O Brasil bateu mais um recorde de mortes nesta quinta-feira (21): com 1.188 mortes em 24h, o país agora passou dos 20 mil óbitos e mais de 310 mil casos. O mundo assiste à escalada desenfreada da pandemia no país, que está muito perto de ultrapassar os EUA em recordes de casos diários e de mortes. Especialistas advertem que o Brasil será em breve o epicentro mundial da doença. Apesar dos alertas, o presidente Jair Bolsonaro ignorou mais uma vez recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e caminhou pelos arredores do Palácio do Alvorada, onde conversou com garis que trabalhavam no local. Bolsonaro voltou a minimizar os efeitos da Covid-19. “Sobre a questão do vírus, mais da metade vai pegar. É como a chuva, se cair aqui agora, vai molhar. Vamos enfrentar. Tocar o barco, tocar a vida. Porque esse empobrecimento que estão fazendo em quase o Brasil todo vai fazer pobre ficar mais pobre, classe média ficar pobre e é ruim pra todo mundo. Porque sem dinheiro, não tem vídeo, não tem saúde”, afirmou.
A falta de sensibilidade do presidente e a apatia diante da crise que devasta o Brasil também continuam a arruinar a imagem do país no exterior. A renomada publicação ‘Time’ publicou nesta quinta-feira (21) extensa reportagem sobre o drama brasileiro e a atuação desastrosa de Bolsonaro. Segundo a ‘Time’, mesmo para os padrões de outros populistas de direita que tentaram subestimar a pandemia do Covid-19, o modo como Bolsonaro desafia a realidade é chocante. “Das favelas de cidades densamente compactadas como o Rio de Janeiro às comunidades indígenas remotas da floresta amazônica, o Brasil emergiu como o novo epicentro global da pandemia, com a maior taxa de transmissão do mundo e um sistema de saúde agora à beira do abismo de colapso”, aponta reportagem publicada nesta quinta-feira.
“Com uma pregação irresponsável, quase delinqüente, ele (Bolsonaro) encoraja as pessoas a ir às ruas. Ele levou muitas pessoas à morte”
A reportagem da prestigiada revista observa que, em grande parte causa do mau exemplo dado por Bolsonaro, muitos brasileiros – entre 45% e 60%, dependendo do estado – estão se recusando a cumprir medidas de distanciamento social, segundo dados de rastreamento de telefones celulares. “Bolsonaro não mostra sinais de que vai mudar”, pontua a ‘Time’. “A crise no Brasil está prestes a se deteriorar ainda mais, deixando epidemiologistas, humanitários e líderes regionais horrorizados”. A revista abre espaço para o prefeito de Manaus (AM) Arthur Virgílio Neto, que responsabilizou Bolsonaro pelas mortes por Covid-19 no país. “Com uma pregação irresponsável, quase delinqüente, ele encoraja as pessoas a ir às ruas. Ele levou muitas pessoas à morte”, atacou Virgílio.
Interiorização da doença ameaça vidas
O avanço da interiorização da pandemia ameaça a vida de milhões de brasileiros que não têm acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Segundo o último levantamento do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fiocruz, cerca de 7,8 milhões de pessoas estão localizadas a pelo menos quatro horas de distância do município mais próximo em condições de fornecer atendimento de emergência. O levantamento da Fiocruz indica que o processo de interiorizarão da pandemia poderá causar uma explosão do índice de mortalidade no país, dada a situação de sobrecarga na rede pública de saúde.
Com cerca de 60% de casos registrados nos municípios brasileiros, a interiorização da doença é fator decisivo para o iminente colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 12 estados, há registros de infecções em mais de 80% das cidades. Segundo nota técnica do sistema MonitoraCovid-19, divulgado pela Fiocruz, nos municípios de médio porte, com população entre 20 e 50 mil habitantes, 6 novas cidades apresentam óbitos pela primeira vez a cada dia. Já nas cidades de menor porte, entre 10 e 20 mil habitantes, são 5 novas cidades por dia. A análise aponta que a situação é pior nos estados de Amazonas, Pará e Mato Grosso. Os dados refletem a escalada da pandemia ocorrida na semana entre 9 e 16 de maio.
Os pesquisadores apontam também que a queda das taxas de isolamento social decorreu, entre outros fatores, da falta de unidade nos discursos entre governo federal, estados e municípios. Além, disso, ”as redes de conexão entre os municípios não foram consideradas de forma adequada, não foram impostas barreiras sanitárias eficazes e assim a livre circulação de pessoas, bens e serviços entre os municípios acelerou o processo de interiorização do vírus”, informa o relatório da Fiocruz.
