A confirmação da condenação de Luiz Inácio Lula da Silva aprofundará a instabilidade e a insegurança jurídica estabelecidas no país com a consumação do golpe. A projeção foi feita pelo coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, na terça-feira (23) que antecedeu o julgamento do recurso movido pela defesa do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Um dos principais líderes políticos da esquerda brasileira na atualidade, Boulos esteve em Porto Alegre para participar do ato Ação Global Anti Davos, realizado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em preparação ao Fórum Social Mundial (FSM) que ocorrerá em março, em Salvador. A fala de Boulos foi uma das mais aclamadas pelos apoiadores de Lula que lotaram o Teatro Dante Barone. Ao final do evento, em torno dele se aglomeraram diversas pessoas que queriam abraçá-lo e fotografá-lo. Ele estava ávido para sair do ambiente fechado a fim de fumar. Na rua, e depois de aceso o cigarro, concordou em iniciar a entrevista, realizada durante a caminhada até o hotel onde se hospedou.
O entusiasmo do público verificado no evento se manteve quando Boulos cruzou a Praça da Matriz. Enquanto analisava a conjuntura atual, tragava e caminhava, ele recebia acenos, cumprimentos e mais pedidos de foto. “O que está em jogo é muito mais do que o Lula, o que está em jogo é a democracia do nosso país”, ressaltou. “Quando se consolida e se naturaliza que uma condenação sem provas seja mantida na segunda instância e que isso tenha como significado a retirada do Lula do processo eleitoral, no tapetão, isso é uma ferida de morte. Isso é uma ferida brutal no que restou de democracia no nosso país.”
O líder do MTST acredita que se apresentam três desafios importantes à esquerda: ter muita unidade para enfrentar os retrocessos democráticos, mobilização de rua e aprender com as lições de todo esse processo. “Não é possível, depois de tudo o que aconteceu, reincidir nos mesmos erros, cair nas mesmas ciladas de sempre”, adverte. “Não dá mais para acreditar que se vai conseguir avanços em direitos sociais sem conflito e sem enfrentar os privilégios da casa grande do nosso país.”
A seguir, confira a entrevista concedida ao Sul21.
Sul21 – Durante o ato de apoio a Lula realizado em Porto Alegre, na véspera do julgamento do recurso contra a sentença formulada pelo juiz Sérgio Moro, o senhor disse que a condenação do ex-presidente é política. Por quê?
Guilherme Boulos – Porque não há provas. Uma condenação jurídica precisa estar baseada em crime e em prova. No caso do Lula, não se comprovou crime e não se apresentou prova. Visivelmente a forma como o juiz Sérgio Moro conduziu o processo na primeira instância foi casuística. Ele se comportou como acusador, não como juiz. Por tudo isso, tenho segurança para dizer que foi uma condenação política.
Sul21 – O que está em jogo no julgamento da apelação de Lula?
Guilherme Boulos – O que está em jogo é muito mais do que o Lula, o que está em jogo é a democracia do nosso país. Quando se consolida e se naturaliza que uma condenação sem provas seja mantida na segunda instância e que isso tenha como significado a retirada do Lula do processo eleitoral, no tapetão, isso é uma ferida de morte. Isso é uma ferida brutal no que restou de democracia no nosso país. Por isso, independentemente de concordar ou não com as posições e o programa do Lula, é preciso denunciar e combater esta perseguição.
Sul21 – Que cenário se estabelece com uma eventual condenação do Lula?
Guilherme Boulos – Aprofunda-se a instabilidade e a insegurança jurídica que foram estabelecidas no país com a consumação do golpe. As instituições de pouca credibilidade perdem ainda mais credibilidade, e o Judiciário fica evidenciado para todo o país e para o mundo como um Judiciário que age como partido político.
Sul21 – E com uma absolvição, que cenário se poderia esperar?
Guilherme Boulos – Uma absolvição, no caso do processo contra Lula, faz justiça. E se fazer justiça neste caso é importante, é um avanço.
