Sem um projeto de governo consistente para a cidade, o prefeito Bruno Covas quer fazer da privatização do patrimônio municipal, sem planejamento, participação e transparência, a marca de sua apagada gestão e a fonte de recursos para ampliar suas chances de reeleição.
Só isso justifica a maneira irresponsável como agiu nessa semana, em conluio com sua base na Câmara, em mais uma operação opaca que autorizou a alienação de 41 imóveis públicos, incluindo escolas e equipamentos sociais. O expediente deveria envergonhar a Câmara Municipal, se alguma vergonha ainda existisse nesta que é a instituição mais mal avaliada pela população de São Paulo, segundo a pesquisa Ibope/Nossa São Paulo.
Os vereadores receberam a lista dos 41 imóveis incluídos na negociata, em um substitutivo apresentado pelo líder de governo, alguns minutos antes de aprovarem a autorização para sua alienação, em 2ª votação. Durante a tramitação do PL 611/2018, que deu cobertura à operação, os que acompanharam os debates nas Comissões, audiências e 1ª votação conheciam uma relação de apenas sete imóveis.
Dois dias após a aprovação, o prefeito sancionou, em prazo recorde, a Lei 17.216, talvez com o intento de evitar uma maior mobilização social. A partir dessa 2ª feira, a prefeitura pode iniciar o processo de venda de, entre outros, o terreno onde funciona, com 200 crianças, a EMEI Gabriel Prestes, que recebeu esse ano o Premio “Territórios em Defesa da Educação Pública de Qualidade”, ou da EMEF Professora Antonieta D’Alkmin, onde estudam 500 alunos, além da educação de jovens e adultos.
Além do vício legislativo, evidencia-se o despreparo e improviso dos administradores da cidade para gerir o patrimônio municipal de forma coerente com o planejamento urbano. Não se trata de se opor a qualquer alienação de próprio municipal, mas de defender a adoção de uma política de gestão dos imóveis municipais , participativa e articulada com o planejamento.
O artigo 307 do Plano Diretor Estratégico (PDE) criou a obrigação da prefeitura elaborar o Plano de Gestão de Áreas Públicas, que deve orientar as alienações, permutas ou aquisições de imóveis pelo município. Esse plano, que a gestão Doria/Covas não formulou, deve seguir uma série de diretrizes, previstas nos artigos 303 e 304 do PDE, como a necessidade de se garantir áreas necessárias para o suprimento de equipamentos, infraestruturas urbanas e projetos habitacionais.
O PDE também estabeleceu uma série de objetivos estratégicos que requerem áreas públicas, como produzir habitação social em regiões bem localizadas, criar 168 novos parques em toda a cidade e qualificar as regiões com vulnerabilidade social, que requerem equipamentos e serviços.
Seria o Plano de Gestão de Áreas Públicas e os objetivos estratégicos do PDE que deveriam orientar um programa de alienação e aquisição de imóveis. Não se trata, portanto, de ser contra a venda de próprios municipais por princípio, mas de avaliar, junto com a sociedade, a pertinência e oportunidade de cada situação, levando-se em conta benefícios sociais e econômicos.
Em uma análise preliminar, depreende-se que da lista de imóveis que se pretende vender, parte significativa é útil e necessária para os programas e serviços municipais.
Escolas, a princípio, não devem ser vendidas, pois educação pública é prioridade em todas as regiões. Ainda mais escolas em funcionamento e que estão em regiões, como o centro expandido, definidas pelo PDE como para estratégicas para o adensamento populacional e que devem necessitar crescentemente vagas escolares, considerando ainda a exigência de se criar o ensino em tempo integral.
Muitas dessas áreas seriam excelentes para a implantação de projetos habitacionais bem inseridos na cidade. Grandes terrenos, como pátios e estacionamentos de subprefeituras, hoje ociosos ou subutilizados, são preciosos para a construção de conjuntos habitacionais próximos ao emprego, um dos objetivos do PDE.
Existem terrenos municipais valiosos e sem destinação clara, que devem ser vendidos. Mas, nesses casos, a alienação deveria gerar recursos para a aquisição de áreas necessárias para a implantação de novos equipamentos públicos, como os parques previstos.
É necessário que essa nefasta operação seja barrada pela Justiça. Senão, São Paulo perderá terras e equipamentos bem localizados, um recurso insubstituível e precioso para se construir uma cidade melhor.
Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.
*Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo