A situação que se verifica neste final de ano legislativo com o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados impossibilitado de deliberar sobre a abertura ou não de processo por quebra de decoro parlamentar contra o presidente da casa, deputado Eduardo Cunha, e, consequentemente, dar sequência ou não ao processo que pode lhe conduzir à perda dos mandatos de presidente da Câmara e também de deputado, nos faz retroceder à cena das peladas dos tempos de criança, quando aquele que levava a bola normalmente impunha as regras da brincadeira. Se algo saísse diferente, era comum o dono da bola colocá-la debaixo do braço e dizer: acabou a brincadeira! E ponto final! Não tinha mais pelada.
O dono da bola, no caso, é o próprio presidente da Câmara, que usa de sua expertise regimental para impor que o jogo só aconteça de acordo com seus interesses. A estratégia é muito simples: quando o Conselho de Ética se reúne, os aliados de Cunha atravessam uma série de questões de ordem meramente protelatórias com o claro objetivo de ganhar tempo e, no momento em que as coisas caminham para o início da votação, alguém pega o microfone para anunciar que a ordem do dia da Câmara foi aberta e que aquela reunião do Conselho deve ser encerrada imediatamente. O Regimento Interno da Câmara estabelece que a ordem-do-dia tem primazia sobre todos os trabalhos das comissões e, caso haja deliberação simultânea, ela se torna nula.
Quem abre a ordem do dia? O Cunha. O que pode ser feito para que a regra seja modificada e o Conselho de Ética possa se reunir com tempo suficiente para deliberar? Nada que não tenha a concordância do presidente Eduardo Cunha. Poderia haver alguma situação excepcional? Sim, desde que contasse com a concordância do presidente Eduardo Cunha. Não foi assim no debate sobre a reforma política, quando depois de uma matéria rejeitada em uma sessão ele a colocou em pauta novamente na sessão seguinte e se articulou para vê-la aprovada?
Minha modesta opinião é que, nesse caso, os ministros do Supremo Tribunal Federal – STF devem ser provocados a se manifestar a respeito. Como fizeram com presteza no caso da prisão do senador Delcídio do Amaral. O que pesou contra Delcídio foi o flagrante de que estava se articulando para obstruir ou dificultar a ação da Justiça. E no caso Eduardo Cunha, com a fartura de provas de atos ilícitos por ele praticados, com milhões de dólares fruto de desvios comprovadamente em contas sob seu domínio, não se caracteriza como obstrução do trabalho de investigação? O dinheiro encontrado em suas contas não faz parte das investigações da operação lava jato?
No caso do senador Delcídio, antes mesmo do plenário do Senado deliberar sobre votação aberta ou secreta para reafirmar ou reformar a decisão do STF, já havia decisão do ministro Edson Fachim determinando que a votação tinha que ser aberta. É importante ressaltar que antes mesmo que sua interpretação chegasse ao conhecimento da Casa, os senadores já haviam deliberado por 52 votos a 20 pela votação aberta, para logo em seguida referendar por 59 votos a 13 a decisão do STF de manter o parlamentar na prisão.
Faltando apenas duas semanas para o recesso parlamentar, está na cara que, sob o comando absolutamente parcial do presidente de Eduardo Cunha, não vai haver decisão do Conselho de Ética da Câmara sobre a sua situação. Considerando o precedente aberto no recente caso da interveniência no rito deliberativo do Senado, é de se pleitear através de representação adequada que o STF se manifeste, seja através de seu colegiado seja através de um de seus membros, no sentido de assegurar o direito dos membros do Conselho de Ética deliberarem sobre o relatório do deputado Fausto Pinato (PRB-SP), que pede a quebra de decoro parlamentar contra o presidente da Câmara.
E o mais interessante é que, enquanto sabota deliberadamente o funcionamento do Conselho de Ética, o presidente Eduardo Cunha continua dando o tom da agenda política, com o acatamento de um dos pedidos de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Quanta autoridade!
Ah, ele pode. Ele não é o dono da bola?
Aníbal Diniz, 52, jornalista, graduado em História pela UFAC, foi diretor de jornalismo da TV Gazeta (1990 – 1992) assessor da Prefeitura de Rio Branco na gestão Jorge Viana (1993 – 1996), assessor e secretário de comunicação do Governo do Acre nas administrações Jorge Viana e Binho Marques (1999 – 2010) e senador pelo PT- Acre (Dez/2010 – Jan/2015), assessor da Liderança do Governo no Congresso Nacional entre março e outubro de 2015 e atual integrante do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.