Nove dias após tomar posse na presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) entrega ao presidente Jair Bolsonaro o primeiro item de sua lista de projetos prioritários. O plenário da Casa aprovou nesta quarta (10), por 339 votos a favor, 114 contrários e uma abstenção, o PLP 19/2019, que dispõe sobre a autonomia do Banco Central.
Em discussão desde 1991, a autonomia do Banco Central surgiu na pauta prioritária da Câmara assim que Lira assumiu o comando. Ele costurou um acordo com os líderes para que o texto entrasse em pauta nesta semana e para que não ocorresse alterações. Dessa forma, a matéria segue direto para sanção presidencial e não retorna ao Senado, que aprovou o texto-base em setembro passado. Na terça (9), foi aprovado o regime de urgência para a votação, com voto contrário do PT.
Na ocasião, o líder da Minoria na Casa, José Guimarães (PT-CE), criticou a pressa para a votação do projeto. “Essa ligeireza com que o governo quer votar esse projeto deveria ser a mesma com a qual o governo deveria agir no enfrentamento à Covid-19. A prioridade deveria ser para o auxílio emergencial, deveria ser para o Orçamento da União, que nem sequer tem orçamento para 2021”, criticou.
Em questão de ordem, o líder da bancada petista, Enio Verri (PR), pediu a nulidade na tramitação do projeto pela existência de vício incontornável de iniciativa da proposição, tendo como consequência a inconstitucionalidade da matéria. A prerrogativa da matéria, afirmou o líder, é de competência exclusiva do presidente da República, por se tratar da organização administrativa do Poder Executivo.
Durante a sessão desta quarta, a oposição voltou a criticar a proposta. O líder Enio Verri afirmou que a autonomia não vai resolver os problemas do País. “Como é que fica se o Banco Central começa a tomar uma política que diverge da política do governo? Como é que resolve esse choque?”, questionou.
Relator do projeto, o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) derrubou todas as emendas de plenário ao texto, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). O Partido dos Trabalhadores apresentou um destaque mantendo o compromisso de fomentar o pleno emprego entre as atribuições do BC, mas ele foi rejeitado pela maioria do plenário.
A autonomia do Banco Central é uma das prioridades da agenda do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, e do próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto. Os dois participaram das articulações para acelerar a votação do projeto, ao lado do ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.
Caso Campos Neto seja reconduzido no comando do BC depois da aprovação da proposta, ele ficará no cargo até o fim de 2024, no meio do mandato do próximo presidente da República. Poderá ser nomeado mais uma vez por quem estiver no Palácio do Planalto na época.
Em novembro de 2020, Campos Neto demonstrou contrariedade ao trecho sobre o fomento ao emprego. “O Banco Central tem a visão do que o mais importante e o que precisa ser preservado é a meta de inflação. Nós entendemos que no mundo emergente se dá muita força no emprego, onde nem tem ferramentas para atuar nisso. Acaba gerando um equilíbrio ótimo-ruim, porque no final você nem vai ter emprego e nem vai ter inflação controlada e, muito provavelmente, a falta de controle da inflação vai gerar desemprego”, disse em live do Instituto ProPague.
O texto dispõe sobre a autonomia do BC e sobre a nomeação e exoneração do presidente e diretores; define nova forma de mandato para o presidente e diretores, alterando a competência da Presidência da República em relação ao BC, que, inclusive, tem status ministerial.
Também modifica a estrutura da administração pública federal e revoga, por decorrência, dispositivos legais pertinentes às atribuições do Banco Central na estrutura da administração, sua pertinência tributiva às decisões presidenciais e ministeriais, às quais têm subordinação hierárquica e funcional. “E todas foram normas legais convertidas de projetos de lei de iniciativa presidencial”, destacou Enio Verri.
Em entrevista à ‘Rádio Brasil Atual’, o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, disse que, se a lei entrar em vigor, “o lobo cuidará do galinheiro”. “Com essa autonomia, o preço dos produtos, a inflação e a taxa de juros estarão vinculados ao interesse do mercado financeiro”, explicou.
À RBA, o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), disse que o Congresso aprovou a autonomia sob pretexto de “blindar” a instituição de “ingerências políticas”. “Estamos dando autonomia em relação ao governo, mas não estamos dando autonomia em relação ao mercado”, lamentou.