Da Redação, Agência Todas
Nesta semana, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgaram a edição 2020 do Atlas da Violência no Brasil, que compila dados e informações sobre o tema em todo país.
No destaque desse ano está a juventude como alvo da violência. No Brasil, os homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens, grupo etário de pessoas entre 15 e 29 anos. O Atlas aponta que esse fato mostra o lado mais perverso do fenômeno da mortalidade violenta no país, na medida em que mais da metade das vítimas são indivíduos com plena capacidade produtiva, em período de formação educacional, na perspectiva de iniciar uma trajetória profissional e de construir uma rede familiar própria.
De acordo com o levantamento, foram 30.873 jovens vítimas de homicídios no ano de 2018, o que significa uma taxa de 60,4 homicídios a cada 100 mil jovens, e 53,3% do total de homicídios do país. Desse percentual, as maiores vítimas são da juventude masculina, responsável pela parcela de 55,6% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos; de 52,3% daqueles entre 20 e 24 anos; e de 43,7% dos que estão entre 25 e 29 anos.
Para as mulheres nessa mesma faixa etária, a proporção de óbitos ocorridos por homicídios é consideravelmente menor: de 16,2% entre aquelas que estão entre 15 e 19 anos; de 14% daquelas entre 20 e 24 anos; e de 11,7% entre as jovens de 25 e 29 anos.
O peso do desigualdade racial
Uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal na população negra.
Os jovens negros figuram como as principais vítimas de homicídios do país e as taxas de mortes de negros apresentam forte crescimento ao longo dos anos. Apenas em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9, o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos.
Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não negras.
“Esses números refletem o impacto direto do racismo estrutural e da violência que as mulheres negras estão submetidas. Não basta apenas avaliar os números, precisamos atuar para eleger governantes comprometidos em transformar essa realidade, por meio de políticas públicas e ampliação e garantia de direitos civis e sociais”, afirma Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Violência contra a mulher
O Brasil ainda registra recordes alarmantes para as brasileiras. Em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Dessas, 68% eram negras.
Embora o número de homicídios femininos tenha apresentado redução de 8,4% entre 2017 e 2018, se verificarmos o cenário da última década, veremos que a situação melhorou apenas para as mulheres não negras, acentuando-se ainda mais a desigualdade racial.
Ao analisar um período de dez anos, a disparidade fica ainda mais evidente: enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4% (2008 – 2018).
A diferença fica ainda mais explícita em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, onde as taxas de homicídios de mulheres negras foram quase quatro vezes maiores do que aquelas de mulheres não negras.
Violência contra a mulher nos estados
No geral, Roraima (93%), Ceará (26,4%) e Tocantins (21,4%) apresentaram um aumento superior a 20% nas taxas de homicídio feminino.
No entanto, cabe ressaltar que, para os três estados com os aumentos mais expressivos nas taxas de homicídios de mulheres, a tendência observada em relação à taxa geral de homicídios não é exatamente a mesma: em Roraima, o aumento foi de 51,3% no total de homicídios (contra 93% nos registros com vítimas mulheres); no Tocantins, a taxa cresceu apenas 2%; e, no Ceará, houve uma queda de 10,4% na taxa total de homicídios entre 2017 e 2018.
Questão racial nos estados do Amazonas, Amapá e Pará.
Entre 2008 e 2018, o Amapá registrou aumento de 196,6% nas taxas de homicídios de não negros e de 61% nas de homicídios de negros, seguido do Amazonas, que registrou um aumento de 137,8% nas taxas de homicídios de não negros e de 53,4% de negros, do Pará, que teve um aumento de 35,5% nas taxas de homicídios de não negros e de 35% de negros, além de Pernambuco, com aumento de 37,2% nas taxas de homicídios entre negros e não negros e de diminuição de 20,9% entre negros.
No entanto, o Atlas da Violência faz uma ressalva e salienta que, nesses quatro estados, a razão da taxa de homicídios entre negros e não negros é superior à média nacional. Apesar de esse cenário apontar para uma inversão da tendência nacional dos homicídios, é importante ressaltar que esse processo não necessariamente significa que o racismo e a racialização deixem de incidir sobre os eventos violentos.
Pelo contrário, estados como Amapá, Amazonas e Pará, que compõem a região amazônica, apresentam população descendente de três matrizes principais (negra, indígena e branca), sendo que as relações raciais não são interpretadas somente no continuum branco/negro, mas combinam essas matrizes com identificações que consideram o elemento indígena.
Traduzidas essas características para a classificação do IBGE, alguns desencontros podem ocorrer, como considerar pessoas de ascendência indígena e branca nos registros de mortalidade como brancas, quando estas se autoidentificariam como pardas ou mesmo pretas. Desse modo, a interpretação das mortes ocorridas nessas localidades ainda merece maior atenção, e não pode ser feita de forma direta e automática, em razão das especificidades da região, aponta o estudo.
LGBTQIA+
De acordo com o Atlas da Violência 2020, foram notificados 9.223 casos de violência contra LGBTQIA+.O perfil social das vítimas de homícidio com recorte LGBTQIA+ também passa pelo racismo institucional. Segundo o levantamento, as vítimas são majoritariamente negras (exceto as vítimas bissexuais, no ano de 2017), habitantes de zonas urbanas e solteiras; e o perfil dos agressores também continua sendo masculino. As mulheres permanecem significativamente sendo mais atacada do que os homens. A própria equipe de pesquisa do Atlas da Violência ressalta que a escassez de dados e indicadores permanece desafio central ao avanço da agenda LGBTQI+.