Os presidentes das três maiores centrais sindicais do Brasil – Sérgio Nobre (CUT), Miguel Torres (Força Sindical) e Ricardo Patah (UGT) – farão a partir das 19h desta quarta (12) uma live para debater um modelo de reforma tributária que combata a desigualdade. Para eles, a forma mais justa é a adoção de um tributo sobre as maiores fortunas do país.
Esse é o tema da live no canal do Youtube ‘Você Acha Justo?’, que será transmitido também pela página da CUT no Facebook. Além dos presidentes das centrais, participam do encontro virtual a auditora fiscal Maria Regina Paiva Duarte, presidente do Instituto Justiça Fiscal, e o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Um modelo de tributação específico para os super ricos é uma bandeira histórica dos trabalhadores, que, historicamente, os políticos da direita sempre fizeram questão de ignorar. Não à toa, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no art. 153, VII, da Constituição Federal, jamais foi regulamentado. É o único dos sete tributos previstos na Carta Magna que não foi implementado.
Por outro lado, o Brasil é o sexto país que menos cobra tributos sobre renda, lucro e ganho de capital. O país também está muito abaixo da média quando se fala em carga tributária sobre a propriedade. Em síntese, o Brasil tributa muito o consumo e tributa pouco a renda e a riqueza.
Para as centrais sindicais, o governo, sob a liderança do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, tenta a todo custo aprovar uma confusa reforma tributária que começa pela volta da CPMF na forma de um tributo cobrado sobre as vendas ou pagamentos por meio eletrônico. Esse tributo taxará quem paga boleto, fatura de cartão, saca ou deposita na conta bancária, comprou a prazo ou faz um cheque, recaindo de forma injusta sobre os mais pobres e eternizando o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é o 7º país com o maior coeficiente de Gini, que mede o nível de desigualdade. Se considerarmos a concentração de renda entre o 1% mais rico, no Brasil, esta população concentra 28,3% de toda a renda do país, apenas atrás do Catar – um país absolutista com poder hereditário.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que os 10% mais ricos no país pagam um total de tributos de 21% se comparada a sua renda, enquanto que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 32%. Assim temos um sistema tributário regressivo, tributando mais quem ganha menos e tributando menos quem ganha mais.
‘Você Acha Justo?’ é uma campanha da sociedade civil por uma política tributária mais justa e solidária. Tem como ponto central debater porque os ricos, e não os pobres, são os que têm que ser tributados no país.
A campanha, que tem o apoio da CUT e do Fórum das Centrais Sindicais, é uma iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais do Brasil (Anfip), da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e das delegacias sindicais do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) de Belo Horizonte, Brasília, Ceará, Curitiba, Florianópolis, Paraíba, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Salvador.
Em março, essas entidades publicaram um primeiro estudo conjunto projetando mudanças tributárias que taxassem os mais ricos para gerar recursos a serem aplicados no combate à Covid-19.
Durante essa crise, enquanto milhões perderam seus empregos, uma pesquisa da Oxfam Brasil revelou que, em cinco meses da pandemia, os 42 bilionários brasileiros viram suas riquezas crescerem mais de US$ 34 bilhões (R$ 175 bilhões), valor superior a todo o orçamento da saúde pública para 2020. A Fenafisco revela que o Brasil tem 206 bilionários, com fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão.
Reconstruir o país
Em 6 de agosto, as entidades lançaram o documento “Tributar os super ricos para reconstruir o país”. O texto reúne oito propostas emergenciais, com os respectivos textos de projetos de leis, que podem promover um aumento de arrecadação de mais de R$ 290 bilhões, onerando apenas 0,3% da população e desonerando as baixas rendas e as pequenas empresas.
Elaborada por uma dezena de especialistas sob a coordenação técnica do economista Eduardo Fagnani, o documento reúne oito propostas de leis tributárias que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecem estados e municípios, geram acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões e incidem sobre as altas rendas e o grande patrimônio, onerando apenas os 0,3% mais ricos.
“No projeto do governo Bolsonaro, a Reforma Tributária se limita a propostas como a fusão de impostos como PIS e Cofins, a criação de um imposto único de valor adicionado substituindo todos os outros tributos (inclusive desvinculando de financiamentos como o da Seguridade Social). A Reforma de Paulo Guedes, em discussão no Congresso, preserva a estrutura tributária perversa e injusta, que beneficia os banqueiros, grandes empresários e os bilionários”, afirmam os pesquisadores.
Segundo os autores e coordenadores do estudo, as propostas apresentadas pelas entidades têm caráter emergencial e, portanto, não devem ser consideradas como uma alternativa para uma reforma tributária mais ampla. Os debates mais aprofundados sobre um novo modelo de tributação para o Brasil devem ser feitos superada a crise.
As oito propostas apresentadas pelas entidades são:
- 1) correção das distorções no Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF);
- 2) ampliação da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro e extrativo mineral;
- 3) criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR);
- 4) instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF);
- 5) modificação das regras para o Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD);
- 6) redução de alíquota para o SIMPLES NACIONAL;
- 7) nova repartição de receitas com Estados e Municípios; e
- 8) regras para revisão dos benefícios fiscais e combate à sonegação e evasão.
A proposta de IGF apresentada tem potencial de arrecadação da ordem de R$ 40 bilhões, com incidência de alíquotas de 0,5%, 1% e 1,5%, sobre faixas de riqueza de R$ 10 milhões a R$ 40 milhões, R$ 40 milhões a R$ 80 milhões e acima de R$ 80 milhões, respectivamente. Conforme as informações dos contribuintes do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), somente 59 mil pessoas (0,028% da população) é que declaram patrimônio superior a R$ 10 milhões.
Em relação ao IRPF, a principal medida é a revogação da isenção dos Lucros e Dividendos distribuídos, adotada em 1995, e que faz com que as alíquotas sobre as altas rendas sejam muito menores do que as alíquotas sobre rendas mais baixas e intermediárias. Além disso, propõe-se a criação de uma nova tabela de alíquotas, elevando o limite de isenção para baixas rendas e as alíquotas superiores para até 45%. O resultado esperado é de um aumento potencial de arrecadação de quase R$ 160 bilhões, mas também uma desoneração para a maioria dos contribuintes, com rendas mais baixas.
Assim como as mudanças no IRPF promoverão a desoneração das rendas mais baixas, também as micro e pequenas empresas serão desoneradas pelas propostas apresentadas, com a isenção do IRPJ e da CSLL incidente sobre as receitas brutas de até R$ 360 mil anuais. Com isso as alíquotas iniciais para todas as empresas do SIMPLES serão reduzidas em até 60%, dependendo do tipo de atividade.
O setor bancário também está sendo chamado a contribuir com uma elevação da alíquota da CSLL. Da mesma forma, o setor extrativo mineral, predominantemente exportador, que tem acumulado ganhos por conta do aumento da taxa de câmbio, também terá aumento em sua alíquota da CSLL. Essas medidas podem ampliar a arrecadação em mais de R$ 40 bilhões. “Somos um dos campeões mundiais de desigualdade e concentração de renda. Precisamos utilizar também esse imposto”, defende Charles Alcântara, presidente da Fenafisco.