O choque de realidade que o governo Lula vem aplicando nos últimos seis meses no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – com sucessivos indicadores positivos na economia – começa, lentamente, a despertá-lo de seu sono profundo. A redução de 0,50% na taxa Selic, anunciada nesta quarta-feira (2) pelo Comitê de Política Monetária (Copom), mostra que o devaneio ortodoxo de Neto, traduzido em uma teimosia aguda, deixou de prevalecer nas discussões técnicas na instituição. Com isso, as engrenagens para uma retomada da atividade começam a funcionar, ainda que tardiamente.
“Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,50 ponto percentual, para 13,25% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024 e, em grau menor, o de 2025”, informa o comunicado que se seguiu ao anúncio do BC.
“Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”, cita o comitê, cuja votação revelou um racha quanto à intensidade do corte na Selic: cinco integrantes do Copom (surpreendentemente, incluindo Campos Neto), votaram pela redução de 0,50%, enquanto outros quatro escolheram um recuo mais tímido, de 0,25%.
No documento, o Copom chama a atenção ainda para uma incerteza em relação ao ambiente externo e para a desaceleração da economia nos próximos trimestres no cenário doméstico. E também destaca as expectativas para a inflação futura para justificar a postura de cautela com a política monetária. “O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções”, diz o comunicado, referindo-se às trajetórias de alta e de queda da inflação.
“O Comitê reforça a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, sinaliza o colegiado.
Repercussão
Com o atraso no início do ciclo de queda, a nova taxa foi, de um lado, festejada por integrantes do governo e lideranças do PT. De outro, a decisão não evitou críticas. “O corte de meio ponto na taxa Selic não muda o fato de que o BC segue impondo ao Brasil a maior taxa de juros do planeta”, escreveu a presidenta Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, logo após o anúncio. Já era pra ter reduzido a Selic, substancialmente, há muito tempo”, criticou.
“Estamos pagando um preço muito alto pela atuação política do bolsonarista Campos Neto no BC. Manteve os juros na estratosfera apesar de todas as evidências de que envenenam a economia. O BC de Bolsonaro, Guedes e Campos Neto, derrotado por Lula nas urnas, está sabotando o desenvolvimento do país. Têm de ser responsabilizados”, cobrou.
“O corte de 0,50% na taxa básica de juros sinaliza que estamos na direção certa. Um avanço no sentido do crescimento econômico sustentável para todos“, reagiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Momento histórico de virada para a economia brasileira, finalmente o Comitê de Política Monetária (COPOM) baixou em 0,5% a taxa Selic”, escreveu o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR), no Twitter. “Esse foi o primeiro corte em 3 anos. Finalmente o país ganha espaço para crescer, com maior possibilidades de crédito e geração de emprego”, festejou.
“O Banco Central finalmente entendeu que o Brasil não merece uma taxa de juros tão alta e reduziu a Selic em 0,5”, pontuou o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES). “É pouco, mas já é um aceno aos brasileiros. Juros altos só castigam os mais pobres. E essa não pode ser a finalidade de um órgão responsável pela política econômica”, argumentou o senador.
“A redução de 0,5 pontos dos juros foi tímida, mas é o reconhecimento, ainda que tardio, do Banco Central de que o governo está no caminho certo”, avalia o deputado federal e secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto. “Trabalhadores e empresários esperam que o BC baixe ainda mais essa taxa e de mais oxigênio à nossa economia”, cobrou.
Pressão por queda maior dos juros
Ao invés de pacificar o assunto, o início da queda dos juros pelo Banco Central agora eleva ainda mais a pressão sobre Campos Neto por um ritmo mais acentuado de redução nas próximas reuniões do comitê.
Os motivos são óbvios. Com uma inflação no acumulado de 12 meses em torno de 3,16%, o Brasil convive hoje com a maior taxa de juros real do mundo, de cerca de 10%, o que vem penalizando toda a cadeia produtiva, da indústria ao varejo, passando pelo consumo e o setor de infraestrutura. Daí a unanimidade, entre inúmeros agentes públicos e privados, de que o Banco Central ao, equivocadamente, demorar demais para agir, prejudicou o crescimento do país.
Atraso injustificável
“Qualquer que seja o número, o esperado início do corte dos juros pelo Copom virá com um atraso injustificável”, havia sentenciado Gleisi, horas antes do anúncio do Copom, nesta quarta-feira. “O BC do bolsonarista Campos Neto causou um prejuízo terrível ao Brasil por impor há mais de um ano a maior taxa de juros do planeta. Fazem a política econômica que foi derrotada nas urnas”.
O presidente Lula foi na mesma toada. Durante entrevista com correspondentes estrangeiros, pela manhã, o petista criticou a inércia do BC quanto à política monetária. “Esperamos que hoje o Copom tome a decisão que já deveria ter tomado a três reuniões atrás de reduzir a taxa de juros, porque não tem explicação”, condenou Lula.
Durante o programa Bom Dia, Ministro, também nesta quarta, o titular da Fazenda, Fernando Haddad, apontou que até o mercado financeiro divergia do BC ao fazer a leitura da atividade econômica no país. “Hoje, o mercado está tendendo mais para 0,5 ponto do que para qualquer outro número”, declarou o ministro. “Lembrando que tem gente do mercado, gente que tá lá operando fundos bilionários, apostando inclusive num corte de 0,75 ponto”, destacou Haddad.
Na mesma entrevista, Haddad pontuou que é preciso dar valor ao esforço técnico da equipe econômica para arrumar a bagunça deixada por Bolsonaro e Paulo Guedes. “Deveríamos valorizar o que foi feito na prática, de botar ordem em muita coisa. E os benefícios disso são para todos, não para é o governo, a sociedade é que vai ser beneficiada”.
Da Redação