Após um período de declínio na taxa de mortalidade infantil, entre 2010 e 2015, o indicador voltou a crescer em 2016, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A mortalidade materna também apresentou aumento nesse mesmo período. A crise econômica, o ajuste fiscal e o corte em investimentos na saúde e em programas sociais são apontados pela Abrasco como possíveis fatores para o retrocesso.
A partir de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a instituição constatou que os coeficientes de mortalidade infantil (CMI), no primeiro ano de vida, apresentaram aumento nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do país.
Entre 2015 e 2016, o CMI aumentou em 2,4%, com elevação da taxa de 12,4 para 12,7 óbitos por 1000 nascidos vivos, apesar de ter havido uma redução de mortes infantis nesse mesmo período. O aumento da taxa, de acordo com a Associação, se justifica pela retração do número de nascidos vivos no período analisado: 3.017.668 em 2015 e 2.857.800 em 2016.
Entre os óbitos com causas definidas, o número de mortes infantis por diarreia, que vinha caindo progressivamente entre 2010 e 2015, aumentou em 2016 em todas as regiões, com exceção apenas da Sul.
Já o percentual de óbitos infantis sem definição da causa básica variou de 2,2% para 2,6% no Brasil, sendo no período pós-neonatal (óbitos de 28 a 364 dias de vida), a variação foi de 5,9% para 7,0%. Apenas na região Norte não se verificou aumento deste indicador entre os anos 2015 e 2016;
A Associação ressalta que ainda é “prematuro afirmar que esse aumento da mortalidade infantil será mantido nos próximos anos”, mas destaca que a reversão da tendência de queda foi puxada pelos óbitos no período pós-neonatal, que ocorrem “em consequência da exposição a fatores externos associados à piora das condições de vida e do acesso a serviços de saúde.”
“A piora no acesso à assistência médica, consequências prováveis dos cortes no SUS e em programas sociais”, é citada pela pesquisadora Celia Landmann Szwarcwald, da Fundação Oswaldo Cruz, como um dos possíveis fatores para a elevação da taxa de mortalidade infantil.
“Embora não tenhamos dados de mortalidade posteriores ao ano de 2016 para afirmar que existe uma reversão na tendência da taxa de mortalidade infantil, os aumentos pontuais em causas específicas são sinais claros da crise socioeconômica, e dos cortes de recursos nos programas sociais e no SUS”, alerta.
Desde que Michel Temer assumiu o governo, em 2016, os programas sociais vêm sofrendo diversos ataques. Um bom exemplo é o Bolsa Família, responsável por tirar o país do mapa da fome, que foi um dos mais atingidos pelos cortes do presidente ilegítimo. Quase um milhão de famílias que recebiam em torno de R$170,00 perderam o auxílio.
Outro ponto destacado pela Abrasco refere-se à redução da cobertura vacinal. O Brasil já chegou a alcançar a meta do Ministério da Saúde de imunizar 95% das crianças do país, durante o governo Dilma Rousseff. Na gestão de Temer, no entanto, a vacinação infantil apresentou os piores índices em pelo menos 16 anos.
Em 2017, todas as vacinas indicadas a menores de um ano tiveram índices abaixo da meta. Fora a BCG, com 91,4%, as demais agora apresentam alcances que variam entre 70% e 83,6%. Os dados são do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
“O Brasil está assistindo a estes aumentos [da mortalidade] e à queda nas coberturas de imunização e o risco do surgimento de epidemias de doenças já controladas no passado”, pontua a Associação.
Mortalidade Materna
A taxa de mortalidade materna no Brasil, que estava em torno de 62 por 100.000 nascidos vivos em 2015 também apresentou piora. Os dados mais recentes mostram que em 2017 o coeficiente subiu para 64 por 100.000 nascidos vivos, aumento esse que foi maior no Norte e Nordeste, de acordo com o Ministério da Saúde.
A mortalidade materna, segundo a Abrasco, “está sofrendo os mesmos efeitos dos fatores associados ao aumento da mortalidade infantil, como a crise econômica, o ajuste fiscal e os cortes de investimentos em saúde”.
Para a coordenadora da pesquisa nacional “Nascer no Brasil”, Maria do Carmo Leal, “oportunidades estão sendo perdidas para identificar mulheres de risco durante o pré-natal e dar a elas um tratamento especial, como recomendado.” Além da atenção à saúde da mulher em todo o período gestacional, ela salienta a necessidade de criminalização do aborto, que aparece como uma das principais causas de morte materna no país.
“Para baixar a mortalidade materna é necessário que os serviços de saúde atendam com atenção e qualidade durante a gestação, parto e puerpério e a população, de um modo geral, dê o devido valor à mulher e respeitem sua autonomia reprodutiva, eliminando o aborto inseguro”, completa.
A mortalidade materna, assim como outros indicadores, atinge as mulheres de forma desigual no Brasil, com recorte de raça e classe social, segundo a médica Sandra Valongueiro, especialista em Saúde Materna da Universidade Federal de Pernambuco. Ela destaca que no estado onde atua, 77% dos óbitos maternos em 2016 foram entre mulheres negras.
“A morte materna evitável atinge de forma desigual as mulheres vulneráveis, expostas ao modelo de atenção médico-centrado, permeado por racismo institucional, e que está engatinhando em assumir as evidências científicas como estratégia de acolhimento e cuidado”, finaliza.
Por Geisa Marques, da Comunicação Elas por Elas, com informações da Abrasco