Partido dos Trabalhadores

Bolsonaro investe para armar um “exército paralelo” no país

Presidente anuncia acordo com novos chefes do Congresso para votar o excludente de ilicitude e projetos que tratam do porte de armamento por civis e guardas de pequenos municípios. Dois anos após mais de 20 dispositivos legais que abriram a porteira da liberação, 1,15 milhões de armas circulam nas mãos de cidadãos comuns

Site do PT

Bolsonarismo aposta na liberação geral de armas

A corrida armamentista do bolsonarismo ganha ímpeto renovado com Arthur Lira (PP-AL) à frente da Câmara dos Deputados e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado Federal. Já nesta quinta (4), enquanto se apropriava de uma obra iniciada pela então presidenta Dilma Rousseff – o Centro Nacional de Atletismo, em Cascavel (PR) – o presidente Jair Bolsonaro afirmou que fechou acordo com os dois para a votação de um projeto há muito prometido a policiais: o excludente de ilicitude.

Além da votação do dispositivo, que exime agentes da lei de culpa e punição quando matarem alguém em serviço por “medo, surpresa ou violenta emoção”, Bolsonaro fez um aceno a outra facção ativa de sua base: Caçadores, Atiradores Esportivos e Colecionadores (CACs).

“Semana que vem, vamos baixar mais três decretos sobre armas e CAC. Arma é um direito de vocês, arma evita que um governante de plantão queira ser ditador. Eu não tenho medo do povo armado, muito pelo contrário, me sinto muito bem em estar ao lado do povo de bem armado em nosso Brasil”, anunciou, triunfante.

Na lista com mais de 30 projetos que o governo considera prioritários entregue aos novos presidentes da Câmara e do Senado na quarta (3), está incluída a Lei nº 10.826, que trata sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Além dela, o PL 6438/2019, que dispõe sobre o mesmo tema. Outra proposta autoriza o porte de armas a todos os guardas municipais do país, hoje restrito a agentes de capitais e municípios com mais de 500 mil habitantes.

Em 2019, os deputados aprovaram um substitutivo ao PL 3.723/2019, de autoria do Executivo, que flexibilizou regras para a compra e a posse de armas por CACs. A matéria aguarda agora votação no Senado. Por meio de acordo, o governo apresentou à Câmara um projeto separado, o 6.438/2019, para tratar da autorização ao porte de armas para diversas categorias, como guardas municipais, agentes de trânsito e advogados públicos.

Há pouco menos de um mês, em 11 de janeiro, Bolsonaro já havia anunciado em conversa com apoiadores que, a depender de quem ganhasse a eleição no Congresso, haveria os três decretos relativos a porte de armas pelos CACs. A um apoiador que se identificou como caminhoneiro, comentou que, se dependesse da sua vontade, a categoria profissional já teria direito ao porte de armas “há muito tempo”.

A notícia de que quase 180 mil novas armas de fogo foram registradas na Polícia Federal (PF) em 2020, aumento recorde de 91% ante o registrado em 2019, quando já havia ocorrido forte alta, mereceu resposta jocosa do “mito”.

“Nós batemos recorde ano passado em relação a 2019, né – de mais de 90% de venda de armas. Tá pouco ainda, tem que aumentar mais, porque o cidadão de bem muito tempo foi desarmado”, disse, comemorando o maior patamar da série produzida pela PF, que começou em 2009.

Mais de 1,15 milhão de armas já circulam no país

Enquanto trata as vacinas contra a Covid-19 no mínimo com desprezo, Bolsonaro peleja para aumentar a quantidade de armas nas mãos das pessoas – agentes públicos ou não. Dois anos após os primeiros atos com esse objetivo, o país já contabiliza 1,151 milhão de armas legais nas mãos de cidadãos civis, contra 697 mil em dezembro de 2018.

O número, que corresponde a uma alta de 65% do acervo ativo, foi levantado em parceria pelos Institutos Igarapé e Sou da Paz com o jornal ‘O Globo’. Os dados, publicados no domingo (31), foram obtidos via Lei de Acesso à Informação junto à Polícia Federal (PF) e ao Exército. As corporações cuidam dos dois sistemas de controle de armas e munições existentes no Brasil.

Os números da PF, que incluem as licenças de pessoas físicas, foram os que mais cresceram. O arsenal passou de 346 mil armas em 2018 para 595 mil no fim de 2020 – aumento de 72%. O Exército é responsável pelo registro das armas dos CACs. O crescimento nessa categoria foi de 58%: de 351 mil em 2018 para 556 mil em 2020.

Os valores representam as armas em poder do “cidadão comum”, e não incluem as que estão em poder de empresas de segurança privada, clubes de tiro, policiais e integrantes das Forças Armadas. O crescimento é explicado tanto pelos registros de novas armas quanto pela renovação de registros expirados.

