Em apenas nove meses de governo, Bolsonaro já demonstrou sua intenção de colocar o Brasil na posição de total atrelamento aos interesses dos Estados Unidos. Suas visitas constantes e do seu filho ao presidente norte-americano Donald Trump, a entrega do Centro Espacial de Alcântara no Maranhão, a nomeação de um oficial brasileiro para o Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos (Southcom) e até a abertura para importação do etanol americano são alguns fatos que comprovam essa submissão.
O próximo passo na subserviência e na entrega do país será liberar a entrada no mercado brasileiro de grandes empresas de infraestrutura norte-americanas. Após a destruição do setor de construção civil e naval pela operação Lava Jato, que com o discurso de combate à corrupção paralisou obras e levou à falência quase todas as grandes empresas, o setor ficará livre para os americanos.
Bolsonaro está preparando uma ofensiva contra o patrimônio nacional. Ele e o seu guru na economia, o ministro Paulo Guedes, já anunciaram a privatização de dezessete empresas: Empresa Gestora de Ativos (Emgea), Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Casa da Moeda, Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb), Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), Telebras, Correios, Eletrobras, Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex) e a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
Isso sem falar da Petrobras. A empresa ainda não teve sua venda anunciada, mas está pouco a pouco sendo desmontada. Já foram vendidas ou estão em processo de venda a Liquigás, oito refinarias, duas usinas termelétricas de gás no Amazonas, concessões de campos de petróleo e gás no Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Bahia e Espírito Santo. Até mesmo os campos de petróleo com produção iniciada estão sendo vendidos. Ainda neste ano, o governo quer leiloar o excedente da cessão onerosa do campo de Libra, um dos mais produtivos do mundo. Todo esse patrimônio a preço de banana considerando o valor dessas reservas e empresas.
Além de reduzir o tamanho da Petrobras, o Brasil fica mais dependente do exterior no fornecimento de combustíveis. Ou seja, enquanto exportamos óleo cru, as importações de derivados seguem crescendo, desequilibrando a balança comercial. Em 2018, por exemplo, a exportação de petróleo superou 40 milhões de barris, o que equivale a mais de 40% do total produzido. E a importação de gasolina passou de 450 mil barris em 2005 para 18,7 milhões de barris em 2018. E do diesel passou de 15 milhões de barris em 2005 para 73 milhões de barris.
Uma das vendas mais criminosas foi a da BR Distribuidora. A Petrobras será uma das poucas empresas de petróleo no mundo que não tem distribuidora própria. A Transportadora Associada de Gás (TAG) foi vendida para a francesa Engie. Uma venda lesiva para o patrimônio nacional, pois foi entregue por US$ 8,6 bilhões quando vale US$ 13 bilhões e abastece uma área tão importante do país. É evidente que o objetivo dessa política de desmonte da Petrobras é enfraquecer a empresa e abrir o mercado de petróleo para empresas privadas internacionais.
Além da Petrobras, Bolsonaro quer privatizar a Eletrobras e suas principais subsidiárias, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), Furnas, participações em Belo Monte, Santo Antonio e Jirau. E o estrago pode ser ainda maior já que não se sabe o que o governo vai fazer com Itaipu e a Eletronuclear.
A Eletrobras é responsável por um terço da geração de energia do país, grande parte da distribuição e 57% das linhas de transmissão. Todo esse potencial nas mãos de empresas privadas coloca em risco não só os interesses nacionais e regionais no controle de energia, mas também o próprio funcionamento do sistema interligado nacional. Vender a Eletrobras é colocar em risco a segurança energética do Brasil. E, ainda, vai atingir em cheio o bolso do consumidor porque haverá elevação no custo da energia. Afinal, se usinas hidroelétricas já amortizadas são vendidas o comprador vai incorporar no preço da energia suas despesas de compra.
É inacreditável a sanha entreguista de Bolsonaro e sua trupe. O governo quer abrir mercado para os estrangeiros, especialmente os americanos. O argumento é que as empresas estão deficitárias. Mas essa afirmação é falsa, é uma grande falácia. Correios, Dataprev, Serpro, Trensurb, por exemplo, vêm apresentando lucros bastante razoáveis.
