Em oitivas simultâneas para evitar a combinação de versões e favorecer a obtenção de informações úteis para a investigação, o ex-presidente Jair Bolsonaro, sua esposa e dois ex-assessores ficaram em silêncio durante depoimento hoje (31) na Polícia Federal em Brasília sobre o desvio e venda das joias dadas de presente por autoridades estrangeiras ao Estado brasileiro.
As peças foram levadas no avião da presidência, dia 30 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro foi para Orlando nos Estados Unidos e não passou a faixa ao presidente Lula. Ao contrário do casal Bolsonaro, do ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten e dos ex-assessores coronel Marcelo Câmara e ex-tenente Osmar Crivelatti, decidiram responder às perguntas da PF o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens, Mauro Cid; seu pai general Mauro Lourena Cid e o ex-advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef.
Com a meta de apresentar os relatórios finais até dezembro, a Polícia Federal já tem provas de que os valores obtidos com as vendas eram convertidos em dinheiro vivo e “ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente por meio de intermediários e sem utilizar o sistema bancário formal, supostamente visando ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”, segundo o site BBC.
A PF investiga como foi a atuação de cada um dos depoentes nos crimes cometidos como, por exemplo, quem foi o mandante da venda das joias e relógios dados de presente pela Arábia Saudita quando Bolsonaro era presidente, para quem os objetos foram vendidos e, após a cobrança do TCU, como foi o processo de recompra e da volta de alguns itens para o Brasil. Uma das peças, o relógio Patek Philippe, estimado em R$ 68 mil, continua desaparecido.
Segundo a CNN, uma das perguntas que Bolsonaro não respondeu foi se ele deu ordem expressa para que Mauro Cid vendesse no exterior o relógio Rolex de platina cravejado de diamantes, no valor de R$ 300 mil, posteriormente recomprado pelo advogado Frederick Wassef que teria, segundo a PF, um papel central na organização criminosa da venda das joias.
A PF busca saber também se Bolsonaro pediu para que outros presentes fossem vendidos no exterior e se recebeu dinheiro vivo pela venda dos itens.
O general Mauro Lourena teria atuado tanto para vender as joias como para ajudar a recomprá-las quando o TCU ordenou que Bolsonaro as devolvesse. Ele ficou conhecido como “camelô luxo” porque era o responsável por negociar as joias e os demais bens nos Estados Unidos, segundo a PF, e recebia os valores em sua conta bancária.
O ex-chefe da Secretaria de Comunicação Fabio Wajngarten, segundo a revista Veja, foi quem orientou os aliados de Bolsonaro a recomprarem o relógio Rolex que ele recebeu de presente e vendeu nos Estados Unidos.
O relatório da PF sobre as mensagens encontradas no celular de Mauro Cid, preso em maio, mostra que ele e Marcelo Câmara discutiram sobre a legalidade da venda de joias. Marcelo então cita que um item teria “desaparecido” com a ex-primeira-dama. “O que já foi, já foi. Mas se esse aqui tiver ainda a gente certinho pra não dar problema. Porque já sumiu um que foi com a dona Michelle; então pra não ter problema”, disse ele.
A investigação da PF mostra também que em 6 de junho de 2022, o ajudante de ordens Osmar Crivelatti assinou a retirada de um Rolex do “acervo privado” para o gabinete dele. O relógio, avaliado em R$ 300 mil, foi doado pelo rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdul-aziz em uma viagem oficial e teria sido negociado por Mauro Cid.
“PF já tem provas para apontar Bolsonaro como chefe de organização criminosa”, postou o portal Brasil 247 ao comentar informação da jornalista Bela Megale no Globo.
“As evidências coletadas até agora reforçam a suspeita de que esse grupo atuou em várias frentes, desde a ameaça à democracia até a obtenção indevida de benefícios através do aparato governamental”, escreveu o 247, ao chamar atenção para o potencial impacto do caso sobre os militares.
“Os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, segundo o jornalista do Brasil 247, Luís Costa Pinto, “determinaram a Mauro Cid que ele podia obedecer cegamente às determinações do ex-presidente porque isso não conflitava com a lealdade dele aos princípios do Exército”.
Militares ligados à alta cúpula das Forças Armadas, de acordo com Valdo Cruz, da GloboNews, comemoram o fato de Cid estar colaborando com a PF. “Segundo esses militares, essa seria a única opção para começar a ‘cicatrizar a ferida aberta’ durante o governo Bolsonaro que tanto desgastou as Forças Armadas”.
Relatório da PF divulgado dia 11 de agosto concluiu que todo o esquema “está diretamente ligado ao eixo de uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens” e apontou que os auxiliares do ex-presidente e ele próprio usaram voos presidenciais para levar as joias para os Estados Unidos, com faturamento em torno de R$ 1 milhão.
A memória dos crimes
Por lei, objetos recebidos pelo presidente da República devem ser encaminhados ao acervo da Presidência por serem bens públicos, a não ser os considerados “personalíssimos”, como roupas, perfumes e alimentos.