Sul21 – Como se chegou a esta situação atual de deterioração de tantos direitos sociais que vinham sendo garantidos desde a redemocratização?
Guilherme Boulos – O golpe foi feito por uma agenda que não foi eleita e está sendo colocada em prática à revelia do povo brasileiro, contra a opinião e a posição da maioria do povo. É precisamente a agenda de desmonte nacional e de retrocesso dos direitos sociais, passando pela terceirização, pela reforma trabalhista, pela tentativa de aprovar a reforma da Previdência, pela entrega do Pré-Sal e por privatizações escandalosas. Tudo isso que está sendo feito é resultado da violação completa da soberania popular. Um governo que tem 3% de aprovação, que não tem legitimidade, que não foi eleito pelo povo, vira as costas para a sociedade e pisa no acelerador. É isso que estamos vivendo.
Sul21 – O que cabe à esquerda nesta atual conjuntura?
Guilherme Boulos – A esquerda, neste momento, tem três desafios importantes. O primeiro é ter muita unidade para enfrentamento do golpe e dos retrocessos democráticos e para a defesa dos direitos. Unidade nas lutas, nas mobilizações, nas bandeiras, como está acontecendo aqui em Porto Alegre. Um segundo desafio é mobilização de rua. Não basta ser no gogó, não basta dizer que é contra, não basta encher um auditório e falar para nós mesmos. Isso não resolve, não interrompe o golpe. É preciso retomar trabalho de base, retomar a capacidade de mobilização social, porque é isso que efetivamente pode interromper o projeto do golpe. E o terceiro desafio é aprender com as lições de todo esse processo.
Não é possível, depois de tudo o que aconteceu, reincidir nos mesmos erros, cair nas mesmas ciladas de sempre. Depois do golpe, não cabe mais, não dá mais para admitir recompor aliança com o PMDB e retomar um sistema de governabilidade que faliu. Não dá mais para acreditar que se vai conseguir avanços em direitos sociais sem conflito e sem enfrentar os privilégios da casa grande do nosso país.
Sul21 – Os governos do PT fizeram justamente uma série de acordos em nome de um projeto de poder e de governo. No momento, é mais importante a defesa do Lula?
Guilherme Boulos – O PT cometeu erros e acertos no governo. Nós, do MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto] e da própria Frente Povo Sem Medo, em vários momentos reconhecemos esses acertos e defendemos que os direitos conquistados permanecessem, contra os retrocessos, e ao mesmo tempo questionávamos e criticávamos os erros. O que está em jogo agora, aqui em Porto Alegre, é a defesa da democracia. Isso não tem que estar condicionado a nada. Tem que estar na rua e lutar.
Sul21 – O seu nome é citado como pré-candidato à presidência do país. O que pode comentar sobre isso?
Guilherme Boulos – Existe um convite do PSOL, há um debate sendo feito dentro do MTST, de forma coletiva, há um debate sendo feito com o próprio PSOL, com parceiros e companheiros nossos do conjunto da esquerda, mas não há nenhuma definição. Esta discussão ainda não chegou a um conclusão ou definição. Neste momento, para nós, o desafio destes dias é se colocar e se mobilizar incondicionalmente contra a perseguição jurídica ao Lula e à defesa da democracia.
Sul21 – O senhor fala sobre a mobilização das ruas. No dia 19 de janeiro, integrantes do MTST foram à frente do edifício onde Lula mora para se opor a uma manifestação do Movimento Brasil Livre (MBL). O clima das ruas tende a se acirrar?
Guilherme Boulos – Quando se fecham canais institucionais, quando as instituições perdem cada vez mais a credibilidade, só restam as ruas. Evidentemente que a porteira de instabilidade que esta turma abriu ao dar o golpe e continuar esse golpe com vários atos, ela tem consequências e acirra os ânimos do país.
Do Sul 21