Na noite da última sexta-feira (5), Jair Bolsonaro editou um decreto que modificou o Bolsa Família às vésperas de seu fim. Com a medida, passaram a ser consideradas pobres as famílias com renda mensal de até R$ 200 por pessoa, e extremamente pobres, aquelas com renda per capta de até R$ 100.
Bolsonaro certamente vai vender seu decreto como uma medida boa para a população mais vulnerável, pois antes só eram consideradas pobres as famílias com renda até R$ 178, e extremamente pobres, as com renda de até R$ 89. Logo, mais famílias terão direito a receberem ajuda, que agora virá por meio do Auxílio Brasil, certo? Não é bem assim…
Com seu “bondoso” gesto, Bolsonaro conta duas mentiras. Em primeiro lugar, ele esconde que a atualização das linhas da pobreza e da extrema pobreza foi adiada ao máximo. Elas ficaram congeladas ao longo de todo seu governo, sem passar por nenhuma correção. Só agora, três anos depois de excluir milhares de pessoas do Bolsa Família (sem contar as que atendem aos critérios e estão há anos na fila de espera), Bolsonaro resolve reajustar. “Coincidentemente”, às vésperas do ano eleitoral.
A outra mentira de Bolsonaro é dizer esse reajuste é suficiente. A correção feita nos valores não consegue nem mesmo repor a inflação acumulada desde a última atualização, feita em 2018, no governo Temer. “O reajuste concedido por Bolsonaro é de 12,3%, enquanto a inflação acumulada no período foi de 20,8% (medida pelo INPC, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, o mesmo usado para reajustar o salário mínimo e benefícios como pensões e aposentadorias)”, aponta reportagem da Folha de S. Paulo.
Caso a inflação fosse considerada, a linha de pobreza deveria ser reajustada para R$ 215. Mas nem isso seria suficiente. Com a grave piora da situação econômica no país, a linha de pobreza hoje no Brasil deveria ser muito mais alta. Também segundo a Folha, a ONU e o Banco Mundial, por exemplo, consideram estar em extrema pobreza a família com renda diária de até US$ 1,90 per capita — equivalente a R$ 313 mensais, segundo o câmbio atual.
Lei de Responsabilidade Fiscal
Em entrevista ao UOL, a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello explicou os reais motivos de Bolsonaro estar só agora reajustando os valores que servem de critério para entrar no Bolsa Família. Não se trata de reconhecer uma necessidade social, mas simplesmente driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal e garantir a existência do seu eleitoreiro programa Auxílio Brasil.
Ao modificar o Bolsa Família, que tem recursos garantidos no orçamento e que manterão parte do Auxílio Brasil no ano que vem, Bolsonaro tenta justificar que não está criando despesas extras, que exigem uma série de garantias. “O reajuste do Bolsa Família na calada da noite da última sexta-feira, às vésperas de sua extinção, foi mais uma manobra desse governo para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Porque o governo não conseguiu até agora criar uma situação sustentável para lançar o novo programa”, disse Tereza Campello.
“Para isso, seria necessário apontar a fonte de financiamento. Você não pode criar uma nova despesa sem fonte de financiamento que dê sustentação. Então, ele está tentando fazer um ‘passa-moleque’ nos órgãos de controle e no Parlamento. Ele vai tentar usar essa expansão como argumento para dizer que ele não vai criar nova despesa”, completou a ex-ministra.
A falta de escrúpulos de Bolsonaro não tem limite. Na tentativa de se reeleger, ele aceita até brincar com a vida dos brasileiros que mais necessitam de ajuda e acabar com um programa exitoso como o Bolsa Família, que existe há 18 anos. “Toda essa manobra coloca em risco a transferência de renda”, lamenta Tereza Campello.
Da Redação