Em pronunciamento em cadeia aberta de rádio e TV, nesta quarta-feira (24) o presidente Jair Bolsonaro (PSL), mais uma vez, tentou iludir a população com uma falsa mensagem. Ao agradecer a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019, da reforma da Previdência, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Bolsonaro falou que a reforma é importante “para o Brasil retomar o crescimento, gerar empregos e, principalmente, reduzir a desigualdade social”.
Nenhuma das afirmações é verdadeira, segundo especialistas. Primeiro porque crescimento econômico e geração de empregos dependem de investimentos. Quanto ao combate às desigualdades e a redução de privilégios, o resultado da aprovação da PEC significará o contrário do que Bolsonaro diz para os mais pobres, idosos e trabalhadores.
O fato concreto é que “a PEC ignora todas as desigualdades e, com isso, se for aprovada no plenário, vai aprofundar as injustiças”, afirma a técnica da subseção do Dieese da CUT, Adriana Marcolino.
Segundo ela, o governo Bolsonaro também esqueceu na equação sobre o montante a ser economizado as dimensões continentais e as imensas diferenças sociais entre estados e municípios do país. A expectativa de vida entre os trabalhadores das Regiões Norte e Nordeste em comparação as do Sul e Sudeste, onde normalmente se vive mais tempo, é um desses esquecimentos, de acordo com a técnica.
“Um trabalhador de uma região mais pobre do país vive menos e vai morrer logo depois de aposentar, se essa reforma for aprovada”, diz Adriana.
Mas o que importa é economizar R$ 1 trilhão em 10 anos, como promete o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, mesmo que isso seja às custas da queda brutal da renda dos trabalhadores, trabalhadoras e idosos, em especial os mais pobres.
A descrição de onde vem esta ‘economia’ está na PEC e prova que a reforma não vai combater as desigualdades, ao contrário, vai aumentá-la. O texto prevê que 84% da economia que a reforma proporcionará virão da redução do corte no total de trabalhadores com direito ao Abono Salarial; alterações nas regras que dificultarão a concessão de aposentadorias e no pagamento do Benefício da Prestação Continuada (BPC) a idosos em condição de miserabilidade.
Se todas as mudanças forem aprovadas, os afetados serão 90% dos quase 35 milhões de trabalhadores urbanos e rurais aposentados pelo Regime Geral da Previdência Social, que ganham até dois salários mínimos, e os beneficiários do BPC.
O Portal CUT listou cinco itens, entre outras maldades, contidos na PEC 006, que mostram como a reforma não combate privilégios. Ao contrário, tira renda dos mais pobres e desampara os indefesos.
A obrigatoriedade da idade mínima
A reforma da Previdência de Bolsonaro prevê o fim da aposentadoria por tempo de contribuição – que hoje é de 30 anos para mulheres e 35 para homens -, e institui a obrigatoriedade de idade mínima para aposentadoria de 65 anos (homens) e 62 anos mulheres).
Com isso, jovens que começam no mercado de trabalho mais cedo, aos 16 anos, por exemplo, (que é a idade mínima permitida por lei para se começar a trabalhar), só vão se aposentar depois de trabalhar 49 anos. Muito além do tempo de contribuição de 40 anos estabelecidos como regra para recebimento da aposentadoria integral.
Idade mínima prejudica ainda mais as mulheres
Para a professora de economia do Trabalho da Unicamp, Marilane Teixeira, impor uma idade mínima de 62 anos para as mulheres é uma perversidade porque, além da dupla jornada, as mulheres têm sofrido com os cortes nos orçamentos familiares.
“Normalmente ela acorda três horas antes, leva o filho até uma cuidadora ou a avó da criança, e são elas que levam o filho dessa trabalhadora até a creche. Depois essa mulher tem de pegar o filho na casa onde deixou, porque a creche já fechou. Neste trajeto entre casa, cuidadora, trabalho e volta ela perde 12 horas do seu dia. Chega em casa e tem os afazeres domésticos”, diz a professora.
Além disso, prossegue Marilane, ainda tem os deslocamentos em transporte público, o ambiente precário no trabalho, os baixos salários, os períodos de contribuição interrompidos. Tudo isso, conclui a professora, são condições que dificultam ainda mais uma mulher precisar completar 62 anos para se aposentar.
“Não se justifica aumentar a idade mínima para a mulher, enquanto as condições do mercado de trabalho continuarem desiguais”, diz .
Aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos
Pelas regras atuais, tanto o trabalhador quanto a trabalhadora se aposentam após 15 anos de contribuição e o valor do benefício é calculado com base nas 85% maiores contribuições.
Bolsonaro quer mudar para 20 anos de contribuição e pagar aposentadoria com valor de apenas 60% da média de todas as contribuições. Ou seja, vai contar o salário do início de carreira quando a maioria das pessoas ganha pouco ou recebe salário de estagiário para reduzir ainda mais o valor do benefício.
