Ameaça real à América Latina em função do descontrole da pandemia do coronavírus, o Brasil tornou-se um pária internacional. No início do mês passado, o país já havia prejudicado o Mercosul, quando o parlamento holandês rejeitou acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia. Entre as justificativas na moção aprovada pelos parlamentares, o temor de que o acordo poderá ampliar o desmatamento na Amazônia e no cerrado, especialmente por causa descaso do governo de Jair Bolsonaro com o meio ambiente. O próximo passo foi a exclusão do Brasil, ao lado dos EUA, da lista de países que tiveram entrada liberada nos países que compõem o bloco europeu.
Os dois fatos não são isolados, mas refletem a atual e inédita condição de anão geopolítico em que o país se encontra no cenário internacional, apenas um ano e meio depois da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República. O patético alinhamento incondicional do Brasil aos EUA, imposto pela “diplomacia” do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, foi apenas o pontapé inicial do vexame global a que o país foi submetido. A pandemia terminou de enterrar a já combalida imagem brasileira no mundo.
Desde março, para cada declaração estapafúrdia de Bolsonaro sobre a pandemia, associada ao anúncio de mortos e novos infectados, a imprensa internacional passou a publicar artigos e editoriais tentando explicar a seus leitores os motivos que levaram o país a cair em um abismo tão profundo. Logo, publicações renomadas como ‘The New York Times’, ‘The Guardian’, ‘BBC’, ‘The Economist’, ‘Washington Post’, ‘Le Monde’, ‘El País’, entre muitos outros, subiram o tom crítico ao líder de extrema-direta, comparando Bolsonaro a históricos ditadores e déspotas.
“A situação do Brasil é extremamente humilhante e triste” declarou à ‘BBC Brasil’ o diplomata Rubens Ricupero, que já foi embaixador do Brasil em Washington e ministro da Fazenda e do meio Ambiente do governo Itamar. “Eu não invejo a posição de alguém como um correspondente internacional que tem que tentar explicar o Brasil ao exterior”, observou o diplomata.
Diante o ineditismo da situação, Bolsonaro, em resposta e com o apoio de Araújo, cometeu o disparate de chamar bíblias do liberalismo econômico como o ‘Financial Times’ e a própria ‘Economist’ de imprensa “comunista”. A justificativa de Bolsonaro deixou especialistas espantados. “A situação é de tal maneira grotesca que um alemão, um inglês, um francês não vai ter condição de compreender na sua dimensão real a tragédia que é aqui”, explicou Rubens Ricupero.
Ricupero assinou com 8 ex-ministros do Meio Ambiente uma carta denunciando o que consideram uma “ação anticientífica do governo federal”, cuja atuação fracassada tornou “o desafio da covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil”.
“Veja você, não se trata apenas da questão ambiental”, destacou Ricupero. “Antes da pandemia, todo mundo sabia que o Brasil tinha um presidente que fazia apologia da tortura, apologia da ditadura militar, que é apoiado por grupos de milícias violentas, que usam a mídia social para destruir os outros, é um indivíduo misógino, inimigo entranhado dos indígenas, que diz que não assinaria a concessão de um metro a mais de reserva indígena, inimigo dos quilombolas”, lembrou o diplomata.
Risco de maior isolamento
Sobre o fechamento das fronteiras europeias ao Brasil, o temor é de que a decisão do bloco europeu possa se estender a outras nações. “De algum modo o Brasil corre sim algum risco de ficar excluído nos próximos meses de várias possibilidades de viagens em diferentes países. Não nos surpreendamos se outros países importantes como o Japão, países asiáticos, ou mesmo países africanos, seguirem os critérios europeus”, afirmou Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais à ‘Sputnik Brasil’.
Para Trevisan, o negacionismo de Bolsonaro em relação à pandemia pode consolidar o processo de isolamento do tabuleiro geopolítico país internacional. O professor considera que, para evitar a tendência, o Brasil deveria começar a ouvir as autoridades internacionais de saúde e adotar medidas baseadas em critérios científicos.
“É neste quadro que o Brasil pode se tornar um pária, um pária desobediente de regras científicas. Essa desobediência tem custo, como nós podemos ver no número de mortos tanto nos Estados Unidos, como aqui no Brasil. Não é apenas uma questão de desenvolvimento do país ou de riqueza, é uma questão de bom senso”, argumentou Trevisan.
Da Redação, com informações de ‘BBC’ e ‘Sputnik Brasil’