O Rio Grande do Sul enfrenta uma das piores catástrofes climáticas da sua história. Desde 29 de abril, segundo a Defesa Civil do estado, pelo menos 1,7 milhão de pessoas foram atingidas pelas enchentes e inundações. A tragédia climática que assola 80% das cidades do RS já conta com 116 mortos e 134 pessoas desaparecidas.
As chuvas foram previstas por institutos de meteorologia com pelo menos uma semana de antecedência. É preciso dizer que esses desastres não são naturais, mas consequência da falta combate às mudanças climáticas e do negacionismo ambiental.
Boiada precisa de freio
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei (PL 3.334/2023) que modifica o Código Florestal, a área de reserva legal da Amazônia Legal poderá ser reduzida de 80% para até 50% em fazendas no bioma, permitindo o aumento do desmatamento. Esse é um dos exemplos de proposições da bancada inimiga do meio ambiente, em especial a bancada ruralista e parlamentares de extrema direita.
Casas, escolas, empresas, hospitais, municípios inteiros estão debaixo d’água. Pessoas perderam suas vidas, outras estão desaparecidas e longe de seus familiares. A “boiada” precisar ser freada, porque se continuar passando novas tragédias vão acontecer.
Leis ambientais
O Código Ambiental do Rio Grande do Sul, que levou nove anos entre debates, audiências e aperfeiçoamentos, foi atropelado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) em 2019, primeiro ano de seu primeiro mandato. Seu projeto limou ou alterou 480 pontos da lei ambiental do estado.
Há menos de um mês, Eduardo Leite sancionou outra lei que permitiu a construção de barragens para o agronegócio em áreas de proteção permanente.
O PT na Câmara conversou com o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, que defende dar nome aos responsáveis por essas tragédias. Tatto diz que é preciso lutar contra os projetos de desmonte do sistema ambiental brasileiro, em pauta no Congresso. Caso estas propostas, da bancada ruralista, sejam aprovadas, “vamos derramar cada vez mais lágrimas”, afirmou.
Leia abaixo a entrevista completa:
– Qual é a correlação entre as alterações significativas feitas por Eduardo Leite no Código Ambiental do Rio Grande do Sul em 2019 e os eventos catastróficos relacionados ao clima que assolam o estado atualmente?
Nilto Tatto – As emergências climáticas e a intensificação de eventos climáticos extremos que vivemos hoje, resultam do modelo de produção dos bens e serviços que consumimos, da nossa forma de ser e existir que corresponde há décadas de descaso com o meio ambiente e a vida. Não dá para dizer que esta catástrofe foi causada pelo governador Eduardo Leite, mas também não podemos eximi-lo de responsabilidade. Ele mudou quase 500 normas do Código Ambiental do Estado, no sentido de reduzir a proteção ambiental e a capacidade do meio ambiente se manter em equilíbrio, o que obviamente intensifica eventos que já seriam graves. É uma visão atrasada, que considera o meio ambiente uma barreira a ser superada para atingir um suposto desenvolvimento.
Vou citar um exemplo: ele [o governador] estabeleceu um procedimento vergonhoso, chamado “autolicenciamento”, que confere ao próprio empresário a responsabilidade de dizer se aquele empreendimento atende ou não os requisitos ambientais. Este expediente não é novo, diversos atores, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, já tentaram implementá-lo. Tragédias como esta no Rio Grande do Sul não são causadas por uma única ação, mas pela somatória de inúmeras intervenções ao longo dos anos. O que o governo do Estado do Rio Grande do Sul fez de 2019 pra cá, se soma a ações degradantes tomadas também por outros órgãos públicos nas esferas municipais, estaduais e federal e esta tragédia não é o ponto final.
– Quais são as obrigações e responsabilidades que o senhor considera que o governador Eduardo Leite deve assumir diante da devastadora situação que atingiu mais de 420 municípios no Rio Grande do Sul?
Nilto Tatto – Uma primeira responsabilidade é de socorrer as vítimas e minimizar a dor das famílias – bem ou mal, isso ele já vem fazendo, inclusive com grande ajuda do governo federal, de movimentos sociais e até de alguns setores da iniciativa privada. Ele também vai ter um trabalho muito grande para fazer um levantamento minucioso dos estragos e prejuízos, para traçar um plano de reconstrução do estado. Este é o óbvio que qualquer gestor público responsável faria. Mas é preciso ir além e pensar em prevenção, em mitigação dos efeitos das emergências climáticas.
