Ao afirmar-se não um candidato do Partido dos Trabalhadores, PT, mas de um Movimento, Lula mais uma vez acerta na mosca! Vítima, assim como seu partido do uso e do abuso do leviatã, a máquina do Estado – que em um país como o Brasil com um histórico déficit democrático e marcado pela exclusão social, é simbolizado no Estado Juiz e nos órgãos de persecução penal: as polícias e o ministério público.
A obstrução da democracia que começou nas golpistas Marchas de junho de 2013, teve prosseguimento em 2014 com o início da malfadada “Operação Lava Jato”. A derrota de Aécio Neves no pleito daquele ano e o seu não reconhecimento da derrota, deu início ao processo de demonização do governo da presidenta Dilma e ao boicote pelo Congresso Nacional capitaneado por Eduardo Cunha. As chamadas “pautas bombas” ajudaram a erodir o orçamento da União que já enfrentava dificuldades devido aos reflexos da crise internacional e do excesso de isenções e subsídios praticados pelo então governo. Esse caldo de cultura forneceu aos recalcitrantes da derrota de 2014 a base política para urdir a conspiração de Temer e derrubar em um golpe parlamentar a legítima presidenta da República.
O corolário de absurdos recrudesceu com a criminalização, condenação e prisão de Lula, que aquele momento liderava todas as pesquisas de opinião para o pleito de 2018. Impedido de concorrer e até de manifestar apoio ao seu candidato, lança na undécima a candidatura de Fernando Haddad, que ancorado em uma aliança estreita só com o PCdoB, consegue chegar ao segundo turno.
Poucas vezes na história brasileira viu-se uma concertação tamanha em defesa de um candidato: Jair Bolsonaro. Parido nos porões do reacionarismo brasileiro; apoiador do golpe de 1964; defensor da tortura e exalando preconceitos foi abraçado pelo agronegócio, pelo mercado financeiro e por grande parte do establishment político e midiático para evitar a quinta vitória consecutiva do PT.
Eleito, Bolsonaro amplia o desmonte das instituições do Estado brasileiro e avança para além da “ponte para o futuro” de Temer. Aspirante a autocrata. Saudoso da ditadura, faz apologia das armas, intervém na Polícia Federal, inicia a desmontagem do Ibama, do Instituto Chico Mendes e da Funai. Promove a liquidação do patrimônio público na “bacia das almas”. Tendo como casos exemplares a alienação da BR Distribuidora e da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia.
A quantidade de crimes de responsabilidade, abusos e tentativas de “mudar a regra do jogo”, se soma ao fracassado 7 de setembro de 2021, onde efetivamente pairou sobre o país uma tentativa de golpe. Malgrado essa iniciativa, o presidente parte com o apoio dos militares à sua volta, para a cooptação do Centrão com o escandaloso orçamento secreto.
Assistir a esse verdadeiro “show de Horrores” foi a “bala de prata” que faltava para unir os democratas brasileiros em torno de Lula. Reabilitado juridicamente e sem demonstrar o mínimo rancor de um injustiçado-afinal foram 580 dias nas masmorras de Curitiba- Lula se abre para construir um amplo leque de forças para reconstruir o Brasil.
Liderando um arco Esquerda-Centro, Lula acertadamente acena com a possibilidade de Geraldo Alckmim compor a chapa como vice-presidente. Gesto de estadista e de democrata que pontua que eventuais divergências ocasionais não estão e nunca estarão acima dos verdadeiros interesses nacionais.
Nesse arco de enfrentamento à fascistização da vida nacional estão o PT, o PSOL, O PSB, O PCdoB, o PV, O Solidariedade, setores da Rede, do PMDB, do PSD e como pontua Lula, continua aberto para adesões de todos que queiram reconstruir o Brasil e romper a espiral de exclusão social que levou o país de volta para o mapa da fome e fazendo emergir milhões de brasileiros ao desalento completo.
Não há espaço para o sectarismo e o voluntarismo que tem recorrentemente “contaminado” setores da esquerda brasileira fazendo-a desconsiderar a centralidade da questão democrática. Essa má leitura da ciência e da teoria política em vários momentos históricos custou caro ao Brasil.
Investir na reconstrução do país deverá ser o início do caminho que nos levará inevitavelmente a reconstruir em novas bases a democracia brasileira. É preciso apostar na Democracia Inclusiva. Trazer para a cena política e social o “elemento povo”. O Brasil e sua ampla diversidade. Romper a barreira que impede as mulheres, os negros, indígenas e LGBTQIA de terem sua representação proporcional ao seu peso social nas instituições brasileiras. Derrotar o espectro do negacionismo anti-ciência e valorizar o mundo do trabalho e o mundo da cultura. A tarefa é gigante. Vamos à luta!
Alberto Cantalice é membro da Direção Nacional do PT e Diretor da FPA