Perseguição implacável à esquerda e às pautas progressistas, apreço pela opressão e ideias autoritárias, economia subserviente e entreguista, apoio da imprensa hegemônica, e uso agressivo de marketing como manipulador das massas. Junte todos estes elementos, misture com um candidato neoliberal e o resultado será – a história comprova – mais uma tragédia anunciada.
Este é o cenário que levou Maurício Macri, na Argentina, e Jair Bolsonaro, no Brasil, ao poder – por aqui com o cruel adicional de um golpe parlamentar. Atolados em crise política, econômica e social, ambos os países aguçaram a polarização política e se apropriaram dos anseios das elites para capitanear apoiadores cansados da “velha política”.
Um grande blefe. O ex-prefeito de Buenos Aires, que prometeu tirar o país da lama ao assumir a Casa Rosada acaba de sofrer a sua maior derrota política desde 2015 ao ver 47% do povo argentino escolher a chapa da esquerda formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas primárias realizadas neste domingo (11) – a segunda etapa ocorre em outubro.
Não chega a causar espanto o fato de Macri ser a grande inspiração de Jair Bolsonaro: com popularidade em queda constante, o falastrão brasileiro tem tomado conta das manchetes num exercício nefasto de preconceito, racismo, desumanidade e desinformação. Projetos? Até agora tudo o que fez foi repetir o que deu errado na Argentina e esperar que o tempo se encarregue de iludir os cada vez mais raros bolsonaristas convictos.
Eleitos sob a mesma bandeira do combate à corrupção e à delirante “ameaça comunista”, os governos de Macri e Bolsonaro estão quatro anos distantes um do outro na linha do tempo. A diferença cronológica, no entanto, dissipa-se tão logo se analisa o quão “dedicado” está o brasileiro em levar adiante justamente os projetos (ou a falta deles) que colocaram a Argentina à beira do abismo.
Neste ponto, Bolsonaro é ainda pior que Macri. Em oito meses não conseguiu apresentar um único avanço ao Brasil e tem deixado o mundo boquiaberto diante de uma desastrosa agenda de retrocessos. Ainda há três longos anos pela frente até que novas eleições possam mudar os rumos do país, mas o amigo argentino no fim das contas acabou por enviar um recado claro não só aos brasileiros, mas a toda América Latina: sem um plano de governo claro, que valorize o trabalhador e o proteja com o fortalecimento de direitos e reafirme a soberania nacional não é possível vislumbrar um futuro com dias melhores.
“Os investidores estão em polvorosa com o iminente colapso da economia argentina. A imprensa hegemônica já não consegue esconder a decepção com o presidente que representava a grande esperança da direita no continente (…)Macri, que desmontou o Estado para apostar todas as suas fichas no mercado ficou a ver navios, porque o mercado não ama ninguém. “, escreveu a jornalista Mariana Serafini há exato um ano.
Os números não deixam dúvidas. Em abril, o Indec (espécie de IBGE argentino) mostrou que a pobreza cresceu quase 6 pontos percentuais em um ano. Hoje, 32% da população está abaixo da linha de pobreza, e 6,7% são considerados indigentes. Com a pobreza, aumentou também a desigualdade —10% dos lares mais ricos ganham 20 vezes mais que os 10% mais pobres. Uma brecha que aumentou em 3 pontos percentuais em relação a 2018.
Com a pobreza, aumentou também a desigualdade —10% dos lares mais ricos ganham 20 vezes mais que os 10% mais pobres. Uma brecha que aumentou em 3 pontos percentuais em relação a 2018.
A previsão, inconveniente para os oportunistas de outrora, é certeira e implacável: Macri fracassou na Argentina Bolsonaro está fracassando no Brasil.
A “esperança Fernández”
Faz algum tempo que a esperança tem nome, sobrenome e uma vice de respeito nas disputas eleitorais da Argentina: Alberto Fernández, candidato a presidente pela coligação Unidade Cidadã ao lado da a ex-presidenta Cristina Kirchner. A ampla vantagem sobre o presidente liberal Mauricio Macri nas primárias de domingo na Argentina o confirmaram como o grande para a eleição de 27 de outubro.
Alinhado aos ideais progressistas que consagraram Lula como o maior presidente da história do Brasil, Fernández visitou o agora amigo brasileiro em Curitiba no começo de julho e vê com muita preocupação a prisão política de Lula, a quem atribui enorme respeito e admiração de seus compatriotas. “A detenção de Lula é uma mácula ao Estado de Direito do país. Me preocupa enormemente o que tem acontecido em nosso continente, em especial por aqui. O Brasil não merece uma mancha como a prisão política de Lula. O povo não também não merece”, avalia.
Fernández sabe muito bem o quão cruel pode ser o poder judiciário quando vê seus próprios interesses (e das elites econômicas que representam) ameaçados – Kirchner teve a vida devassada pelos adversários e também foi vítima de perseguição política em seu país.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias