Como adjetivo, embargo é impedimento (de se declarar, de se expor; reprimido). No comércio e na política o embargo é a proibição, o castigo, o bloqueio aos embargados, aonde nem sempre são claros os verdadeiros interesses que a proibição serve. Os embargos infringentes por sua vez, são um tipo de recurso, que existem no Regimento Interno do STF para votações apertadas. Eles foram aceitos, mas não significa que seu julgamento será diferente de toda a Ação Penal 470, com isonomia e clareza. O Supremo vai analisar esses recursos, mas daí a aceitá-los é um caminho que provavelmente não será percorrido pelos Ministros.
Via de regra, o castigo será aplicado. Se um dos 12 recursos for aceito, pode ocorrer um novo julgamento para os réus, mostrando que o julgamento anterior tinha algum erro grave ou faltava alguma prova. Castigo para os Ministros que deixaram de fora do AP470 alguma informação importante como alegam os réus ou que usaram teorias que não se aplicavam de fato. Creio que o castigo aqui será para os réus, porque o STF não vai correr o risco de ser ridicularizado, de colocar em cheque a institucionalidade do Tribunal.
O que norteou a acusação, principalmente dos companheiros do PT, é que formaram uma quadrilha para desviar dinheiro público. Se não conseguirem caracterizar a formação de quadrilha, como não é possível caracterizar que o dinheiro do VISANET é público e que foi devolvido para empresas de comunicação e não compra de votos parlamentares, como acusam e que brilhantemente foi desmentido na revista A Verdade, Nada Mais que a Verdade, do companheiro João Paulo Cunha; em que pé fica toda a acusação? Descredibilizada! A Instituição que parou o horário nobre em véspera de eleição para transmitir ao vivo o “julgamento do século” perderá o que conquistou ao longo do último ano, esperança quase de um algoz para com os corruptores.
Nesse sentido, foi usada a Teoria do Domínio de fato, que inclusive o seu criador já questionou o modo como ela foi usada neste julgamento, ou melhor, usada pela primeira vez no Brasil contra José Dirceu, indo diretamente contra o princípio da inocência, pois não haviam provas contra Dirceu, mas pelo alto cargo que ocupava, ele não poderia não saber o que seus subordinados faziam, então ele foi responsabilizado pelos possíveis atos dos outros, incriminado, condenado e cumpre pena apenas com a supervalorização de supostos indícios, como reuniões ou atos de ofício que seu cargo exigiam, mas sem ter tido provas concretas contra ele.
Essa Teoria foi aplicada de maneira tão leviana, não apenas por não haver jurisprudência na literatura brasileira a respeito, mas por que foi criada para julgar outro tipo de crime, como os crimes ocorridos na Alemanha pelo Partido Nazista, aonde não foi aceita. Depois foi usada na Argentina para julgar a Junta Militar pelo desaparecimento de várias pessoas durante a Ditadura Militar; no Peru para Alberto Fujimori pelos crimes de sequestro e homicídios durante o seu governo. Assim, de um modo mais simplista, é uma teoria que foi usada para condenar comunistas, nazistas, ditadores, ou seja, pessoas responsáveis direta ou indiretamente pela morte de centenas de pessoas. Usar para denotar corrupção e compra de votos foi uma inovação da nossa Suprema Corte brasileira.
De toda sorte, acredito que o Supremo vai julgar os infringentes do mesmo modo que julgou toda a Ação Penal 470, com castigo aos apenados, ostracismo. As sugestões da Corte contrárias às vaquinhas demonstram este caráter, pois acreditam que houve desvio de dinheiro público e que deveríamos fazer vaquinhas para pagar o suposto desvio. Acreditam e gritam aos quatro ventos que o dinheiro das vaquinhas não saiu do bolso da militância, mas só dizem isso porque não conhecem a militância do PT.
