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Boaz Mavoungou: “Palmares é o berço do que hoje chamamos de cultura brasileira”

Ao Café PT, o professor e chefe da divisão internacional da Fundação Cultural Palmares falou sobre profundas raízes históricas do racismo no Brasil

Reprodução/TvPT

Mavoungou: "O preconceito começou com o que chamamos de choque de civilizações”

A abertura do mês da consciência negra trouxe ao programa Café PT desta sexta-feira (1º) uma discussão sobre a origem do racismo no Brasil. Convidado para falar sobre o tema, Boaz Mavoungou, professor, escritor e chefe da divisão internacional da Fundação Cultural Palmares, destacou as raízes profundas da discriminação racial, remontando a um período anterior à própria formação do Brasil.

O professor Mavoungou explicou como o racismo é uma característica global que tem raízes na dominação econômica e social por potências europeias desde a Idade Média.

Logo no início da entrevista, Mavoungou esclareceu que a discriminação racial contra povos negros não começou especificamente no Brasil. Segundo ele, antes mesmo do país existir, as práticas de dominação já se manifestavam em conflitos culturais e econômicos.

“Antes do Brasil, a discriminação racial já existia em outros lugares, e o preconceito começou com o que chamamos de choque de civilizações”, afirma.

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“Idade das trevas”

O professor explicou que, enquanto a América, a África e a Ásia possuíam civilizações próprias, a Europa, durante a Idade Média, encontrava-se em decadência, em uma “idade das trevas”, sem qualidade de vida e com um povo empobrecido.

Ele contou que, neste contexto, os exércitos muçulmanos vindos do norte da África conquistaram partes da Europa e levaram uma série de avanços culturais e intelectuais.

“Esses conquistadores civilizaram a Europa sem massacres, introduzindo conhecimento e impostos enquanto o poder europeu, ainda em formação, auxiliando essas mudanças”, disse.

Foi nesse cenário que surgiram as primeiras sementes do racismo, especialmente no campo religioso. A cultura europeia começou a associar a imagem do negro ao demônio, o que deu início a um processo de “epistemicídio” – o apagamento do conhecimento e da civilização negra.

Quando a colonização das Américas começou, esse sistema de discriminação já estava enraizado, e foi intensificado pela narrativa de que uma população negra dominava a “civilização” e deveria ser subordinada à autoridade europeia.

“Assim, a Europa criou a imagem do negro selvagem, incapaz de autonomia, e reforçou uma falsa ideia de superioridade sobre os outros povos”, comenta Mavoungou. Para ele, essa narrativa distorcida foi a base para a perpetuação do racismo estrutural que persiste até hoje no Brasil e em várias partes do mundo.

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Particularidades do racismo

Mavoungou também destacou as particularidades do racismo no Brasil, um aspecto que, segundo ele, foi construído a partir da exploração de recursos e do trabalho feito por povos indígenas e negros escravizados.

A chegada da família real portuguesa ao Brasil intensificou a segregação entre as classes sociais, beneficiando uma pequena elite e impedindo que uma população escravizada tivesse direitos.

Mesmo após a abolição da escravatura, em 1888, a realidade não mudou para muitos negros e indígenas. A sociedade brasileira, conforme o professor, apenas trocou as correntes físicas pela exclusão social e econômica.

Ele destacou o papel dos quilombos, especialmente o Quilombo dos Palmares, como uma forma de resistência. Fundado por africanos, indígenas e outros grupos marginalizados, Palmares representou uma alternativa ao sistema colonial, um modelo de convivência que transcendeu a barreira da cor e das origens.

“O Quilombo dos Palmares foi, na verdade, a primeira república das Américas, e é o berço do que hoje chamamos de cultura brasileira. Foi uma união de pessoas que buscavam existir em harmonia e desenvolver uma autonomia longe da opressão europeia”.

Essa experiência de resistência em Palmares, conforme o professor, foi fundamental para a formação de uma cultura brasileira.

Arte e cultura

“A arte e a cultura, que se originaram nesses espaços de resistência, são armas poderosas na luta contra a discriminação”, enfatizou. Ele vê no carnaval uma expressão de inclusão, onde “todos pulam juntos, no mesmo ritmo e com a mesma vibração”.

Para Mavoungou, o carnaval simboliza a essência do Brasil, um país que historicamente busca a união, embora enfrente desafios sociais e econômicos que reforçam as desigualdades.

O professor também relatou sua própria trajetória ao Brasil, explicando que escolheu o país devido à sua história única de resistência e diversidade cultural. “O Brasil me acolheu, pois eu via aqui um lugar onde a diversidade é culturalmente valorizada e onde Palmares permanece como símbolo de força e resiliência”, afirmou.

Segundo ele, o que torna o Brasil um país singular é essa capacidade de conviver com a diversidade e superar barreiras sociais, mesmo com uma estrutura histórica e social que reforça desigualdades.

O lançamento recente do livro “Paradoxo Africano: entre Riquezas e Miséria”, que Mavoungou apresentou no programa, discute como o colonialismo ainda impacta o continente africano e suas relações com o Brasil.

Ele observou que a colonização no Brasil e na África carrega semelhanças profundas, especialmente no que diz respeito à autopercepção das pessoas e ao desligamento de culturas originárias.

“O racismo não é apenas um problema de desigualdade de oportunidades, é também um problema de desligamento cultural e de redução da autoimagem das pessoas”, argumentou.

Ao discutir as implicações globais do racismo, Mavoungou apontou o conceito de “engenharia social” como uma arquitetura de desigualdade que visa manter uma classe dominante sobre os demais.

Em seu próximo livro, intitulado “Engenharia Social: Arquitetura da Desigualdade Globalista”, ele pretende aprofundar essa análise, mostrando como o racismo e outras formas de discriminação fazem parte de um projeto histórico de controle e exploração da população.

Mavoungou ressaltou ainda o papel transformador da cultura, que, para ele, é uma ferramenta essencial para educar e sensibilizar a sociedade sobre a importância do combate ao racismo.

“A arte e a cultura têm o poder de unir as pessoas e transcender as barreiras impostas pela sociedade”, disse.

Da Redação