Um dos campeões mundiais em concentração de renda, o Brasil convive com um histórico e vergonhoso cenário de desigualdades, refletido nos altos índices de pobreza, miséria e fome, entre outras tragédias sociais. Um relatório produzido pela Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), baseado em indicadores de várias instituições públicas, revela detalhes da dura realidade de grande parte da população, como a dos mais de 7,5 milhões de brasileiros que tentam sobreviver com menos de R$ 150 por mês.
O Relatório “Um retrato das desigualdades no Brasil” foi apresentado no Congresso Nacional, na quarta-feira (30), durante evento de lançamento do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades e de instalação da Frente Parlamentar Mista de Combate às Desigualdades, uma bancada suprapartidária criada para defender as pautas dos movimentos sociais no Legislativo. A iniciativa conta com a coordenação de Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo Lula no Senado, e do deputado Guilherme Boulos (Psol-SP).
Em sintonia com o Pacto, a Frente Parlamentar vai selecionar, para apoio, projetos em análise no Congresso e propor alternativas que contribuam com o combate às desigualdades. Além disso, será feito um monitoramento periódico, através do Observatório Brasileiro de Combate às Desigualdades, ligado à ABCD, de políticas públicas por meio do estabelecimento de metas, indicadores e cobrança de resultados de forma contínua para assegurar que os programas implantados, de fato, promovam a igualdade.
O relatório da ABCD traz uma seleção de 42 indicadores, organizados em oito temas e compilados a partir de dados de fontes públicas e reconhecidas. E traz uma série de dados sobre educação, saúde, renda, riqueza, trabalho, clima e meio ambiente, desigualdades urbanas e acesso a serviços básicos, representação política e no Poder Judiciário, segurança pública, segurança alimentar. O documento também apresenta os desafios para o aprimoramento dos indicadores de desigualdades.
Renda
O relatório mostra, por exemplo, que a distância entre ricos e pobres é “gigantesca”, mesmo levando em conta que os índices oficiais não capturam toda a magnitude da riqueza dos mais abastados.
“Os 0,01% mais ricos do Brasil possuem uma riqueza acumulada, e líquida de dívidas, de R$ 151 milhões em média. Os 10% mais ricos obtinham, em 2022, um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior do que os 40% mais pobres”, diz o relatório. “Ao mesmo tempo, cerca de 7,6 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita mensal menor do que R$ 150. Justamente os que menos ganham, porém, são os que pagam mais impostos, em função da tributação indireta: os 10% mais pobres pagam 26,4% da sua renda em tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 19,2%”.
Serviços Públicos
Outra informação relatada é que a falta de condições mínimas de dignidade afeta os mais pobres desde o seu nascimento. Além disso, parte expressiva da população ainda mora em áreas precárias ou de risco e tem maior chance de morte, por conta da ausência de serviços adequados de saúde.
“Há um expressivo déficit de serviços públicos sentido pelos mais pobres, afetando as condições mais básicas da cidadania em todas as etapas da vida. Em 2022, mais de 3 crianças de menos de 1 ano morreram por hora, ou quase 90 por dia, totalizando 31.856 óbitos no ano”, informa o levantamento.
Educação infantil
Em relação à educação infantil, estima-se, segundo o levantamento, que 69% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos estão sem vagas em creches, afastadas de oportunidades educacionais desde os primeiros anos, com consequências que tendem a perdurar por toda a vida. “A falta de vagas em creches, por sua vez, também afeta a capacidade de suas mães e pais de trabalhar e, assim, melhorar suas condições de vida, contribuindo para perpetuar o ciclo da pobreza”, analisa o documento da ABCD.
Insegurança alimentar
O Relatório da ABCD destaca também a realidade dos 33 milhões de brasileiros que vivem em situação de insegurança alimentar grave, uma das desigualdades que o governo Lula tem combatido com uma série de iniciativas para promover a inclusão social. Uma delas é o Plano Brasil Sem Fome, lançado pelo presidente na quinta-feira (31), com o objetivo de tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU, como ocorreu em 2014. “A questão da fome é uma coisa que mexe muito comigo. Porque a fome não é vista pelos outros. A fome não dói para fora. Ela dói para dentro”, disse Lula, durante o evento, em Teresina (PI).
Déficit Habitacional
A pesquisa mostra também que é de 5,8 milhões de domicílios a estimativa de déficit habitacional, o correspondente a 8,4% do total de residências no Brasil. O principal componente do déficit é o ônus excessivo com aluguel, que correspondia, em 2019, a 51,5% do seu total, somando 3,07 milhões de domicílios. “Essa condição tem apresentado crescimento contínuo entre 2016 e 2019, puxado pelo crescimento do fenômeno na região Sudeste (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2022). Em seguida estão os domicílios em habitação precária, totalizando 1,48 milhão ou 24,9%, número próximo da coabitação com 1,412 milhão ou 23,7% do total do déficit”, atesta o documento.
