Partido dos Trabalhadores

Ana Estela Haddad: Como defender a Primeira Infância

Professora da USP fala sobre os efeitos da crise econômica que levam mães a procurar creches públicas cada vez mais cedo, por não terem acesso ao direito da licença maternidade

Eduardo Ogata

Ana Estela Haddad

Com a crise econômica, as mães trabalhadoras são forçadas a procurar as creches públicas com mais antecedência que procurariam caso tivessem segurança alimentar, trabalho formal, emprego e renda.

Reportagem da Folha de S. Paulo demonstrou essa triste realidade com o aumento do número de matrículas de bebês com menos de três meses nas creches públicas da capital paulista. Há casos de bebês com 19 dias, cuja mãe trabalhou até oito meses da gestação e não teve acesso ao direito da licença maternidade.

Para tratar desse tema tão doloroso às mulheres trabalhadoras, conversamos com Ana Estela Haddad, professora titular do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria da Faculdade de Odontologia, pesquisadora e Coordenadora Adjunta do Núcleo de Apoio a Políticas Públicas Escola da Metrópole do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Dentre as atuações de Ana Estela no setor público, ela foi coordenadora do programa São Paulo Carinhosa, voltado para a Primeira Infância, durante a gestão do ex-prefeito do PT, Fernando Haddad. Inspirado no programa Brasil Carinhoso, lançado no governo Dilma Rousseff, a iniciativa articulava 14 secretarias municipais e tornou-se referência nacional de política pública para bebês e crianças.

1) Como você avalia esse fenômeno de crianças tão novas entrarem na escola?

É muito impactante e preocupante para mim como mãe, profissional da saúde que sabe da importância decisiva do aleitamento materno, e gestora de políticas públicas , saber que tantos bebês estão sendo privados do aleitamento materno tão cedo. Ler os depoimentos das mães nos mostra o quanto é doloroso para elas serem privadas de exercer na plenitude a sua maternidade.

Aleitamento materno é vida! É saúde para a mãe e para o bebê! Deveria ser visto como um capital social, um bem maior acima de outras necessidades. Os primeiros mil dias de vida representam a maior janela de oportunidade ao longo de toda a vida e o que acontece nesse período é determinante.

Há um sábio pensamento africano que diz mais ou menos o seguinte: “Para educar uma criança é preciso uma aldeia inteira”, ou seja, é preciso a mobilização de toda uma sociedade! Direitos trabalhistas para a mãe, a proteção social para que possa oferecer o melhor ao seu bebê e o melhor para o seu bebê será o melhor para nós como sociedade, como coletivo!

 

2) Qual o impacto isso pode ter no corpo escolar e no desenvolvimento infantil a médio e longo prazo?

Não é à toa que a OMS recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade.  O leite da espécie é o melhor para a saúde, o crescimento e o desenvolvimento do bebê.

Há estudos científicos de cortes robustos, como os conduzidos pelo Prof. César Victora e sua equipe da Universidade Federal de Pelotas, demonstrando a redução da mortalidade infantil, do câncer de mama, entre outros.

A proteção imunológica, a prevenção de reações alérgicas, no caso da saúde bucal, estabelecimento da respiração nasal fisiológica, o estímulo ao desenvolvimento do sistema estomatognático e das funções bucais são alguns dos benefícios, entre tantos, do aleitamento materno.

Além de tudo, é mais barato e mais prático se puder ser assegurado à mulher esse direito. Para isso é necessária uma rede de proteção social, a família e até os Centros de Educação Infantil em último caso, porque o ideal é que a mãe tenha o direito aos 6 meses de licença maternidade.

3) As escolas públicas oferecem estrutura para esse acolhimento de qualidade a bebês tão novos?

Essa situação é justamente o resultado desastroso da destruição de uma ampla política pública intersetorial na área social, que foi o Bolsa Família seguido do Brasil Carinhoso.

O Bolsa Família criou uma renda mínima para famílias em situação de alta vulnerabilidade e pobreza. E junto com ela as condicionalidades ou contra partidas de saúde e Educação. Isto é, para se manter recebendo o benefício as famílias precisavam manter as crianças na escola com frequência escolar de 80% que é acima do exigido pela própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

As gestantes tinham que fazer o pré-natal, a carteira de vacinação das crianças precisava estar em dia. Foram retirados da extrema pobreza 36 milhões de pessoas ou 11 milhões de famílias. Famílias essas que tem crianças e que garantida uma renda mínima podem oferecer melhor condição para seus filhos incluindo o aleitamento materno. O Bolsa Família criou o Cadastro Único pelo qual se monitorou resultados, se integrou políticas públicas sociais. E os dados analisados identificaram famílias jovens com crianças pequenas ainda em situação vulnerável.

Com o foco em famílias com crianças veio o Brasil Carinhoso. Os resultados são tema de teses, artigos científicos. A mortalidade infantil foi reduzida em 58%. No Nordeste, um estudo mostra o aumento ponderal de estatura das crianças. O Bolsa Família recebeu um prêmio internacional muito importante em 2013, na área de seguridade social. E aproximadamente 800 mil beneficiários saíram do programa depois de conseguirem se estabelecer e não precisar mais receber o benefício.

Esse é um bom exemplo de política pública que evitaria essa situação de calamidade que estamos vivendo e que faz sofrer mais ainda as crianças.

Os benefícios do Bolsa Família e do Brasil Carinhoso era sempre em nome da mulher, que é quem acaba mesmo responsável pelo cuidado que deveria ser compartilhado com os pais.

Isso foi desmontado e destruído pelo atual (des) governo. Aprovaram agora, às vésperas do período eleitoral, um auxílio em bases muito piores do ponto de vista da qualidade no desenho e sustentabilidade de políticas públicas. Depois de atravessarmos a pandemia com omissões terríveis na saúde, na educação, economia e políticas públicas de forma geral.

 

4) Que tipo de políticas e alternativas são possíveis diante de um contexto como esse?

Um conjunto de políticas para a Educação infantil foram implementadas a partir de 2006 com a criação do Fundeb que ampliou o financiamento para a Educação infantil e para o Ensino Médio. Antes disso, o Fundef garantia o financiamento apenas do Ensino Fundamental, para crianças dos 6 aos 14 anos de idade.

Junto com o financiamento, vieram os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil, a ampliação e aperfeiçoamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar reduzindo teor de açúcar e gordura, estimulando a aquisição de produtos da agricultura familiar local. Foram estabelecidas diretrizes curriculares para a Educação infantil, vieram o piso salarial e a formação docente por meio da Universidade Aberta do Brasil, além da renovação e ampliação do transporte escolar.

Tudo isso e a ampliação de vagas foi muito importante.

Mas quando se pensa na Educação infantil de 0 a 3 anos (primeiríssima infância), espera-se que os primeiros 6 meses de vida possam garantir o aleitamento materno. Ele também tem um impacto emocional na mãe e no bebê, no vínculo afetivo, e na saúde mental materno-infantil.

 

Ana Clara Ferrari, Agência Todas