A possibilidade de um impulso inicial na economia brasileira a partir do ano que vem, sob o comando do entreguista Jair Bolsonaro, deve ser de curta duração e péssima qualidade: com trabalhadores sacrificados, um Estado estrangulado e muita concentração de riquezas e oportunidades. Esse é o retrato trazido por especialistas ouvidos com exclusividade pelo Brasil de Fato.
Paulo Kliass, doutor em economia, afirma ser provável que o país “tenha, nos primeiros meses de 2019, já algum grau de recuperação. Por quê? Porque a economia está completamente destroçada”. Kliass acredita, contudo, que esse respiro pode ser “o que a gente chama no economês do ‘voo de galinha’: Pode dar um saltinho agora, melhora um pouquinho, porque a base é muito ruim, a base de comparação, mas não é um voo que se sustente”, explica Kliass, que é também especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
Esther Dweck, professora de Estudos da Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concorda com o diagnóstico do colega. Esther vê uma economia brasileira em situação “muito fragilizada”, que para se recuperar dependeria de uma “atuação vigorosa do Estado”.
A professora entende que a política a ser adotada pelo próximo governo deveria ser oposta a essa que está sendo desenhada. Para ela, a economia poderá apresentar “um impulso inicial, mas será de curta duração e de qualidade péssima, com muita concentração”.
Um cenário preocupante, para uma economia cujo Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,5% em 2015 e outros 3,6% em 2016. Com esse brutal recuo na soma das riquezas produzidas pelo país e com a tímida retomada que se delineia a partir de 2017, a professora aponta que é possível que demoremos “quase dez anos para recuperar o nível que a gente estava em 2014”.
A queda no PIB, que afeta de forma dura o país como um todo, produziu um dramático aumento do desemprego no Brasil, que em sua taxa mais recente, ao final de setembro, atingia mais de 12,5 milhões de pessoas (veja gráfico). Outros 4,8 milhões de brasileiros e brasileiras encontravam-se na situação de desalento ao final de setembro, o que significa que desistiram de procurar emprego.
O aumento do desemprego, de 2015 para cá, representa uma grave reversão no quadro que se vislumbrava até 2014. Nos meses de dezembro de 2014 e 2013, o Brasil experimentou sua menor taxa de desemprego na série iniciada em 2002, com um índice de 4,3%.
João Sicsú, professor do Instituto de Economia da UFRJ, destaca que, “para o Brasil sair dessa situação, é preciso haver investimentos públicos”, mas aponta que “não vai haver investimentos públicos”, uma vez que o novo governo “está preocupado com outras coisas: em privatizar, em desregulamentar, em retirar direitos trabalhistas”.
A reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2017 não entregou os milhões de empregos prometidos. No preciso diagnóstico feito pela agência de notícias Repórter Brasil, após um ano de sua aprovação, o que tivermos foi: “aumento da informalidade, redução no número de acordos coletivos, perda de direitos para trabalhadores rurais e enfraquecimento dos sindicatos”.
Sicsú, que foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) entre 2007 e 2011, diz não acreditar “que o Brasil possa viver um cenário de otimismo porque a economia do Brasil se encontra no fundo do poço de uma depressão”.
Insistência “austericida”
Bolsonaro e sua equipe econômica devem trabalhar no sentido de aprofundar o que está dando errado agora, na leitura de Paulo Kliass. Nesse sentido, o Brasil deve viver uma “continuidade da política de austericídio”, conforme nos explica o especialista. Austericídio vem da junção de austeridade com morte. Isto é: a implementação de medidas de cortes de gastos públicos tão severos que têm como consequência a morte de pessoas.
De acordo com Kliass, essa política “parte do princípio de que o problema maior da economia brasileira era fiscal, das contas públicas, onde as despesas seriam maiores que as receitas e que a solução para isso era cortar as despesas de uma forma radical”.
Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), explica que “o governo que assume é o governo com menor espaço fiscal da história” e que Bolsonaro será “o presidente que vai contar com a menor margem de política fiscal para implementar as suas propostas”. Em outras palavras, “o governo começa já com uma premência de corte de gastos”.
Para Rossi, a Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016 e que estabeleceu o teto de gastos públicos, representa “algo que vai desmontar o Estado brasileiro ao longo dos anos se ela não for revertida”. O professor destaca que, “quando se fala de enxugamento da máquina pública, em particular o gasto social, que é um gasto que tem impacto distributivo grande, a gente está falando de um tipo de política que está prejudicando os mais pobres”. E a Emenda Constitucional 95 reforça essa orientação. “E tudo indica que o governo vai dar andamento a um projeto que vai prejudicar e fragilizar a posição dos trabalhadores”, além de favorecer as classes mais ricas.
O que virá(remos)
No cenário colocado, o movimento de desindustrialização deve se dar de forma mais intensa e mais rápida e haverá uma abertura comercial maior do que hoje existente. Sicsú explica que a combinação desses fatores aplicada à realidade econômica atual poderá “transformar o Brasil numa base competitiva de exportação de produtos primários básicos”, dentro da qual não haverá espaço para produzir com vistas ao mercado doméstico.
Ao reduzir direitos e diminuir a renda dos trabalhadores, o país também exporta consumo interno, conforme explica Sicsú. O mercado de consumo de massa e a política de valorização do salário mínimo, duas conquistas importantes que marcaram as gestões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devem perder espaço também.
Sicsú projeta a possibilidade de diversas gerações das famílias precisarem voltar a morar todas juntas em uma mesma casa. “Quem está empregado compra alimento, quem não está empregado vive ali do alimento comprado pelos outros. Vamos ter essa característica de regressão social muito grande”, remetendo a um cenário de muitas décadas atrás.
Pedro Rossi avalia que “o Brasil assinou um cheque em branco em termos econômicos” nas eleições, que foram marcadas por um debate muito raso nesse campo. “O que a gente vai ver agora é, na verdade, um projeto econômico que não foi suficientemente debatido”. Para Rossi, o governo precisará “ter muita habilidade, política, para poder encaminhar esses temas”.
Por Brasil de Fato