Partido dos Trabalhadores

As eleições de 2020 e o PT, por José Guimarães

“É hora de unidade. É hora de posturas firmes e claras. Diante da gravidade da crise, que deverá se aprofundar daqui para a frente, não se pode fazer um discurso de esquerda de dia e, à noite, combinar um jogo com a direita”, afirma o deputado José Guimarães (PT-CE) ao avaliar o resultado das eleições municipais

Gustavo Bezerra

O deputado José Guimarães (PT-CE), coordenador do GTE eleitoral do PT

Os resultados das eleições municipais apontam desafios para o PT e a esquerda em geral, mas os números contrariam nitidamente a má vontade de boa parte da mídia corporativa. Muitos “analistas” de plantão, na ânsia de atacar a esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores, distorcem os números, ignoram contextos e procuram consolidar uma narrativa favorável às forças conservadoras que ajudaram a eleger o neofascista Jair Bolsonaro e hoje envergonham-se do papel que tiveram em 2018 e no golpe de 2016 que abriu caminho para os profundos retrocessos no País.

O primeiro erro é tentar vincular quem ganhou ou perdeu nas disputas às prefeituras com o pleito eleitoral de 2022. Eleições municipais têm dinâmica própria, nem sempre refletem o desejo de quem governa ou faz oposição nas disputas presidenciais. O erros de interpretações se repetem, hoje e ontem, evidenciando objetivos políticos e ideológicos.

A superficialidade das análises é deplorável e, às vezes, certamente de forma involuntária, comentaristas políticos chocam-se com partidos identificados com a mídia corporativa e protegidos por ela. Quem não se lembrar que os “analistas” e fazedores de manchetes de jornais, em 2018, diante do fracasso da candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República, previram que o PSDB – o partido apadrinhado pela mídia –  seria riscado do mapa? O fato não ocorreu e, embora mais fraco, o partido elegeu o prefeito de São Paulo, a maior cidade da América Latina.

Pandemia

Os partidos de centro e centro -direita que cresceram nas eleições municipais utilizaram vários expedientes, no período de pandemia, para ser fortalecerem. Apropriaram-se de medidas que a oposição sugeriu no Congresso Nacional, no âmbito do Orçamento de Guerra para enfrentar a pandemia, e contaram  com a ajuda do governo de extrema direita em troca do apoio dado no Congresso.

Basta lembrar que o repasse de recursos extraordinários da União para os municípios, por causa da Covid-19, totalizou cerca de R$ 56 bilhões em transferências diretas, sendo R$ 46,5 bilhões entre junho e setembro de 2020, consolidando tendência de manutenção dos atuais mandatos ou de candidatos do chamado Centrão.

Toda a lógica das campanhas eleitorais sofreu profundas alterações em decorrência da pandemia. Menos debates, reuniões, comícios, horário eleitoral reduzido. Tudo isso afetou profundamente a ação da oposição, com exceção de lugares de alta reprovação dos prefeitos, como no caso do Rio de Janeiro. Diante desse quadro, abusou-se do clientelismo e da distribuição de benesses, com prejuízos à oposição.

Soberania nacional

Para o PT, os números revelam um quadro totalmente diferente do propagado pela mídia, embora seja evidente que o partido terá pela frente a tarefa de  retomar seu protagonismo para a construção de um projeto nacional, com inclusão social e econômica, respeito ao meio ambiente e à soberania do País, numa articulação integrada com a esquerda, setores democráticos e progressistas contrários ao bolsonarismo.

A realidade dos números é inquestionável. Nas 38 maiores cidades do País com mais de 500 mil habitantes, o partido mais votado para as Câmaras de Vereadores foi o PT. O partido recebeu 6,6 milhões de votos, ante 6,3 milhões do DEM, 5,3 milhões do PSDB, 4 milhões do PDT e 4 milhões do PSB.  O PT elegeu 2.585 vereadores. Aumentamos o número de vereadores nas capitais. O fato é que o partido ficou mais forte nas cidades politicamente mais influentes do País. Mas a mídia insiste em dizer que o partido saiu mais fraco e não elegeu nenhum prefeito de capital.

Cidades maiores

Ora,  no segundo turno, ganhamos em quatro das 15 prefeituras em que disputamos (as quais somam 15 milhões de habitantes): Contagem e Juiz de Fora, em Minas Gerais, com as companheiras Marília Campos e Margarida Salomão, e Diadema e Mauá, em São Paulo, com  José de Filippi Junior e Marcelo Oliveira. Essas cidades são mais importantes do que oito capitais em termos políticos, econômicos e populacionais. Nas demais onde disputou, o PT teve de 44%  a 45% dos votos. Em 2016, o PT concorreu no segundo turno em 7 cidades e foi derrotado em todas, tendo alcançado a média de 37% dos votos.