Com a intensificação e o aumento na frequência dos eventos climáticos extremos, não dá para reconstruir uma cidade ou um Estado inteiro todo ano, ou seja, precisamos enfrentar as causas do problema. Fazer isso demanda mais compromisso com o meio ambiente e a vida o que significa fazer concessões. Se tem algo que o governador Eduardo Leite pode aprender com essa tragédia, inclusive por respeito às vítimas – é que o tempo de reconhecer a importância do equilíbrio socioambiental já passou e que, agora, temos que correr atrás do prejuízo.
Isso significa aumentar a fiscalização e o controle ambientais; reconhecer áreas de preservação; fazer a recuperação de biomas degradados; colocar um freio na expansão territorial do agronegócio expansionista; fazer a reforma agrária e diversificar o modelo de produção agropecuária; reduzir o uso de agrotóxicos; proteger e recuperar mananciais entre muitas outras ações conhecidas da ciência e que podem trazer mais estabilidade e previsibilidade para o sistema ambiental.
– Recentemente o governador Eduardo Leite sancionou uma lei que viabiliza a construção de barragens para o agronegócio em áreas de proteção permanente. Como o senhor avalia o impacto dessa medida diante do cenário atual de tragédias ambientais?
Nilto Tatto – O primeiro ponto é que a medida entra em conflito com a legislação federal que trata de APP’s, ou seja, ela provavelmente será judicializada por que é ilegal, uma vez que é menos protetiva do que uma lei nacional. O segundo ponto é que o projeto permite barragens não apenas de interesse público, mas também para projetos de irrigação, tornando áreas de proteção permanente uma extensão de grandes latifúndios privados e, obviamente, acabando com sua proteção.
– Do seu ponto de vista, acredita que a série de eventos trágicos poderia ter sido prevenida se medidas adequadas e precauções tivessem sido tomadas antecipadamente?
Nilto Tatto – Dizer que sim seria pura especulação, no entanto, o que dá para afirmar com certeza é que os impactos das chuvas sobre o Estado do Rio Grande do Sul teriam sido muito menores se o meio ambiente e a vida tivessem sido colocados em primeiro lugar. Se o governador Eduardo Leite, bem como o ex-presidente Jair Bolsonaro, tivessem investido em prevenção e fiscalização; se não tivessem desmontado as políticas ambientais nos níveis estadual e federal; se tivessem investido os recursos para prevenção de enchentes e desastres naturais; se tivessem maior controle sobre as barragens e contido o ímpeto do agronegócio, com certeza muitas vidas teriam sido salvas.
– Considerando a gravidade das situações climáticas enfrentadas no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil, que medidas legislativas e práticas o senhor propõe para evitar futuras tragédias ambientais e garantir a preservação e a sustentabilidade do meio ambiente?
Nilto Tatto – Infelizmente, um dos grandes protagonistas dos eventos climáticos extremos no Brasil tem sido o Congresso Nacional. A Câmara e o Senado têm pautado e aprovado sistematicamente projetos antiambientais que têm consequências inequívocas para a vida no planeta. Estamos falando de projetos que ameaçam a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa, os biomas marinhos a restinga e os mangues. Recentemente foi aprovado um projeto de um deputado gaúcho que acaba com a proteção de áreas não florestais, como os pampas, por exemplo – é claro que isso agravará os impactos de eventos extremos no estado.
– Quais seriam essas medidas para reverter essa situação, deputado?
Nilto Tatto – As medidas para reverter este cenário não são nenhum mistério e vem sendo anunciadas pela ciência há pelo menos 30 anos. Vou citar algumas: a redução da emissão de gases de efeito estufa; a transição ecológica; o combate às queimadas e ao desmatamento; a transformação da Política Nacional de Mudanças Climáticas em lei; o investimento em modelos agroflorestais; a proteção dos corpos d’água e suas margens; a demarcação de terras indígenas e quilombolas; a proibição da caça; o fim do garimpo entre outras. Já existem projetos de lei que versam sobre cada um destes pontos, que infelizmente não caminham no Congresso, ao contrário daqueles que promovem a devastação.
– Quais as responsabilidades que o senhor atribui às bancadas ruralistas e de extrema direita nesses desastres?
Nilto Tatto -A bancada ruralista está na linha de frente de praticamente todos os projetos que ameaçam o meio ambiente e a vida no Brasil. Em geral, são parlamentares de centro, de direita ou da extrema direita que, financiados pelo agronegócio, por mineradoras e por grandes empresas de construção civil defendem interesses corporativos, ao invés dos interesses nacionais.
Do PT na Câmara