O que você mudaria na sua cidade se estivesse olhando para ela com os olhos a 95 centímetros do chão, altura média de uma criança de três anos? Na recente crônica “Uma outra São Paulo”, o escritor Marcelo Rubens Paiva chama a atenção para o quanto São Paulo vem se transformando e se tornando irreconhecível em relação a tempos passados.
Ele retoma sua época de criança na capital e lança seu olhar para a São Paulo dos anos 1970, a primeira linha de metrô inaugurada, quando espaços de convivência cresciam para dentro dos condomínios.
Era o tempo de uma cidade construída para os carros. Paiva atravessa o tempo e chega até hoje com certo estranhamento e alegria: comemora o fechamento, ou melhor, a abertura das ruas para os pedestres, para as crianças, tempos de tomar sol em grandes avenidas.
A voz da criança no espaço urbano deverá fazer parte das agendas de importantes cidades do mundo. Há pelo menos 1 bilhão de crianças crescendo em áreas urbanas –o que aumenta à medida que mais famílias se mudam para as cidades em busca de um futuro melhor.
Em carta ao governo indiano, a representante da Fundação Bernard van Leer para a Índia, Dharitri Patnaik, chama a atenção para o tema: as crianças precisam brincar para processar e entender o mundo ao redor. É preciso que o planejamento urbano preveja espaços seguros e amigáveis para que as crianças possam conviver e brincar.
Há evidências globais que conectam espaços verdes à saúde física e mental dos habitantes da cidade, bem como à redução do crime e do comportamento antissocial.
O Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014, estabelece diretrizes para o desenvolvimento e o crescimento da cidade pelos próximos 16 anos, entre as quais está aproximar moradia e emprego, enfrentando desigualdades.
Experiência do programa São Paulo Carinhosa no bairro do Glicério, em parceria com a ONG CriaCidade, caminha na direção de repensar a moradia e o espaço público urbano a partir do olhar das crianças.
Entre os pedidos delas estão portas coloridas, banheiros na moradia só para elas e uma praça para brincar. Para projetá-la, um grupo de estudantes de arquitetura do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo desenvolveu uma maquete, que foi apresentada e aprovada pelas crianças da região.
A praça será concretizada a partir desse projeto, no âmbito do programa Centro Aberto, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. O programa atua transformando as estruturas preexistentes e renovando suas formas de uso.
É preciso promover a diversificação das atividades, envolvendo um número maior de grupos de usuários, em faixas de tempo ampliadas. Esse processo é capaz de promover, além da melhoria na percepção de segurança, o reforço no sentido de pertencimento e identificação da população com o centro.
As crianças sabem o que querem e, por terem a mente aberta, o coração desarmado e criatividade, muitas vezes trazem melhores soluções que os adultos. Perguntamos a uma moradora de oito anos de idade qual sugestão ela teria para melhorar a praça no Glicério. A menina respondeu: “Tem os moradores de rua que estão lá. Queria fazer deles monitores da praça”.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 12 de outubro de 2015)
Ana Estela Haddad é primeira-dama do município de São Paulo, coordenadora do programa São Paulo Carinhosa e professora associada da Faculdade de Odontologia da USP