A discussão sobre a tentativa bolsonarista de criação de um aparato particular de espionagem chegou ao Congresso Nacional. O senador Jaques Wagner (PT-BA) apresentou nesta quinta (6) Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para suspender o decreto da Presidência da República que altera a estrutura e reformula os cargos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O decreto criou o Centro de Inteligência Nacional (CIN), que realizaria a interface da Abin com os demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). O centro, que teria como objetivo “o enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” e implementar a “produção de inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”, pode ser formado apenas por servidores não concursados, mais compromissados com quem o nomeou do que com os interesses do Estado.
Ao justificar sua iniciativa, o senador destaca que a medida do governo mexe, por exemplo, nas competências da Escola de Inteligência. Com isso, além dos agentes, indicados pelo Sistema Brasileiro de Inteligência ou por órgãos parceiros da Abin, concursados ou não, terão acesso a dados importantes de inteligência, colocando em risco a vida e a segurança de todos os brasileiros.
“Tal brecha representa inclusive potencial ameaça à soberania nacional”, ressalta. “É importante lembrar também que o decreto surgiu meses após o presidente destacar em reunião ministerial a intenção de ter acesso a relatórios da Abin. E não podemos esquecer a revelação de investigação sigilosa e ilegal promovida por órgão do Ministério da Justiça de quase 600 pessoas por se declararem contrárias ao fascismo”, completa.
Na Câmara, o líder da Minoria, José Guimarães (PT-CE), apresentou nessa quarta (5) outro PDL (353/2020) com o mesmo objetivo. “Considerando as atuais circunstâncias, há espaço para o desvio de finalidade das atividades de inteligência para a perseguição política. O estado policial não pode ser tolerado pela sociedade e pelas instituições democráticas”, defende Guimarães.
O PDL de Guimarães cita, entre outros retrocessos do decreto presidencial, o aumento do número de cargos comissionados e a permissão para instrução e capacitação de pessoas não selecionadas por concurso público.
Ministro da Justiça explicará dossiê
Wagner e Guimarães também se referiram à informação de que o Ministério da Justiça colocou em prática uma ação sigilosa de investigação sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança, além de três professores universitários, identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e opositores do governo Bolsonaro.
Sobre o dossiê, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, falará nesta sexta (7) à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso. Deputados e senadores querem esclarecimentos do ministro sobre o documento.
A audiência será realizada por videoconferência, a partir das 15h, e será fechada ao público e à imprensa. Apenas os 12 parlamentares que integram a comissão poderão participar. Para o presidente do colegiado, senador de Nelsinho Trad (PSD-MS), o sigilo de informações impede que a reunião seja aberta.
O pedido de explicações ao ministro foi feito pelos senadores Jacques Wagner (PT-BA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). No requerimento, apresentado à CCAI, os senadores citaram reportagem publicada em 24 de julho que aponta a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do MJ, como responsável pela elaboração do relatório.
Além de Mendonça, os líderes da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), também querem ouvir o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, sobre as movimentações do governo na área de inteligência.
Para Zarattini, “o relatório da Seopi indica a utilização do aparelho do Estado para o monitoramento e constrangimento de legítimos e democráticos opositores ao governo Bolsonaro, incorrendo em flagrante desvio de finalidade de órgãos públicos e risco de violação de direitos e garantias individuais dos cidadãos monitorados”.
Na segunda (3), Mendonça demitiu o diretor de Inteligência da secretaria, o coronel reformado Gilson Libório de Oliveira Mendes, que seria o responsável pela elaboração do dossiê, e determinou a abertura de uma sindicância para apurar o fato.
Mas em informe endereçado à ministra do Supremo Tribunal Federal Carmen Lúcia nesta quinta, além de não negar a existência de dossiês sobre os “movimentos antifascistas”, recusou-se a enviar ao STF cópia dos dossiês. A pasta justificou não poder compartilhar dados de inteligência produzidas pela Seopi. “Não seria menos catastrófico abrir-se o acesso ao Poder Judiciário a relatórios de inteligência”, alega o ministério.
Mendonça anexou pareceres que falam na suposta necessidade de preservar o sigilo de documentação produzida pelo ministério. “A mera possibilidade de que essas informações exorbitem os canais de inteligência e sejam escrutinadas por outros atores internos da República Federativa do Brasil – ainda que, em princípio, circunscrito ao âmbito do Supremo Tribunal Federal – já constitui circunstância apta a tisnar a reputação internacional do país e a impingir-lhe a pecha de ambiente inseguro para o trânsito de relatórios estratégicos”, diz um dos documentos encaminhados por Mendonça.
Da Redação