A derrota eleitoral sofrida pelas forças populares no pleito de 2018, longe de se encerrar em si mesma, reveste-se, outrossim, de um caráter de derrota estratégica. A vitória de Jair Bolsonaro, galvanizando um leque de forças profundamente conservadoras, vide o apoio maciço das igrejas evangélicas de corte neopentecostal, das classes médias e baixas de corte conservador indo até as viúvas do regime instaurado com o advento do golpe de 1964 deu forma e conteúdo de continuidade ao golpe da deposição da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, cuja antessala foram as
manifestações iniciadas em junho de 2013.
É sabido que, os grandes conglomerados financeiros-industriais e midiáticos não tinham o capitão da reserva como o candidato de sua preferência, esta recaia sobre a candidatura do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Esta transmutação do apoio empresarial para o ex-militar foi se dando, quando da derrocada ainda no primeiro turno da
candidatura presidencial do tucano paulista. Este sim, a encarnação das propostas econômicas embutidas no conglomerado que levou o grupo de Michel Temer ao governo.
Não tendo como alavancar Alckmin e na iminência de uma quinta derrota eleitoral, essas forças, que já tinham apoiado enfaticamente a interdição pelo Poder Judiciário da favorita candidatura de Lula, somaram seus esforços para buscar tornar palatável a candidatura Bolsonaro. Afinal, esse se tornou sua derradeira tentativa de impedir pela quinta vez a assunção
ao governo federal das forças populares que se aglutinaram em torno de Fernando Haddad, candidato que partindo das bases populares do lulismo, galvanizou a imensa gama de eleitores progressistas no segundo turno.
Há que se destacar que houve, por parte de nós do campo progressista, uma indevida subestimação do potencial eleitoral de Bolsonaro, chegando alguns líderes, principalmente do Partido dos Trabalhadores, acostumados
à velha polarização PT-PSDB a classificar sua candidatura como um mero “fogo de palha”, sem possibilidade de vingar. O acontecido em Juiz de Fora: o deplorável episódio da facada no candidato, produziu tal impacto
na mídia e na opinião pública que ocupando grande parte do noticiário, colocou sua candidatura em patamar mais elevado.
Apesar de graves, as denúncias de uso ilegal de ferramentas de comunicação pagas, via whatsApps, por meio de Caixa 2 por empresários, não são suficientes para justificar a vitória da direita extremada. Apostando na crise do sistema político motivadas, fundamentalmente, pelas denúncias sistemáticas de corrupção na política e da grave crise na segurança pública nos grandes centros urbanos, aliados ao bombardeio diuturno de fake News de caráter moral foi se montando o desenlace que seu deu no segundo turno.
Entusiasta confesso do período do regime civil-militar que comandou o país entre os anos 1964/1985, Bolsonaro é dono de uma retórica rasa e, intelectualmente, débil, porém esbravejada aos quatro ventos, assume um caráter autoritário e fascistizante. Várias declarações recentes tanto dele, quanto dos seus filhos e principais apoiadores mereceram o repúdio
por parte da mídia e de variados setores do campo democrático brasileiro.
Os primeiros sinais disparados na montagem do futuro governo e a forma como o presidente eleito tem se relacionado com a imprensa já começam a demonstrar as dificuldades que este terá ao relacionar-se com pessoas
diferentes do seu “entourage”. A presença de inúmeros militares na composição do futuro governo, demonstra que é no ambiente da caserna que o presidente eleito circula com mais desenvoltura.
Avizinha-se ainda, com na montagem da equipe do economista Paulo Guedes, futuro czar da economia, que haverá um duro ajuste fiscal e monetário, comprimindo ainda mais os já parcos investimentos públicos, eliminando gastos sociais e amplificando a já nefasta desigualdade de renda entre as famílias brasileiras.
Não será possível uma resposta breve do futuro governo à sua base eleitoral, sem soluções de “força”. Não à toa, o futuro ministro da justiça Sérgio Moro vem acenando com mudanças na legislação como forma de inibir a alta criminalidade.
Inibem o bom senso nacional e internacional a forma tresloucada e estabanada com que o “diplomata” Ernesto Araújo tem apresentado sua “caixa de ferramentas” na futura gestão no Itamarati.
Como fazer valer esse conjunto de proposições aos eleitores em um ambiente democrático e com instituições funcionando?
Antes de esperar respostas advindas da institucionalidade, cabe às forças democráticas manter-se vigilantes na preservação dos instrumentos democráticos.
Para isso, é urgente a constituição de uma ampla frente democrática que transcenda os limites dos partidos políticos e abarquem os mais variados segmentos da sociedade brasileira. Claro está, que o caráter dessa frente será a manutenção do estado democrático de direito e a volta do primado da Constituição de 1988. Não podemos permitir o atropelo e a regressão que os setores mais radicalizados do bolsonarismo querem impor.
Programa, cada força política tem o seu. Portanto ao colocar que a emergência da frente é a questão democrática, tudo o mais se secundariza.
A frente terá que ter como componente central as forças da sociedade civil, organizadas ou não em agremiações. Os instrumentos constituídos pelas forças populares devem servir de suporte no trabalho de viabilização da frente ampla, não de instrumentalização da mesma. O protagonismo da frente tem que ser de todas e todos que nela queiram se expressar.
Neste momento de ameaça à democracia brasileira pelo governo de ocupação de Bolsonaro que promete garrotear as forças populares, essas não têm outra alternativa que não seja se agruparem com o mundo da cultura, do trabalho e da política, com viés democrático, para fazer frente ao obscurantismo que se aproxima. Tudo isso sem exclusivismos ou
hegemonismos.
Alberto Cantalice Vice-Presidente do Partido dos Trabalhadores