Com mais de 3,5 milhões de casos de coronavírus, o Brasil disputa com os EUA a liderança em número de novas infecções e mortes pela doença: nesta quinta-feira (20), o pais registra 112.423 óbitos e 3.505.097 casos de Covid-19, de acordo com o balanço do consórcio de veículos de imprensa. Foram acumuladas mais 1.234 vítimas fatais em 24 horas, e 44,684 mil novos contágios no período, mantendo o platô macabro de mil óbitos diários, em média.
Já os EUA – que ora ultrapassam, ora são ultrapassados pelo Brasil – assinalaram 1.295 novas mortes e 43.006 novos casos. O presidente Jair Bolsonaro, contudo, debocha do sofrimento da população, ao elogiar a desastrosa atuação do governo no combate à pandemia, em mais um arroubo demagógico.
“No meu entender, guardando-se as devidas proporções, não vi no mundo quem enfrentou melhor essa questão do que o nosso governo”, delirou o presidente, em discurso na quarta-feira (19). “Isso nos orgulha. Mostra que tem gente capacitada e preocupada, em especial, com os mais pobres, os mais humildes”, afirmou, em mais um exercício de atropelo da realidade. Talvez Bolsonaro devesse visitar o Rio de Janeiro, onde a taxa de letalidade da Covid-19 nas favelas chega a ser o dobro em comparação à de outros bairros, de acordo com a Fiocruz.
Se continuar no mesmo ritmo vertiginoso de contágio, o Brasil deve atingir a marca de 200 mil mortos em outubro, aponta recente projeção do especialista em estatística e coordenador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Domingos Alves. Mas Bolsonaro prefere negar a letalidade do vírus e colocar a vida da população em risco.
“E daí?”
A postura negacionista de Bolsonaro no combate à pandemia trouxe caos ao país, – inclusive econômico – além de deixar a população totalmente abandonada à própria sorte. Suas declarações ao longo dos últimos cinco meses dão bem a dimensão da estratégia de sabotagem adotada com sucesso.
Frases abomináveis como “e daí?, quer que eu faça o que?”, “ não sou coveiro”, “é a vida”, “lockdown não funciona”, “vou fazer um churrasco”, entre tantas outras , são manifestações que transformaram o país em pária internacional e fizeram de Bolsonaro exemplo mundial do que não deve ser feito por um líder durante um surto epidêmico.
Desde o início, Bolsonaro desrespeitou regras de isolamento social recomendadas por autoridades de saúde para participar de manifestações. Entrou em estabelecimentos de Brasília e outras cidades sem máscara e cumprimentou e abraçou apoiadores. Após a alardeada recuperação da própria infecção pelo vírus, passou a viajar pelo país para inaugurar obras e expor mais brasileiros à ação sinistra da doença.
“Arranja uma maneira de entrar e filmar”
A roleta russa da morte de Bolsonaro girou alto, por exemplo, em junho, quando sugeriu que seus seguidores invadissem hospitais de campanha para averiguar se os leitos estavam mesmo ocupados. À época, o país já ultrapassava mais de 40 mil mortos e 800 mil contágios.
“Pode ser que eu esteja equivocado, mas na totalidade ou em grande parte ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro”, disse Bolsonaro, pelas redes sociais, no dia 11 de junho. “Seria bom você fazer, na ponta da linha, se tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar”, convocou, esquecendo-se de avisar os apoiadores que invasões dessa natureza constituem crime.
“100 mil, vamos tocar a vida”
No início de agosto, menos de cinco meses depois de ter previsto que o coronavírus não mataria nem 800 pessoas – como se mesmo esse número fosse aceitável -, Bolsonaro admitiu que o país chegaria a 100 mil mortos pela doença. Mas nem por isso admitiu erros ou sugeriu que mudaria a estratégia de combate ao surto. “A gente lamenta todas as mortes, vamos chegar a 100 mil , mas vamos tocar a vida e se safar desse problema”, limitou-se a comentar.
Saúde x economia
“Temos dois problemas: o vírus e o desemprego”, enumerou Bolsonaro, no discurso de quarta-feira. “São dois assuntos que devemos tratar com responsabilidade, mas simultaneamente. A turma do ‘fica em casa’ e a turma do contra começou a dizer que eu era insensível e não estava preocupado com a vida das pessoas e que a economia se recupera, a vida não. Não precisa ser médico nem economista pra dizer que o efeito colateral de uma quebradeira é muito pior”, discursou, insistindo em uma falsa dicotomia entre saúde e economia.
Mas economistas, pesquisadores e cientistas das mais prestigiadas instituições do mundo são unânimes em afirmar que é preciso salvar vidas para salvar a economia e superar a crise.
O caso americano
Analisando o caso americano, assustadoramente semelhante ao brasileiro, o diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, Michael Osterholm, e o presidente do Banco de Reserva de Minneapolis, Neel Kashkari, defendem um rígido lockdown – bloqueio absoluto de atividades e circulação de pessoas – até que o ritmo de contaminações seja reduzido para menos de um caso novo diário para cada 100 mil pessoas. Os dois publicaram um artigo no diário ‘The New York Times’, na semana passada.
Os especialistas fizeram uma comparação entre os EUA e países que impuseram quarentenas sólidas para conter o vírus. No ensaio, o cientista e o economista afirmam categoricamente que a resposta americana à pandemia falhou. “Como nação, o que fizemos até agora não funcionou”, afirmam. “Cerca de 160 mil pessoas morreram e, recentemente, mais de mil morreram por dia”. Além disso, observam, estima-se que mais de 30 milhões de americanos estão desempregados.
Catástrofe muito maior
Os dois fizeram uma previsão sombria que vale para tanto para os EUA quanto para o Brasil, caso a situação se prolongue. “Os próximos seis meses podem fazer o que experimentamos até agora parecer apenas um aquecimento para uma catástrofe muito maior”, alertaram. De acordo com os especialistas, com muitas escolas e faculdades retomando atividades, lojas e empresas reabrindo, o número de novos casos crescerá rapidamente. A chegada do inverno é particularmente perigosa para os americanos.
“A trajetória do vírus determinará a trajetória da economia”, sustentam os dois. “Não haverá uma recuperação econômica robusta até que tenhamos o controle do vírus”, insistem. Os dois argumentam ainda que a recuperação dos países será muito mais lenta, com muito mais falências de negócios e alto desemprego nos próximos um ou dois anos. “A história será implacável conosco se perdermos esta oportunidade de acertar, salvando vidas e a economia”.
Da Redação, com informações de ‘New York Times’