A Militância do PT é do tipo que larga sua casa, família, faculdade e emprego para ficar acampada por mais de 3 meses em solidariedade a companheiros de luta que nem sabem seus nomes. A militância do PT escreve cartas e bilhetes para estes companheiros na esperança que eles apenas recebam e se fortifiquem. A militância do PT doa seu salário para companheiros que mesmo sem saber já retribuíram a doação, com toda a sua luta pela democracia no país. A militância do PT compra bandeira, bóton, camisa, rifa ou qualquer coisa para ajudar o seu partido. Participa de reuniões toda semana, sugere melhorias para a sociedade, se organiza, convida as pessoas para sua casa para discutir política, enfim, a militância do PT é tão ampla, tão plural, tão solidária que um parágrafo não seria o suficiente para descrevê-la. É essa militância que esses juízes desconhecem e não sabem o quanto é real e se multiplica.
Os corações dos(as) entrincheirados(as) está apertado, mas acreditamos que a Trincheira prestou um serviço à democracia deste país. Inauguramos um novo modo de protestar no Brasil, um protesto pacífico, duradouro e com formação política diária, para discussão dos erros e arbitrariedades da AP470 e também dos assuntos que estavam em voga no país e no mundo. Acreditamos ter ajudado, de um modo ou de outro, para mostrar as irregularidades da execução penal e conseguimos apontar para as redes sociais os erros cometidos que a grande mídia esquecia de estampar em suas capas, ajudando o Genoíno a ter direito à prisão domiciliar que sua doença precisa e poder ser cuidado por sua família (já que outro réu também enfermo até hoje não recebeu mandato de prisão); que o companheiro Delúbio pudesse trabalhar e agora estamos lutando para que os companheiros José Dirceu e João Paulo Cunha possam também ter este direito, trabalho.
Não acreditamos que a Trincheira seja a salvação do Partido dos Trabalhadores, mas com certeza ela foi e continuará sendo um porto seguro de solidariedade a todo e qualquer militante, seja do PT, de partidos de esquerda ou dos Movimentos Sociais. Nesse espaço discutimos além da AP470 os movimentos sociais, acompanhamos a CUT na rua; a grandiosidade do MST, com suas famílias, com toda aquela polícia despreparada atacando crianças e idosos com bombas de gás e pudemos discutir a desmilitarização da polícia também. Discutimos sobre as grandes reformas que deveriam ter sido feitas, sobre o Governo Lula, Dilma o STF, a mídia, Cuba, a América Latina, enfim, grandes temas nacionais e internacionais.
A Trincheira não é nem tem a responsabilidade de ser uma nova divisão do Partido. Ela não foi incentivada pelas instâncias e surgiu de modo espontâneo, inclusive contra a vontade de muitos. Ela preencheu uma lacuna que havia no PT, virou um espaço de discussão e formação política, sem as amarras burocráticas que talvez as instâncias e as correntes não permitiriam.
Acreditamos que o ato mais simbólico da Trincheira, com todas as conquistas que conseguimos, tenha sido no IV Congresso do PT, quando um grupo entrincheirado chegou perto da mesa de honra e de frente para o Lula, para a Dilma, para o Rui Falcão e toda a Direção gritou em alto e bom som “Lula Guerreiro, defende os companheiros”, além das palavras de ordem contra a mídia que rechearam os noticiários. O Lula havia dito que não se pronunciaria sobre o julgamento enquanto não fossem julgados os embargos, mas ali naquele Congresso a base de dirigentes foi contra o silêncio dele e de todos(as) os(as) outros(as) e gritou em uma só voz o que estava embargado na garganta: a defesa dos nossos companheiros.
Depois do Congresso o Lula já se pronunciou duas vezes sobre o julgamento e toda a espetaculização que ocorreu, no Encontro de Prefeitos e na Caravana em Horizonte Paulista. Nossa voz embargada estava, não está mais. Se não ganharmos os infringentes, teremos ao menos a todo custo, contra toda uma máquina que a imprensa e a Direita tem em suas mãos, dizer em uma só voz, em uma corrente solidária, “se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros” (Che), poste sua indignação, doe qualquer valor, venha à Trincheira, se informe e não se conforme, estamos na luta hoje e sempre.
Pedro Henrichs é petista e um dos organizadores da Trincheira da Resistência em novembro de 2013.