Não foram poucas as oportunidades em que alguma autoridade judicial brasileira veio a público esclarecer que não se pode descumprir decisões como a emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU ao determinar ao país que permita a participação de Lula na disputa eleitoral deste ano – o descumprimento seria uma violação clara do Direito Internacional.
Curiosamente, o ministro Luís Roberto Barroso, que já defendeu em livro a necessidade de se respeitar tratados internacionais, contraria a si mesmo quando se refere ao ex-presidente.
A liminar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU na sexta-feira (17) deixa bem claro que o Brasil precisa respeitar os direitos políticos de Lula, mesmo assim o governo golpista insiste em ignorar a decisão. Tal liminar decorre de um processo iniciado em 2016, como denúncia as irregularidades que vem acontecendo no Brasil desde o golpe parlamentar sofrido pela presidenta legítima Dilma Rousseff, e que será julgada até 2019, mas vem no atual momento para garantir que Lula não sofra danos irreparáveis na disputa das eleições.
Para professor Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), a postura dúbia não chega a ser surpreendente. “Não fico surpreso, mas eles mesmos, antes deste episódio, sempre defenderam a primazia internacional da ONU, reconhecendo este instrumento jurídico internacional, inclusive no contexto brasileiro. O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, escreveu livro em que defende a internalização no Brasil de decisões internacionais. Até porque é uma obrigação, de qualquer país que se torne signatário de um pacto ou tratado, agir de acordo com o que foi tratado”, explicou o acadêmico em entrevista ao DCM.
O livro de Barroso a que se refere é “A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação”, em que o ministro diz haver “um manancial de documentos internacionais” que são “indiscutivelmente vinculantes do ponto de vista jurídico”. No caso de Lula, no entanto, as regras são nitidamente outras.
Estrada também passou a limpo alguns dos principais pontos sobre essa situação de iniquidade para com a decisão da ONU. “A determinação obriga o Brasil a tomar as medidas cabíveis […] o Brasil não apenas assinou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, mas ratificou esta adesão por meio de decreto legislativo, promulgado pelo Congresso Nacional em 2009”, afirmou.
Gaspard explica que os especialistas do Comitê se preocuparam com a atual situação do Brasil e temeram que o ex-presidente tenha danos irreparáveis com a perda de seus direitos. “O que existe é uma decisão jurídica. Os especialistas pediram que o Estado brasileiro garanta os direitos de Lula. Para além deste fato, o fundo do assunto é que o ex-presidente Lula é objeto de uma perseguição política que se dá por meio de um ferramental jurídico”, avaliou.
Vale lembrar que a perseguição a Lula não é exclusividade do ministro: a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, também já defendeu diversas vezes a prevalência de decisões no âmbito do direito internacional em questões internas do país, mas com relação ao ex-presidente ela nem sequer se pronunciou.
Sobre a tentativa de grande parte da imprensa de diminuir a decisão do Comitê, Gaspard explica: “O que dá credibilidade a esta decisão do comitê é justamente a independência de seu colegiado. Seus 18 membros são juristas renomados, escolhidos pelas nações em função de sua competência como juristas, professores de direito. A doutora Sarah Cleveland (do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que assina a liminar sobre Lula), por exemplo, é diretora do Instituto de Direitos Humanos da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, está na ONU por seu notório saber jurídico”.
Em tempo: Sarah Cleveland já deixou claro que ignorar a decisão da ONU é violar as suas obrigações legais e ferir o decreto que o país ratificou.
Imprensa brasileira
A atuação da imprensa brasileira também não escapou da análise de Estrada. “Para mim, é muito claro uma posição da imprensa contrária ao ex-presidente Lula, ao PT, e à maioria política que se visualiza no Brasil ao longo das quatro últimas eleições. E, agora, as pesquisas mostram que se o ex-presidente Lula estivesse livre para concorrer, provavelmente venceria de novo”, apontou.
Estrada acredita ainda que há no país uma maioria política em favor do Partido dos Trabalhadores, à qual a maioria da imprensa se mostra contrária. “Assim, a mídia tenta influenciar o jogo político, não informar a respeito dele”.
Da Redação da Agência PT de Notícias com informações do DCM