As medidas tomadas por Bolsonaro facilitaram ao cidadão comum o caminho para comprar uma arma. Antes, era preciso comprovar a chamada “efetiva necessidade”. A PF, então, analisava se as justificativas apresentadas eram válidas para a liberação da compra. Com as mudanças, a declaração é automaticamente assumida como verdadeira. Se um delegado quiser negar o pedido, deve comprovar suas razões.

Bolsonaro também alterou o potencial do armamento permitido. As pistolas 9mm e carabinas semi-automáticas .40, por exemplo, podem ser compradas por qualquer um que tenha dinheiro. Elas eram permitidas apenas às polícias ou Forças Armadas.

O grande benefício das ações de Bolsonaro para os CACs foi a quantidade de armas e munições que cada um pode ter. O atirador esportivo podia ter 16 armas e comprar 60 mil munições por ano. Agora, pode possuir até 60 armas (30 de uso permitido e outras 30 de uso restrito), além de adquirir 180 mil munições.

“Ao aumentar a potência permitida, você equipara o poder de fogo do cidadão ao da polícia. Se o policial precisa entrar numa residência com refém, o assaltante pode se armar com a arma que estava ali. A polícia fica mais vulnerável, e a tendência é escalar o uso da força”, destacou a diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, ao ‘Globo’.

STF julga decreto de liberação de armas por Bolsonaro. Ilustração: Site do PT

Luta contra redução de tarifa de importação de armas

A última manobra do desgoverno Bolsonaro para abrir a porteira das armas foi a tentativa de zerar a tarifa de importação de armas de fogo, no início de dezembro. Atendendo à proposta do Palácio do Planalto, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) zerou a tarifa de 20% que incidia sobre revólveres e pistolas. Mas a medida foi bloqueada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A decisão será avaliada pelo plenário do tribunal em julgamento previsto para esta sexta (5), informou a coluna Painel do jornal ‘Folha de S. Paulo’. O Instituto Sou da Paz ingressou esta semana no Supremo pedindo a extinção da medida.

Na semana passada, o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores, formado por defensores de 11 estados, havia entrado com o mesmo pedido. O Instituto Igarapé também requisitou ter voz durante o julgamento da ação.

Em dezembro, logo após o anúncio da suspensão das alíquotas, o deputado federal Helder Salomão (PT-ES) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 534/20 para suspender o decreto. “A resolução contraria o Estatuto do Desarmamento, já que facilita a compra de armas de fogo pela população, através da redução do preço. Mais um absurdo”, apontou o deputado na ocasião.

Quadrilha que burlava controle é desmantelada em Brasília

A ampliação do acesso às armas é uma das táticas do método bolsonarista de desgovernar o Brasil. O primeiro ato normativo com esse intuito foi um decreto publicado em 15 de janeiro de 2019 que, entre outros pontos, facilitou a posse de arma.

Mas a maioria da população ainda apoia o principal marco legal sobre armas de fogo no Brasil: o Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 2003 e estabelece que o acesso às armas deve ser restrito a casos específicos e sob controle do poder público.

Bolsonaro é crítico ao estatuto, mas não tem apoio suficiente no Congresso para alterar a lei. Para agradar à base radical e atender à bancada da bala, que representa os interesses da indústria armamentista, optou por atos do Executivo.

A partir de então, mais de vinte atos foram publicados, entre revogações, decretos, instruções normativas, portarias e projetos de lei. Alguns destes últimos foram bloqueados no Congresso. Outros, foram retirados após intensa reação social. Mas a escalada prossegue, em meio a dúvidas crescentes sobre o que pode e o que não pode.

Esse ambiente confuso gera distorções como a que foi alvo da Operação Cricket, deflagrada na semana passada pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contra um grupo criminoso organizado, com base em Brasília e voltado há dois anos (!) à posse, porte e comércio ilegais de arma de fogo.

Segundo a corporação, militares da ativa do Exército Brasileiro, integrantes do Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados de algumas Organizações Militares vinculadas à 11ª Região Militar, se associaram a despachantes e CACs para inserir dados e informações falsas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma).

A intenção, segundo os investigadores, era fazer a concessão ou revalidação dos Certificados de Registros (CR) de CACs e do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) a pessoas que não preenchiam os requisitos legais.

Foram identificados 18 integrantes do grupo criminoso criado para ludibriar a administração militar, especialmente o Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados. Com isso, eles facilitaram a posse, o porte e a comercialização clandestina de armas de fogo e munições no Distrito Federal e Goiás. Não foi informado quantas pessoas adquiriram armas de maneira irregular, em troca de propina aos criminosos.

Da Redação