúde indígena no governo Jair Bolsonaro. Após atingir níveis historicamente baixos em um período que coincidiu com a execução do programa, a mortalidade de bebês indígenas voltou a subir em 2019.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, que controla a Funai, disse que a pasta tem dado atenção aos indígenas. Mas o colega de governo, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, demitiu nesta segunda o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Alves Borges de Azevedo, após uma operação de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas coordenada pela diretoria dele.

Olivaldi, major da Política Militar de São Paulo nomeado pelo próprio Salles em janeiro de 2019, comandou a ação do Ibama em três terras indígenas no sul do Pará, onde vivem cerca de 1.700 índios, exatamente porque as invasões de terras indígenas têm aumentado desde o início da pandemia. Talvez porque, em novembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro prometeu a garimpeiros, em frente ao Palácio da Alvorada, que proibiria a queima de maquinário ilegal apreendido em ações de fiscalização.

No início do mês, Salles já havia demitido o coordenador-geral para o monitoramento do uso da biodiversidade e comércio exterior do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Sócrates de Almeida Teixeira, por ele se opor à exportação ilegal de madeira.