Tentou-se desprezar também o peso do PT como vice nas chapas de Belém (com PSOL) e Porto Alegre (com PCdoB). Na vitória na capital paraense, o PT teve papel estratégico. Tenta-se ignorar também o desempenho de nosso partido no campo da esquerda. Só para citar dois exemplos: em 2016, o PDT, nas eleições para prefeito, teve 6,4 milhões de votos, ante 5,3 milhões neste ano ( -17%); o PSB teve 8,3 milhões de votos e caiu para  5,2 milhões (-37%). O PT, em 2016, teve 6,8 milhões de votos e este ano saltou para 6,9 milhões, um crescimento de 1,88%. O PT elegeu 183 prefeitos.

Tenta-se, por má fé, dizer que teria havido derrotas por não haver frente de esquerda em razão de suposta resistência do PT. Causa repugnância essa afirmação. Tivemos frentes amplas em Florianópolis, em Porto Alegre e Fortaleza. O partido abriu mão de candidaturas em vários lugares, como Boa Vista, São Luís e João Pessoa. Derrotas fazem parte do processo eleitoral. E diferentemente do que alguns fizeram em 2018, fugindo da raia, logo após o primeiro turno das eleições municipais, onde tinha candidatos e perdeu, o PT foi às ruas, sem titubear, para apoiar candidatos do campo progressista.

Frise-se que a disputa ferrenha ocorreu num ambiente com tentativa de isolamento e invisibilidade do PT por parte da mídia comercial, além dos continuados ataques por meio de redes digitais controladas por milicianos e fascistas, sob a vista grossa da Justiça Eleitoral.

Renovação do PT

Desde o golpe contra Dilma, procura-se aniquilar o PT, o partido com maior base social no País e responsável pelas grandes transformações econômicas e sociais, durante os governos Lula e Dilma, que tiraram 36 milhões de pessoas da pobreza, um fato histórico.  Nas eleições, o partido sofreu derrotas, fato normal em processos eleitorais, mas ficou muito longe do enfraquecimento.  O partido tem responsabilidade histórica no País com a democracia e a defesa dos direitos da população. Não existe democracia sem o PT. Entretanto, a mídia corporativa insiste em eleger o partido como alvo preferencial de seus ataques. Não se ataca quem está fraco.

Ao PT, a partir de agora caberá implementar um amplo processo de renovação, com novos agentes políticos, novos temas, oxigenação nos diretórios municipais, recuperação da imagem atacada diuturnamente por setores da mídia e também pela direita, nas mídias digitais. Reforçar o projeto em defesa dos interesses nacionais, dos trabalhadores e trabalhadoras, do meio ambiente, dos povos indígenas, dos estudantes, dos marginalizados e da classe média, em torno de um projeto democrático e plural, bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores.

Caberá ao partido uma profunda análise da conjuntura e retomar a organização a partir de suas bases históricas em todos os municípios brasileiros, bairros, associações de moradores, entidades da sociedade civil.

No cenário de 2022, o papel da esquerda será decisivo na construção de uma alternativa ao neofascismo bolsonarista.  Não nos cabe criticar ou excluir aliados ou prováveis aliados que ao longo do último ano têm construído uma oposição consistente, sobretudo no Congresso Nacional, a Jair Bolsonaro  e às políticas ultraliberais implementadas pelo atual governo com o apoio do que se resolveu agora chamar de centro-direita.

É fundamental que a esquerda se sente à mesa e passe a discutir o cenário de 2022, inclusive com a atração de forças do centro, para enfrentar a crise econômica e social no País, visando a construir uma alternativa ao projeto neoliberal, antinacional e antipopular do atual governo.

É hora de unidade. É hora de posturas firmes e claras. Diante da gravidade da crise, que deverá se aprofundar daqui para a frente, não se pode fazer um discurso de esquerda de dia e, à noite, combinar um jogo com a direita e as forças responsáveis pela tragédia que estamos vivendo. É hora de um novo projeto de recuperação, reconstrução e transformação do Brasil, que se transformou, com Bolsonaro, em chacota mundial.

Viva o PT!

José Guimarães, deputado federal (PT-CE), líder da Minoria na Câmara, vice-presidente nacional do PT e coordenador do Grupo de Trabalho Eleitoral.