Nesta semana, o mundo gamer que envolve a comunidade de League of Legends (LOL) passa por uma turbulência de exposições de práticas e atitudes machistas do fandom — termo que reúne todo o cenário: jogadores profissionais, amadores, técnicos, fãs do jogo. As denúncias das jovens gamers envolvem diversas esferas desse público, desde proplayers (jogadores profissionais), até treinadores e amadores. Um comentarista foi demitido e o jogador mais hypado (badalado) atualmente pediu desculpas públicas.
Esses não foram os únicos casos — jovens de 14 a 25 anos, em média, relataram todo tipo de violência: abuso, assédio, violência física e sexual — em um perfil do twitter destinado a reunir casos como esse para debater na comunidade.
Para conferir a thread (sequência) de relatos, clique aqui
O LOL possui milhares de fãs no Brasil e pertence à empresa Riot Games, com um calendário competitivo bem estruturado, ídolos consagrados e arenas lotadas. Em 2015, a final do campeonato reuniu cerca de dez mil pessoas no Allianz-Parque em São Paulo. O fenômeno se repetiu em 2019 no Maracanãzinho no Rio de Janeiro e movimenta milhões de reais no cenário. Ainda em crescimento no Brasil, o jogo envolve milhões de pessoas ao redor do mundo com destaque para a Coreia do Sul, China e Europa.
@SheoIGroup
O SheoulGroup é um perfil de twitter que foi criado para denunciar e “expor” as práticas e atitudes machistas que rolam no mundo do LOL. O mundo gamer, no geral, é conhecido por ser um ambiente hostil às mulheres, de modo que muitas não se revelam enquanto jogam para poder continuarem atuando e, aquelas que optam por se revelar, são frequentemente alvos de machismo.
No entanto, essa realidade vem se transformando e a nova geração feminina de gamers tem buscado e encontrado formas de denunciar crimes de assédio e violência sexual — que também acontecem em encontros presenciais da comunidade LOL.
Os principais casos
Os casos de maior visibilidade envolvem o caster (comentarista) e analista, Gabriel “MiT”, e o proplayer Thiago Sartori, o Tinowns. MiT competiu entre 2012 e 2019 como jogador e treinador, sagrou-se campeão brasileiro e disputou o Mundial em 2015 como coach da equipe PAIN Gaming. Já Tinowns, mais jovem, foi considerado o melhor jogador brasileiro de LOL em 2020 e joga na posição Mid Laner (uma espécie de camisa 10) também da PAIN Gaming.
O caso MiT foi denunciado pela tatuadora Daniela Li, uma fã do cenário LOL, que saiu com o treinador e relatou ter sido forçada a fazer sexo oral, em uma rua escura e totalmente acuada dentro do carro. Após acusação de violência sexual, MiT — que era contratado pela Riot Games e se tornaria comentarista dos jogos oficiais da Liga Academy — teve seu contrato interrompido.
A desculpa rentável
Já o caso de Tinowns, trata-se de uma ex-namorada que expôs o relacionamento abusivo e tóxico com o jogador. Ela contou que, além dos abusos psicológicos, o proplayer chegou a chutá-la enquanto ela estava indefesa no chão pedindo para que o relacionamento voltasse.
Com a repercussão do exposed (ato de expor atitudes machistas nas redes), Tinowns fez uma live pública para pedir desculpas e, em sua narrativa que mistura justificativa e mea culpa, soltou:
“Ela é bem alta e fortinha”, Tinowns para reforçar que não conseguiria machucar a vítima “tanto assim”
Outra polêmica envolvendo essa live de “desculpas” foi o mecanismo de inscrição paga da plataforma Twitch. Com uma média de público de 8 mil pessoas, durante a transmissão das desculpas o número saltou para cerca de 50 mil e aumentou o número de “subscription” (mecanismo do Twitch em que as pessoas pagam quem está transmitindo para ter acesso a algum tipo de conteúdo ou apenas para apoiar). Ou seja, enquanto pedia desculpas, o machista exposto ganhava dinheiro.
Diante da repercussão negativa, Tinowns afirmou que vai utilizar desse dinheiro para apoiar alguma instituição. No twitter, o analista da Riot, Alexandre Trevisan, indicou uma instituição de combate à violência contra a mulher.
Casos envolvem jovens de 14 a 25 anos em média.
Apesar desses dois casos ganharem mais destaque na mídia por envolver personalidades conhecidas do cenário LOL, a série de exposed no twitter demonstra que as jovens gamers também enfrentam uma realidade violenta na comunidade.
“É um avanço que as jovens já identifiquem desde cedo o que é abuso e violência e tenham coragem de denunciar — nesse espectro em que a própria comunidade cria suas formas de conter o preconceito. No entanto, é importante que os espaços em que elas denunciam sejam seguros para elas e que elas se sintam respaldadas e protegidas pela legislação”, aponta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Seguem alguns relatos:
“Ao tempo que isso rolou, eu tinha 15 anos (hoje tenho 16). Não lembro como chegou nessa conversa e nem quero lembrar, apenas penso o quão errado isso é e na época não consegui ver.”
“Espero que vocês entendam que todo exposed não é uma forma de “ganhar biscoito”, e sim uma forma de alertar as pessoas sobre situações que são jogadas embaixo dos panos. // Para as meninas que já passaram por isso, com ele ou não, saibam que vocês tem meu total apoio para qualquer coisa. // Elas por elas”
“eu odeio falar sobre mas eu nunca vou esquecer dessa festa na casa da caju / além de todo o acontecido 3 da madrugada fui expulsa da casa do meu ex a base de gritos e empurrões sem falar outras coisas envolvidas antes disso… / se não fosse pela Pam eu dormiria na rua”
“Isso tá doendo demais, ter que lembrar dessas coisas é algo horrível. Receber essas coisas de alguém que admirava é algo triste demais. *Eu tinha apenas 15 anos nessa história*”
“engraçado o cara que ficava me pedindo nude quando eu tinha 14 anos fazer esse pronunciamento // quem é podre uma hora se f*de mesmo… “
“além de que o o […] da paiN Gaming tirou o preservativo durante sem eu saber”
“eu nunca me imaginei falando abertamente sobre meu caso de abuso, é uma coisa que me dá muita vergonha. // aqui vai o exposed de uma pessoa que todos vocês conhecem e que eu sei que abusou outras de outras streamers, eu não mereço guardar essa merda só pra mim, não merecia isso.”
Ana Clara, Agência Todas