Segunda onda de contaminação
Especialistas alertam que um relaxamento do isolamento social leva ao risco de uma segunda onda de contágio, uma vez que boa parte da população ainda não foi exposta ao vírus e não desenvolveu imunidade. ““Nós temos que tomar muito cuidado após a primeira onda de contaminação, ter uma vigilância muito ativa para detectar novos casos e fazer os trabalho de isolamento de pessoas doentes e seus contatos”, afirma o pesquisador da Fiocruz Bahia, Manoel Barral Netto, em depoimento reproduzido no Portal Fiocruz.
Segundo o pesquisador, testes em massa são fundamentais para o controle dos contatos de pacientes infectados, a fim de evitar que pessoas potencialmente contaminadas continuem circulando pelas ruas, em especial as assintomáticas. Daí a importância de detectar a presença do vírus antes do aparecimento dos sintomas. “Há um problema maior, que é quando o indivíduo permanece assintomático e transmitindo. Por isso, a estratégia de se fazer muito mais testes do que se costuma fazer em situações como essa”, confirma Barros.
Omissão dos EUA é lição
O drama enfrentado nos EUA e no Brasil nos últimos meses é uma dura prova de que a demora em reagir à chegada do coronavírus cobrou um preço alto demais, a dolorosa perda de milhares de vidas. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Colombia, de Nova York, aponta que pelo menos 36 mil pessoas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse adotado o isolamento social uma semana antes do que de fato foi feito, em meados de março. O estudo ganhou repercussão no diário americano ‘The New York Times’.
O número representa cerca de um terço do total de mortos, perto da casa dos 100 mil. Ainda de acordo com o estudo, 54 mil vidas teriam sido poupadas caso o governo agisse duas semanas antes, no início do mês. Ao invés de atuar rapidamente, o presidente Donald Trump desdenhou da letalidade do Covid-19. Em 26 de fevereiro, lembra o ‘The New York Times’, ele disse – incorretamente – que o número de casos “estava diminuindo substancialmente, não subindo”. Em 10 de março, ele prometeu: “Isso desaparecerá. Apenas fique calmo. Isso vai embora”.
Sabotagem presidencial, negligência à brasileira
Situação semelhante ocorreu no Brasil. Aqui, no entanto, o país, que atrasou a propagação do vírus por algumas semanas com medidas de distanciamento social, logo relaxou a quarentena. O presidente Jar Bolsonaro, já no início da disseminação da pandemia, não poupou esforços para sabotar o combate ao vírus e confundir a população sobre o isolamento. No dia 24 de março, ele executou uma etapa do plano, dirigindo-se ao país em pronunciamento em cadeia nacional: “o vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos”, disse Bolsonaro, praticamente repetindo o que disse o “aliado” norte-americano.
No mesmo pronunciamento, Bolsonaro ironizou o potencial de letalidade do coronavírus, mesmo ciente dos relatórios fornecidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), alertando sobre os perigos da chegada do vírus, conforme revelou o site ‘The Intercept’ no mesmo dia 24. Naquela época, o país contabilizava 57 mortos e 2.433 casos. Apesar do relativamente baixo número de perdas, a Abin projetava a morte de 5,5 mil brasileiros por Covid-19 até 6 de abril. E Bolsonaro nada fez. Como se sabe, a agência “errou” a previsão apenas por algumas semanas. Com as subnotificações, o país ultrapassou oficialmente a marca de 5 mil mortes em 28 de abril.
Em uma bravata que entrou para a história brasileira como uma das mais contundentes manifestações duplas de megalomania e desprezo pela vida humana, Bolsonaro vangloriou-se: “no meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão”.
Cemitério de Vila Formosa
Especialistas avisam que o número de mortos pode chegar a 120 mil em algumas semanas. “Não há dúvida de que o epicentro da pandemia está se deslocando para o Brasil. Mas aqui a pandemia encontrará uma população muito, muito precária”, afirmou Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional para Longevidade, em entrevista ao diário britânico ‘Financial Times’.
Até aqui, a “gripezinha” de Bolsonaro já matou quase 20 mil brasileiros. A crise mudou a rotina de coveiros de todo o país, sobretudo em Manaus e São Paulo. O maior cemitério da América Latina, o Vila Formosa, de São Paulo, registra o dobro do número diário de enterros, de acordo com reportagem da agência ‘AFP News’. “Nossa média eram 30, 35, um dia com muitos, eram 45. Hoje, estamos fazendo 60 [enterros] por dia”, diz James Alan, supervisor de uma das equipes de coveiros do cemitério que se tornou o retrato do avanço da pandemia no Brasil, aponta a reportagem. O Vila Formosa tem 750.000 m2 e abriga os restos mortais de 1,5 milhões de pessoas.
Da Redação, com informações da Fiocruz e agências internacionais