Em março o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, disse que, “de acordo com a jurisprudência desta Corte de Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário.”
Tudo começou com divulgação pelo jornal O Estado de S. Paulo, em março, de que a Receita Federal reteve, em 2021, um estojo feminino com joias Chopard que teria sido enviado pelo governo da Arábia Saudita à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A PF abriu um inquérito para apurar o caso e descobriu que o estojo estava na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque na volta da viagem oficial à Arábia Saudita e que ele não declarou os bens ao chegar ao Brasil.
Desde então a PF passou a investigar também a movimentação de um kit masculino da Chopard (incluindo caneta, anel, abotoaduras, rosário árabe e relógio); dois relógios (um da marca suíça Rolex, acompanhado por joias, e outro da marca suíça Patek Philippe) e duas esculturas folheadas a ouro.
Preso em maio por esquema de falsificação de cartões de vacina da família Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid teve seu celular apreendido e a partir disso a PF coletou bastante evidências dos crimes a partir das conversas de whatsapp que revelaram o empenho dele, de seu pai general e de outros ex-assessores de Bolsonaro no transporte para venda, nos Estados Unidos, das joias de altíssimo valor, algumas com milhares de diamantes.
O kit masculino da marca suíça Chopard foi recebido em 2021 pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque em viagem à Arábia Saudita, e tinha uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário islâmico (“masbaha”) e um relógio.
O kit não foi declarado, ficou guardado no cofre do prédio do ministério por mais de um ano e saiu do Brasil no voo oficial que levou Bolsonaro, sua família e seus assessores à Flórida, nos Estados Unidos, no dia 30 de dezembro de 2022, penúltimo dia de seu mandato.
Relatório da PF informou que as peças foram levadas a uma casa de leilões em Nova York com valor inicial de R$ 248 mil mas não foram arrematadas. Em março o TCU determinou que Bolsonaro entregasse esse kit à Caixa Econômica Federal “resgatados” na casa de leilão e devolvidos ao governo pela defesa do ex-presidente.
Já o conjunto feminino Chopard formado por colar, anel, relógio e brincos de diamantes foi retido pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos e seria um presente para Michelle Bolsonaro. Ele estava com o assessor do então ministro de Bento Albuquerque que fazia parte da comitiva que viajou à Arábia Saudita e não foram declaradas.
Três dias do fim do mandato de Bolsonaro, Mauro Cid assinou um ofício à Receita Federal solicitando a liberação das joias mas os agentes não liberaram.
Em novembro de 2021, Bolsonaro recebeu no Bahrein uma escultura de barco folheada a ouro em um seminário com empresários árabes e brasileiros no Bahrein. Essas peças também foram levadas no voo oficial de Bolsonaro para os Estados Unidos dia 30 de dezembro de 2022 mas, ao saber do baixo valor delas, o ex-presidente não teve interesse, conforme relatório da PF que expos as conversas de whatsapp encontradas no celular de Mauro Cid.
O relógio da marca suíça Patek Philippe foi dado a Bolsonaro pelo Bahrein em novembro de 2021 e foi extraviado do acervo oficial, segundo a PF, que revelou também que o kit com anel, abotoaduras, um rosário islâmico (“masbaha”) e um relógio da marca Rolex, de ouro branco com diamantes foi dado a Bolsonaro em viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2019. O Rolex foi negociado junto com o relógio Patek Philippe por R$ 346.983,60.
Segundo os investigadores, esse kit também foi transportado no último voo oficial de Bolsonaro como presidente, em dezembro de 2022.
Assim como o kit da Chopard, esse conjunto teve que ser “resgatado” por aliados de Bolsonaro após decisão do TCU, em março, que determinou que eles teriam que ser devolvidos ao governo federal.
Com a ordem do TCU para devolução dos itens levados aos Estados Unidos, Bolsonaro escalou o advogado Frederick Wassef para cumprir a missão.
Depois da operação Lucas 12:2, Wassef divulgou: “nunca vendi nenhuma joia, ofereci ou tive posse. Nunca participei de nenhuma tratativa, e nem auxiliei nenhuma venda, nem de forma direta ou indireta. Jamais participei ou ajudei de qualquer forma qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda”, mas desmentiu dias depois ao dizer que havia comprado o relógio Rolex com recursos próprios e com o objetivo de devolvê-lo à União.
No relatório da PF consta que “o relógio Rolex DAY-DATE, vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023, pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o bem ao Brasil, na data de 29/03/2023.
No dia 02/04/2023, Mauro Cid e Frederick Wassef se encontraram na cidade de São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para Mauro Cid, que retornou para Brasília/DF na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro”.
A PF apurou também que Mauro Cid teria recuperado nos EUA o restante das joias que originalmente compunham o kit e que ele chegou ao Brasil em 28 de março com as joias. No dia seguinte Wassef chegou com o Rolex, o kit foi remontado e entregue em uma agência da Caixa em Brasília dia 4 de abril.
“Os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do Estado brasileiro para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior”, disse a PF em nota dia 11 de agosto.
Da Redação