Como fui padeiro durante dez anos, nutro a tradição fazendo quitutes para deleite da minha filha Giovana. Neste fim de semana, foi a vez do bolo de cenoura com cobertura de chocolate. A cada semana que vou comprar os ingredientes, sou surpreendido com a elevação dos preços nas prateleiras dos supermercados. Tudo sobe estratosfericamente: o preço da cenoura aumentou, em fevereiro, 55,41% de acordo com o IBGE. Nos últimos 12 meses, mais que dobrou o preço: 121,1% de aumento.
Nos últimos 12 meses tivemos uma inflação de 11,3%, a maior marca nos últimos 19 anos. No mês de março, o governo de Bolsonaro conseguiu a proeza de alcançar o maior índice inflacionário em 28 anos: 1,62%. No ano, a variação acumulada já é de 3,20%.
A inflação deixa o povo brasileiro a cada dia mais empobrecido, vítima de modelo que concentra a renda e produz miséria e desesperança. Fazer as compras do supermercado ficou em média 31,5% mais caro desde o começo de 2020, conforme os dados de alimentação em domicílio do IPCA. Das 50 maiores altas, 42 são nos alimentos. Com o botijão de gás atingindo o valor de R$ 130, o salário mínimo compra apenas 9,32 botijões. Quase 11% do salário é destinado a esse item.
Os que ainda conseguem manter seu emprego estão com os salários congelados ou com reajustes que nem repõem o aumento do custo de vida. No ano passado, 47% das categorias de trabalhadores analisadas pelo Dieese nem sequer conseguiram recompor as perdas com a inflação. Pior, em fevereiro, 60,5% das categorias tiveram reajustes abaixo da inflação, o pior resultado para um mês pelo menos desde 2008, quando o Dieese começou a analisar um conjunto fixo de categorias.
Ou seja, além da incapacidade no combate à inflação, há ainda a total inapetência para gerar empregos e renda, num país em que é visível o empobrecimento da classe média e dos trabalhadores. Temos hoje, entre desempregados, desalentados e subocupados, cerca de 27,3 milhões de pessoas.
O aumento do poder de compra da classe média e das camadas populares é uma das saídas para o atoleiro econômico e social atual, junto com a valorização do salário mínimo, o combate à inflação, o estímulo à agricultura familiar e outras políticas públicas.
O ex-presidente Lula comentou recentemente que, para conter a inflação, é preciso haver previsibilidade, credibilidade e colocar a economia para andar, diretrizes ignoradas atualmente. Não temos uma inflação de consumo, 50% dos aumentos decorrem de preços administrados pelo governo, que não os controla em nome do mantra neoliberal do “Estado mínimo” e gera a escalada da inflação.
Um país que é produtor de alimentos ter cerca de 20 milhões de pessoas passando fome é inaceitável. Lamentavelmente, as perspectivas para os próximos meses são as piores possíveis. Prevê-se aceleração inflacionária, carestia interminável, redução do poder de compra dos assalariados e aposentados.
Um cenário que poderia ser evitado. A economia não se recuperou por falta de investimento público, dada a crença do governo de que o setor privado alavancaria as atividades econômicas. Para gerar emprego e renda e combater a inflação é preciso uma política pública do Estado, com um olhar sobre os interesses coletivos. E isso o Brasil não tem com o governo atual.
Reginaldo Lopes é deputado federal e líder do PT na Câmara. Publicado no jornal O Tempo.