Após a reformulação ministerial realizada pelo presidente interino Michel Temer (PMDB), a Educação perdeu sua condição de pasta independente ao ser unificada à Cultura, retomando uma configuração que prevaleceu entre 1953 e 1985. O “novo” ministério ficou sob o comando de José Mendonça Bezerra Filho (DEM-PE), que foi governador de Pernambuco (2006-2007) e vice-governador nas duas gestões do peemedebista Jarbas Vasconcelos (1999-2002 e 2002-2006).
Coordenador do comitê Impeachment Já e líder da oposição no Congresso, Mendonça foi um dos citados na lista da Odebrecht apreendida pela Polícia Federal durante a 23ª fase da Operação Lava Jato. Sem afinidade expressa com as áreas, a nomeação mostra-se uma estratégia da partilha política do governo Temer. “A escolha não foi uma escolha técnica. Trata-se da escolha de uma liderança política que teve papel ativo na oposição ao governo Dilma”, aponta Sérgio Haddad, coordenador de unidade na Ação Educativa e membro do Conselho Internacional de Educação de Adultos (Icae).
Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação, no entanto, defende a nomeação. Para ela, há méritos importantes atrelados ao político, que terá compromissos importantes para executar. “Na Câmara, o Mendonça Filho tem o desafio de fazer prosseguir a tramitação do Sistema Nacional de Educação [conjunto de padrões nacionais para que uma base curricular comum e um novo acordo de responsabilidade financeira entre municípios, estados e União seja implementado no País]”, diz.
Maria Helena Guimarães de Castro, por sua vez, assume o cargo de secretária executiva do MEC e Maria Inês Fini foi anunciada como a nova presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pela elaboração do Enem. Ambos os nomes compõem o quadro do PSDB. Para Haddad, ao escolher um quadro técnico do partido tucano para secretária executiva e outros quadros estratégicos do ministério, repete-se a aliança anterior aos governos petistas, o PFL (hoje DEM) e o PSDB. “Entendo que quem vai dar as cartas sobre o projeto político pedagógico será o corpo técnico, já que o ministro ficará na articulação política”.
No governo do Estado de São Paulo, Maria Helena foi secretária de Educação entre 2007 e 2009. Uma de suas bandeiras é a implementação de políticas meritocráticas ou de responsabilização na educação, isto é, pagamento de bonificação para escolas e professores de acordo com o cumprimento de metas de desempenho dos alunos. “É uma maneira de sinalizar aos professores que o trabalho da equipe será mais reconhecido e valorizado de acordo com o cumprimento de metas definidas”, disse em entrevista ao Carta Educação em dezembro de 2014.Responsável pelo programa contendo as propostas educacionais de Aécio Neves quando concorreu às eleições presidenciais em 2014, Maria Helena já ocupou diversos cargos públicos ligados à Educação como a presidência do Inep (1995-2002) e da Secretaria-Executiva do MEC (2002). A socióloga é uma entusiasta das chamadas avaliações em larga escala. Ela foi responsável pela implementação dos sistemas nacionais de avaliação educacional como o Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão, e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Sobre as críticas em relação ao modelo – a principal delas de que o professor não é o único responsável pelo sucesso ou fracasso do aluno, pois fatores externos como nível socioeconômico da família e condições das escolas se mostram também influenciadores – Maria Helena de Castro argumentou: “Todos são responsáveis, os gestores, os dirigentes, os coordenadores pedagógicos, os alunos e seus pais, que devem participar e cobrar resultados da escola. O professor não é um coitadinho, vítima das circunstâncias nas quais atua. Cabe também aos professores cobrar condições adequadas de trabalho, remuneração, carreira”.
Priscila acredita, no entanto, que a secretária executiva terá pautas mais importantes às quais se dedicar. “De fato, não existe hoje evidência de que o bônus funciona. Mas essa discussão é secundária, cabe às redes municipais e estaduais decidir se vão adotá-las ou não. O prioritário no âmbito do MEC é continuar a discussão da Base Nacional Comum Curricular, que já está bastante encaminhada, e rever a política de formação de professores”, aponta.
Antes de assumir o MEC, Mendonça Filho votou a favor da redução da maioridade penal quando era deputado federal e apresentou o Projeto de Lei (PL) 6.275/2013, em tramitação na Câmara, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para colocar em 6 anos a idade máxima para alfabetização dos alunos da rede pública.
A alteração diverge do que está estabelecido em lei pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e pelo Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que apontam o 3° ano do Ensino Fundamental, quando a criança tem pelo menos 8 anos, como a idade máxima. “Implantar o PNE, respeitando o que está nele, deveria ser a prioridade número um do ministro, já que PNE foi construído a partir de uma ampla mobilização nacional de especialistas e pessoas voltadas ao campo da educação como diretrizes para os próximos anos”, critica Haddad.
Priscila também discorda do projeto de lei apontando que a diminuição da meta de idade, provavelmente, reduziria junto a expectativa do que significa estar alfabetizado. “Aí vira aquela coisa de que decorar o ABC é estar alfabetizado. Não é isso. Deve-se buscar a alfabetização plena da criança. Se você garante esse direito, os outros vêm mais facilmente. Por isso, aperfeiçoar o Pnaic deve ser uma das prioridades do MEC”.
A visão de Maria Helena, por sua vez, que deve atuar como a verdadeira ministra da Educação, vai ao encontro das diretrizes divulgadas pelo PMDB no documento A Travessia Social, que promete, por exemplo, “dar consequências aos processos e resultados das avaliações”. Pagamento de bônus para professores a partir da performance dos alunos e participação em programas de certificação também estão prescritos no programa.
Para Haddad, a nova direção do MEC indica que vamos viver tempos de avaliações em larga escala e focalização, como foi durante o governo Fernando Henrique com o Fundef (Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvimento do Ciclo Fundamental e de Valorização do Magistério), que priorizou o repasse dos recursos para o Ensino Fundamental e vigorou até 2006, quando foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). “Tome-se o exemplo da Educação de Jovens e Adultos. Durante o governo FHC, ela foi marginalizada e transformada em uma educação de segunda categoria em detrimento do ensino regular. Essa atitude leva a pensar que novamente haverá focalização, que alguns níveis de ensino serão priorizados”.
O educador tampouco se mostra otimista em relação à promoção da diversidade nas políticas educacionais. “Basta ver a composição do atual ministério, a maneira como a reforma ministerial foi feita, “escondendo” as antigas secretarias da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos. O respeito à diversidade não faz parte do DNA desse governo, pelo menos na sua grande maioria”.
Os especialistas ouvidos por Carta Educação lamentaram ainda a reunificação das pastas da Educação e Cultura. “Há esse discurso raso de que a Educação e a Cultura são manifestações da mesma coisa, que não há descontinuidade entre uma área e outra. Mas na prática isso não é verdade, pois são políticas públicas que se implementam de forma diferente”, diz Priscila.
Mais enfático, Haddad resume: “Vejo que a Cultura será engolida pela Educação”.
Publicado originalmente na Carta Capital