Pelas regras atuais, um trabalhador que contribuiu 20 anos recebe um benefício calculado com base em 90% das suas maiores contribuições.
Com a reforma, ele vai receber apenas 60% do total. No mínimo, ele já saiu perdendo 30% da sua aposentadoria.
Segundo Marilane Teixeira, os homens que se aposentam por idade conseguem contribuir, em média, 21 anos, e as mulheres por 18 anos, e mais da metade dos trabalhadores e trabalhadores se aposentam contribuindo entre 15 e 16 anos.
“Será muito difícil um trabalhador conseguir contribuir por 20 anos”, diz a economista.
Já a técnica do Dieese, Adriana Marcolino lembra que quem se aposenta contribuindo por apenas 15 anos são aquelas pessoas que estão nas piores condições do mercado do trabalho, com grandes intervalos entre carteira assinada e informalidade.
“Hoje as mulheres que se aposentam por idade trabalham em média até os 61 anos, para conseguir juntar os 15 anos de tempo mínimo de contribuição. Já a média masculina é de 65 anos e meio. Neste cenário, se a reforma for aprovada, as mulheres vão conseguir se aposentar somente aos 65 e os homens aos 67”, afirma a técnica do Dieese.
Sistema de capitalização
A capitalização da Previdência que Bolsonaro quer adotar no Brasil funciona como uma poupança individual formada apenas pela contribuição do próprio trabalhador, sem a contrapartida do empregador e do governo como é hoje.
Além disso, o trabalhador pagará os custos com as taxas de administração dos bancos, que só visam o próprio lucro. Em países onde o sistema foi implantado, está sendo revisto porque os aposentados estão na miséria, recebendo até 40% menos do que receberiam se a aposentadoria fosse pública.
Mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC)
Hoje o BPC paga um salário mínimo (R$ 998,00) a 4,5 milhões de brasileiros pobres. Dois milhões são idosos, que começaram a receber a partir de 65 anos, e outros 2,5 são pessoas com deficiência que comprovam renda familiar de cerca de ¼ do salário mínimo (R$ 249,50).
O governo Bolsonaro quer que o valor seja de apenas R$ 400,00 para idosos a partir de 60 anos e somente a partir dos 70 anos, o idoso receberia o salário mínimo integral.
Com a medida, segundo cálculos do Dieese, a partir da taxa de juros da poupança, a perda em valor corresponderia a 26,2%, mesmo com a antecipação do BPC a partir dos 60 anos, com valor de R$ 400,00.
Em um período de 10 anos, o valor do benefício segundo o modelo atual seria de R$ 42.175, enquanto, pelo modelo proposto, o valor presente seria de R$ 30.191 – uma diferença de R$ 11.984, que equivale à perda de 28,4% no valor presente do BPC dos beneficiários idosos, levando-se em conta a utilização da taxa de retorno da poupança, de uma projeção de reajuste do valor do benefício a cada dois anos, para uma inflação de 4,0% ao ano.
Mudanças nas regras da Previdência rural
A Previdência rural hoje prevê idade de aposentadoria de 60 anos para homens e 55 para as mulheres. 98% dos benefícios previdenciários concedidos equivalem a um salário mínimo ou menos.
A nova previdência destrói esta proteção porque muda as exigências de comprovação de 15 anos de trabalho para “contribuição” de 20 anos inteiros para o INSS. Além disso, homens e mulheres vão se aposentar com a mesma idade: 60 anos.
De acordo com a técnica do Dieese, Adriana Marcolino, no campo 78% dos homens e 70% das mulheres começaram a trabalhar com menos de 14 anos, em 2014. “Não estou falando do século passado. Essas pessoas vão ter de trabalhar no mínimo 46 anos para se aposentar, se a reforma da Previdência for aprovada”.
Outro estudo mostra que muitos trabalhadores rurais não conseguem sequer comprovar 15 anos de trabalho completos, expressos pela contribuição sobre a comercialização da agricultura familiar. Quase nenhum conseguirá contribuir por 240 meses (20 anos), dada a natureza de seu trabalho ser incerta, intermitente e muitas vezes informal.
“O trabalhador rural tem de contribuir no mínimo com R$ 600 reais ao ano, ou R$ 50 ao mês, Eles não vão conseguir pagar porque muitas famílias sobrevivem com o Bolsa Família, pois o plantio dá só para sua subsistência. O governo vai aumentar a miséria no campo”, afirma a professora Marilane Teixeira.
A tese é corroborada pela técnica do Dieese, Adriana Marcolino. Ela conta que nos estabelecimentos no campo a renda média anual em 2006 era de R$ 255,00. Reajustado pelo INPC, esse valor sobe para R$ 509,00, este ano.
“É tudo que eles arrecadaram no ano inteiro. Não é renda mensal. Como eles vão conseguir pagar 600 reais, se não conseguem nem isso para a sua subsistência?, questiona, Adriana, que complementa: “ Isto significa que esses 50% já estarão fora da aposentadoria”.