A fome sempre afligiu o povo brasileiro como uma sombra da morte imposta pelas elites do atraso, como disse acertadamente o sociólogo Jessé Souza. Apenas no breve período dos governos de Lula e Dilma, interrompido em 2016 pelo golpe do impeachment, é que essa “tradição” macabra da fome foi sendo derrotada até ser expulsa do País, em 2014, com o Brasil historicamente fora do Mapa da Fome da ONU.
Mas Temer e Bolsonaro anularam as políticas de segurança alimentar adotadas por aqueles governos e, com isso, abriram novamente as portas do País para a fome voltar seis anos depois de extinta, como constata o Mapa Mundial da Fome elaborado pela Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, revelou que nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e 116,8 milhões de pessoas, mais da metade dos domicílios do País, enfrentou algum grau de insegurança alimentar.
Estudo feito pela Universidade de Brasília, em parceria com a Universidade Livre de Berlim, mostra que a insegurança alimentar grave era mais comum naqueles domicílios chefiados por mulheres, a maioria preta, com crianças de até quatro anos e renda per capita de até R$ 500.
Esse quadro dramático de aumento da fome foi registrado no segundo semestre do ano passado, quando ainda se pagava um auxílio emergencial de R$ 300. Imagine a situação atual com a redução desse auxílio para valores de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 e para um universo menor de pessoas.
As elites se orgulham das safras recordes de soja e milho exportadas pelo agronegócio brasileiro, mas todas as políticas que no passado recente sustentavam a agricultura familiar, de onde vem o feijão e o arroz consumido pelo povo, foram desmontadas por Bolsonaro.
Junte-se a isso o desemprego, o arrocho do salário-mínimo e o auxílio emergencial de fome, para fecharmos o quadro geral da insegurança alimentar e da fome no Brasil. Não por acaso Lula comentou recentemente que “a fome não é uma questão natural, mas sim uma questão política”.
Diante do descaso do governo federal as próprias comunidades desenvolveram inúmeras iniciativas de solidariedade social, por meio da doação de alimentos, cestas básicas e até mesmo ajuda financeira para a compra de gás e remédios.
É todo um universo de entidades sociais formando um movimento nacional de ajuda mútua, mostrando que o povo brasileiro sabe resistir aos retrocessos e enfrentar os desafios quando lhe são confrontados.
Estamos vivendo um momento em que a sociedade começa a lutar para superar as políticas de morte e de fome que vêm sendo adotadas pelo governo federal e seus setores mais conscientes se mobilizam para reconstruir na pós-pandemia um país sem ódio e aberto para todos e todas.
Benedita da Silva é deputada federal (PT-RJ)
Artigo publicado originalmente no Jornal O Dia