Saneamento básico
“Quase metade da população – 96 milhões de pessoas – não tinha acesso à rede de esgoto, sendo que a ausência de moradia digna afeta 5,6 milhões de domicílios. Além disso, 4 milhões de pessoas habitam em áreas de risco, sob a possibilidade de perder sua vida e de seus familiares em deslizamentos”, atesta o relatório “Um retrato das Desigualdades no Brasil” .
Negros e mulheres
O levantamento mostra que pessoas negras e mulheres são os grupos menos representados nas instâncias de tomada de decisão e os mais afetados por todas as dimensões de desigualdade.
“Existe um contexto estrutural que exclui mulheres e pessoas negras dos espaços de representação. Se as pessoas negras e as mulheres fossem representadas de forma proporcional à sua presença na população, teriam que ocupar pouco mais da metade das cadeiras no Legislativo e das prefeituras. Na Câmara dos Deputados, porém, negros e negras são só um quarto dos/as deputados/as. No Senado, essa proporção é ainda menor”, diz um trecho. “Já as mulheres são apenas um terço dos representantes e, nas prefeituras, sua representatividade é ainda menor: 24% do que seria a participação esperada em relação à sua participação na população”.
Além disso, a mulher negra convive com mais precariedade habitacional e mais insegurança alimentar, ao passo que a discriminação no mercado de trabalho também é evidente: a mulher negra ganha, em média, apenas 42% do que recebe o homem não negro (branco ou amarelo).
“Já os homens negros, sobretudo os mais jovens, tendem a ser excluídos do sistema educacional e são as principais vítimas da violência. No Brasil, 28,7% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora do Ensino Médio. Entre os homens negros, porém, a taxa sobe para 35,7%. Em diversos Estados, quase metade dos jovens negros (15-17 anos) está fora do ensino médio”, diz o relatório. Além disso, as pessoas negras representam 76,9% das vítimas de mortes violentas intencionais e são 83,1% das vítimas das mortes decorrentes de intervenções policiais.
Desigualdades regionais
Longe do objetivo preconizado pela Constituição, a desigualdade entre regiões e unidades da federação ainda é marcante, aponta o relatório da ABCD.
“As desigualdades regionais também podem ser notadas desde o nascimento. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, é 59% maior na região Norte (15,01 por mil nascidos vivos) do que na região Sul (9,45 por mil nascidos vivos). Também entre os Estados verificam-se diferenças expressivas: Santa Catarina registra 9,23 óbitos para cada mil nascidos vivos, enquanto Acre, Roraima e Amapá apresentaram mais do que o dobro”, indica o levantamento.
Também no que diz respeito à educação, a desigualdade territorial é marcante desde a primeira infância. Enquanto no Sudeste a estimativa é a de que 50,5% das crianças de 0 a 3 anos não têm vagas em creches, na região Norte a proporção sobe para 80,3%. No Estado do Amazonas, chega a 85,1%.
Já em relação ao analfabetismo funcional entre a população de 15 a 64 anos, o contraste se manifesta, sobretudo, quando se compara o homem negro no Nordeste (45,7%) frente à mulher não negra (branca e amarela) no Sudeste (13,9%).
O esgotamento sanitário é outro serviço onde se verificam diferenças expressivas entre as regiões do país, segundo o relatório: “No Nordeste, são 40 milhões de pessoas sem esgotamento sanitário, representando 42% do déficit do país. São apenas 29,4% da população atendida contra 81,4% que contam com o serviço na região sudeste. Na região Norte, apenas 13,2% da população é atendida. O Norte do país tem, ainda, a maior proporção de domicílios em déficit habitacional, 13,4% contra 5,9% na região Sul”.
Esforço contra as desigualdades
A partir da posse do presidente Lula, o governo federal tem lançado uma série de políticas públicas, executadas de forma transversal pelos ministérios, com o objetivo de combater todas as formas de desigualdades, sobretudo o desemprego, a pobreza e a fome. São iniciativas como o Plano Brasil Sem Fome, o reajuste do valor per capta do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o novo Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, o Novo Programa de Aceleração do Crescimento, a retomada de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Plano Safra da Agricultura Familiar.
“O problema não é falta de comida. O problema é que o povo não tem dinheiro para ter acesso à comida. É por isso que a gente só vai acabar com a fome de verdade quando a gente tiver garantido que todo o povo trabalhador tenha um emprego e por esse emprego ter um salário e por esse salário ele possa criar a sua família. É esse país que nós temos que construir”, disse Lula, durante o lançamento do Plano Brasil Sem Fome.
Da Redação