Os Correios são cobiçados por grandes empresas de logística e comércio eletrônico porque têm infraestrutura espalhada por todo o território nacional. Teve lucro no ano passado de R$ 161 milhões. Já o Serpro administra convênios e certificações da Receita Federal e Receita Estadual, além de prestar serviços até para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Em 2018, o Serpro lucrou R$ 459,7 milhões, uma alta de 273% em relação a 2017.
A Dataprev controla o pagamento de benefícios de 23 milhões de brasileiros, um banco de dados bastante importante. Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Codesa e Codesp administram os principais portos do Sudeste, as principais pontas dos corredores de exportação do Brasil.
Perde o país que poderia democratizar e gerar políticas públicas em diversos setores como, por exemplo, o da comunicação, já que a Telebras tem o controle do Satélite Geoestacionário Brasileiro, responsável pelo acesso à banda larga em todos os cantos do país. Quando o governo anunciou a venda da Telebras, houve um alvoroço na bolsa de valores, que hoje tem lucro de R$ 12,3 bilhões. Isso demonstra a cobiça do mercado por essa importante empresa.
A política neoliberal extremada de Bolsonaro ultrapassa os objetivos das eras Collor e FHC. Enquanto esses queriam apenas “reduzir o tamanho do Estado”, “reduzir o déficit público” ou “vender empresas deficitárias”, Bolsonaro e Paulo Guedes pretendem ir além – querem abrir mercados para o capital privado a qualquer custo.
Um exemplo foi a proposta do sistema de capitalização de Previdência Social. Uma proposta criminosa e antipopular, que não foi aprovada no Congresso graças à resistência democrática do PT e da oposição. Com isso, nós impedimos a transferência de 800 bilhões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para os bancos. E a privatização do principal fundo público do país.
O que já estão fazendo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um verdadeiro absurdo. Estão vendendo participações, dilapidando rapidamente o capital do banco, retirando sua participação no apoio à indústria nacional, que hoje está sendo praticamente extinta. Toda essa política de desmonte vai atingir também o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Toda essa estrutura precisa ser reduzida para que o capital internacional, principalmente americano, possa avançar ocupando o mercado com novas tecnologias.
Bolsonaro e Guedes querem ir muito além da ofensiva contra o patrimônio nacional. Vão tentar privatizar o sistema de seguro de acidentes do trabalho, o Sistema Único de Saúde (SUS) com a entrada dos planos populares no sistema, o ensino público com a criação dos vouchers para as famílias com filhos em idade escolar. O voucher poderá ser usado para que os pais escolham matricular seus filhos em escolas públicas ou privadas. A imaginação do capital não tem limites. Podem até pagar tudo com bitcoins, assim como pagaram as privatizações da era FHC com títulos podres da dívida pública.
É fundamental resistir à privatização dessas empresas e setores. Não se farão políticas de desenvolvimento e distribuição de renda sem a participação do Estado em polos dinâmicos da economia. Teremos apenas mais concentração de renda nas mãos de empresas multinacionais.
A oposição, o PT e partidos de esquerda e centro-esquerda, vem combatendo toda essa entrega do patrimônio por meio de denúncias, da luta parlamentar, da luta sindical e de ações na Justiça que não são fáceis. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento de venda da BR, que empresas subsidiárias poderiam ser vendidas sem autorização legislativa e sem licitação. Isso impede que haja debate aprofundado e que o Legislativo fiscalize essas vendas. A saída para impedir que esse governo acabe com o país é o povo nas ruas. Só a mobilização e a luta popular poderão impedir o desmonte do Estado.
Carlos Zarattini é economista, deputado federal pelo PT- SP e líder da Minoria no Congresso Nacional
*Artigo para a revista Teoria e Debate, publicado originalmente no site da Fundação Perseu Abramo
Por PT na Câmara