A pandemia do novo coronavírus deve levar a uma histórica retração de 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e o Caribe em 2020, e a um aumento da taxa de desemprego para 13,5%. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) enfatiza que tanto os choques externos como os internos tornaram-se mais fortes do que o previsto em abril, o que levou a uma revisão para baixo dos números.
A atividade econômica no mundo está caindo mais do que o previsto há alguns meses e, com isso, aumentam os impactos externos negativos por meio do canal comercial, de termos de troca, de turismo e de remessas na região, que se encontra hoje no epicentro da pandemia.
A agência das Nações Unidas, que em abril previu uma recessão regional de 5,3% para este ano, explicou que enquanto há países como Uruguai e Paraguai, que recuperaram em parte os padrões pré-pandemia e suspenderam medidas de isolamento social, “outros tiveram que mantê-las ou mesmo intensificá-las em vista do aumento persistente de novos casos diários da doença”.
O Relatório Especial Covid-19 nº 5 da Cepal foi apresentado nesta quarta (15) pela Secretária-Executiva da Cepal, Alicia Bárcena, em uma coletiva de imprensa virtual realizada de Santiago (Chile).
Mais pobreza e desigualdade
Segundo o relatório, a queda na atividade econômica é de tal magnitude que levará a que, até o final de 2020, o nível do PIB per capita da América Latina e do Caribe seja similar ao observado em 2010 – um retrocesso de 10 anos nos níveis de renda por habitante. “Agora é esperado um aumento também maior do desemprego, o que por sua vez, provocará uma deterioração importante nos níveis de pobreza e desigualdade”, afirmou Alicia Bárcena em sua apresentação.
Com a nova estimativa, o número de desempregados chegaria a 44,1 milhões de pessoas, aumento de quase 18 milhões com relação ao nível de 2019 (26,1 milhões de desempregados). Esses números são significativamente maiores do que os observados durante a crise financeira mundial, quando a taxa de desemprego aumentou de 6,7% em 2008 para 7,3% em 2009 (0,6 ponto percentual).
A queda do PIB e o aumento do desemprego terão um efeito negativo direto sobre a renda familiar e sua capacidade de atender às necessidades básicas. A Cepal projeta que o número de pessoas em situação de pobreza aumentará 45,4 milhões em 2020, passando de 185,5 milhões em 2019 para 230,9 milhões, ou 37,3% da população latino-americana. Nesse grupo, o número de pessoas em situação de extrema pobreza aumentaria em 28,5 milhões, passando de 67,7 milhões de pessoas em 2019 para 96,2 milhões, número que equivale a 15,5% do total da população.
A agência também projeta maior desigualdade na distribuição de renda em todos os países da região: o índice de Gini aumentaria entre 1% e 8% nos 17 países analisados, e os piores resultados são esperados nas maiores economias da região.
“Embora os países da região tenham anunciado medidas muito importantes, à medida que o confinamento se estende são necessários esforços adicionais para satisfazer as necessidades básicas e sustentar o consumo das famílias”, enfatizou Alicia Bárcena.
A Cepal tem apresentado várias propostas, incluindo a implementação de uma renda básica de emergência, um bônus contra a fome e várias iniciativas para apoiar empresas e trabalhadores em risco. “Para a implementação de qualquer uma dessas linhas de ação, é necessário fortalecer o papel das instituições financeiras internacionais de forma que possam apoiar melhor os países”, concluiu Bárcena.
“O mundo perdeu a paciência com o Brasil”
Além da pandemia, a desastrosa condução da política econômica e o descaso com o meio ambiente destruíram a imagem brasileira no exterior. Ex-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva comentou, em live do jornal ‘Valor Econômico’, que o desastre ambiental e o recorde de queimadas na Amazônia esgotaram a complacência do mundo civilizado com o governo de Jair Bolsonaro.
Segundo Piva, o país corre sérios riscos de perder investimentos estrangeiros e prejudicar suas exportações em função disso. “O mundo perdeu a paciência com o Brasil’, disse textualmente. “[O desmatamento] Afeta não só o dia a dia das empresas, como inclusive o rating [notas de risco de crédito] desses grupos que, de alguma forma, contam com investimentos e financiamentos de agentes internacionais, hoje muito mais ativos na questão do meio ambiente e da sustentabilidade.”
Acionista de uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo, a Klabin, Piva, que é economista, vê um país sem lideranças capazes de promover as mudanças necessárias para enfrentar o coronavírus e atravessar a recessão de 2020. “Acho que Brasília desconhece a gravidade da crise”, comentou ao jornal ‘O Estado de São Paulo’.
A Klabin está entre as empresas brasileiras e estrangeiras que, em carta, solicitaram ao vice-presidente Hamilton Mourão providências para o fim do desmatamento. No documento, 38 CEOS se mostram preocupados com as repercussões negativas das políticas ambientais do governo. Fundos de investimento que gerenciam ativos perto de US$ 4 trilhões (mais de R$ 20 trilhões) alertaram o Brasil que a perda da biodiversidade e as emissões de carbono representam “risco sistêmico” a seus portfólios.
Ameaças de investidores internacionais e recordes por 14 meses consecutivos no desmatamento da Amazônia aqueceram o assento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e ao que tudo indica a sua saída passou de “se” para o “quando”, segundo um especialista ouvido pela ‘Sputnik Brasil’.
Integrante do grupo de transição reunido por Bolsonaro logo após a sua eleição, em outubro de 2018, o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro, fundador e primeiro presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disse que a pressão pela saída de Salles é apenas uma resposta esperada ao que vem sendo feito pelo ministério.
“Há uma pressão organizada, mas ela se deve à crescente desorganização que ocorre hoje na pasta do Meio Ambiente. Portanto, não é apenas uma ação organizada, é uma reação em relação à desorganização crescente que está acontecendo na gestão ambiental a nível federal no Brasil”, declarou ele, que também é consultor do Banco Mundial.
Justamente para o Banco Mundial foi enviado Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação e o mais recente nome que, mesmo pressionado por entidades, foi mantido até o último momento por Bolsonaro.
Governo sem interlocução
Para o advogado, o recente encontro de Mourão com investidores internacionais que ameaçam retirar ou rever injeções financeiras no Brasil expõe a perda de interlocução por parte de Salles, tanto junto aos interessados na gestão ambiental, quando na sociedade civil, nos grupos econômicos e nas comunidades locais impactadas.
“Ele perdeu a interlocução e não é mais um agente capaz de resolver conflitos de gestão ambiental a nível federal. Mas o problema é pior: o ministro está perdendo a interlocução com o público interno, com os seus próprios administrados. Não há mais uma ligação e uma comunicação efetiva entre o que faz o gabinete do ministério e o que está acontecendo no restante da administração federal no que tange a tutela do meio ambiente”, afirmou.
“Com isso, o que acontece? Acontece que o governo fica demandado a substituir o seu gestor e não o fez até agora porque, ao que tudo indica, ele [o presidente da República] ainda não tem um nome, […] um quadro que esteja no perfil de atender não só essas necessidades básicas de interlocução na gestão ambiental brasileira”, acrescentou o advogado.