A causa indigenista dentre tantas outras é tema sensível diante do complexo conjunto de contradições engendradas no Brasil a partir da implementação do projeto colonizador. Os povos originários aqui estavam, desenvolviam suas atividades e organizavam-se sob a orientação de saberes e costumes que desde então foram ignorados e invisibilizados, pratica reproduzida e repetida com o passar dos anos tendo como consequência a invasão de terras e o genocídio dos índios por toda parte.
Para alguns historiadores, a colônia era divida em três seguimentos sociais: escravos, homens livres e aristocracia, e hoje por pobres, classe média e rica, desta caracterização fica a pergunta: Em que lugar nestes dois exemplos estaria inclusos aquelas e aqueles que aqui habitavam quando os dominadores se apossou, com sede de ouro e sangue se apossaram de nossas terras? A verdade é que o colonialismo e sua herança maldita têm como único interesse explorar, usurpar e produzir um cenário cada vez mais desigual.
Foi com muita luta que as guerreiras e guerreiros da floresta, do cerrado, dos pampas e do litoral viram de forma lenta o reconhecimento do estado brasileiro em relação aos seus direitos e da necessidade de reparação das violências históricas sofridas pelos indígenas.
A criação do SPI (Serviço de Proteção do Índio) em 1910 e consequentemente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em 1967, tal como a promulgação do Estatuto do Índio em 1973 e o compromisso assumido na promulgação da constituição de 1988 com a proteção das manifestações culturais dos povos indígenas, não cessaram este processo de agressão e desrespeito aos verdadeiros donos destas terras e somente em 1990 passaram a constar no censo da população brasileira.
Durante o regime militar, a criação da FUNAI contrastou com um violento processo de execução dos povos indígenas, sobretudo aqueles que se opunham as grandes obras de infraestrutura na região norte e centro-oeste do país, onde a construção de tais empreendimentos” desrespeitaram terras indígenas, com a oposição das donas e donos da terra, a resposta, da ditadura foi ceifar a vida dos que ousaram resistir.
Como o massacre sofrido pelo povo Waimiri-Atroari durante a construção da BR174 (Manaus/Boa vista), quase extinguindo este povo. E o campo de concentração em Minas Gerais que mantinham em confinamento, e outros eram mortos como povo Maxakalis, Pataxos e os Nabimkuaras.
Os últimos anos foram marcados por ainda que pequenos, importantes avanços no que tange a garantia do direito à terra com as demarcações, a principal vitória foi a homologação da raposa serra do sol, em Roraima. E a instalação recente do conselho nacional da política Indigenista.
Embora esteja assegurado na constituição, no artigo 231 que trata das terras, que são aquelas “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
No entanto novamente nos deparamos com mortes, invasões e disputas de um conflito envolto num dilema central para o Brasil, longe de ser resolvida a questão fundiária vive capítulos cada vez mais dramáticos. A expansão da fronteira agrícola, pecuária e da exploração dos recursos minerais atingem em cheio os sonhos daquelas e daqueles de ter sua territorialidade reconhecida e sua terra protegida da exploração predatória, responsável pelo aumento da exclusão e da desigualdade. Este processo tem como iniciativa a proposição da PEC 215 pela bancada ruralista.
Os rumores que circundam a indicação do novo presidente da FUNAI nos colocam mais uma vez em alerta e temerários ao se tratar de um general que enaltece o período no qual um grande número de índios foi exterminado e provoca mais uma indagação. Quais serão os rumos das politicas indigenistas?
O golpe em curso no país está longe de restringir-se apenas a esfera do poder, ele é contra todas e todos que neste pequeno espaço de 13 anos tiveram alguma oportunidade de almejarem conquistas, diálogos e politicas reparatórias.
Não existe outro caminho se não a resistência. No próximo dia 13, os povos indígenas de todo o pais estarão mobilizados para lutar contra retrocessos, e eminente ameaça da veia da ditadura militar voltar de forma oficial e legitimar os abusos e violações que tem ocorrências cada vez mais constantes, e a constatação de que para os golpistas, os direitos humanos servem apenas para preservar e ampliar privilégios e se houver pessoas que construam obstáculos serão removidas como se nada tivessem a dizer.
Para os machistas, misóginos, racistas e LGBTfobicos são apenas interesses, negócios que trarão tributos e lucros. Para nós está em jogo a preservação da memória e da tradição cultural de nossos ancestrais duramente atacada pelo eurocentrismo e sua herança em nosso país.
Anne Karolyne Moura é secretária nacional de Desenvolvimento do PT