Em mais um histórico dia destes tempos de tragédia nacional, o Brasil atingiu nesta quinta-feira (16) a marca de 2 milhões de pessoas infectadas pelo coronavírus, com 2.012.151 casos, segundo balanço do Ministério da Saúde. A criminosa omissão do governo federal no enfrentamento da pandemia também resultou na morte de 76.688 brasileiros, mais de 61 mil desde que a pasta da Saúde foi militarizada pelo presidente Jair Bolsonaro, em maio. O retumbante fracasso do Brasil na guerra contra a Covid-19 só é comparável ao dos EUA, que já ultrapassou o inglório patamar de 3,6 milhões de contaminados e 140 mil mortos. Somadas, as nações transformaram-se em duas usinas de contágio, com 5,6 milhões de pessoas doentes.
Como o presidente negacionista Donald Trump, que desde janeiro desdenhou do perigo representado pela pandemia – mesmo após alertas de alguns dos maiores epidemiologistas do mundo que podem lhe custar a reeleição -, Jair Bolsonaro se recusou atacar a pandemia na raiz do problema. Autoridades de saúde como a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendaram a aplicação de testes em massa e a imposição de severas quarentenas à população como armas no combate ao coronavírus.
Seja por pura ignorância, ou por algum tipo de perversidade inerente à sua personalidade, Bolsonaro tomou o caminho oposto ao da ciência, estimulando o fim do isolamento social com andanças pelas ruas da capital federal e a participação em aglomerações, alegadamente em nome da salvação da economia.
E, assim como Trump, seus desvarios tiveram início cedo. No dia 22 de março, 10 dias após o anúncio do primeiro falecimento por causa da doença, Bolsonaro chegou a prever que o coronavírus não faria nem 800 vítimas fatais, o equivalente às mortes por H1N1 em 2019. Na ocasião, o Brasil registrava 25 mortes e 1.604 casos confirmados de infecçõses por Covid-19.
“O número de pessoas que morreram de H1N1 no ano passado foi na ordem de 800”, comparou Bolsonaro. “A previsão é não chegar a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus. Tem certos números que temos que levar em conta. Essas crises, esses vírus, acontecem no mundo todo, o tempo todo. Então, calma, tranquilidade, não levar pânico à população”, disse Bolsonaro à ‘Record’.
Falso dilema
Conforme a crise foi ganhando tons mais sombrios e alarmantes, Bolsonaro subiu o tom e, a exemplo do ídolo Trump, abriu fogo contra gestores e prefeitos que defenderam medidas de isolamento social para frear a escalada do coronavírus. O presidente passou a incentivar correligionários para que pressionassem governadores a reabrir o comércio. Encurralados pela inexistência de uma estratégia federal – oficialmente, o Ministério da Saúde está sem comando há dois meses -, estados e municípios viram-se obrigados a tomar as rédeas das ações de enfrentamento.
De abril e maio em diante, estabeleceu-se um cenário de guerra, com direito a um massacre da população: verbas previstas no orçamento para ações emergenciais nos municípios foram atrasadas ou ficaram retidas. Equipamentos e medicamentos também não chegaram até hospitais da rede pública no prazo estipulado. Além disso, milhões de trabalhadores informais não tiveram acesso ao auxílio de R$ 600 garantido pela oposição no Congresso.
“Não exterminar empregos, senhores governadores, sejam responsáveis. Espero que não queiram culpar, lá na frente, pelos milhões e milhões de desempregados, a minha pessoa”, bradou o presidente, na mesma entrevista, equilibrando-se fragilmente no falso dilema entre salvar vidas ou empregos: como se sabe, pessoas mortas não podem girar a roda da economia.
Salvar vidas
“Todos os países enfrentam a necessidade de conter a propagação do vírus à custa de paralisar sua sociedade e sua economia”, afirmaram, dias depois, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, em artigo conjunto publicado no jornal britânico ‘The Daily Telegraph’. “Salvar vidas ou salvar meios de subsistência? Controlar o vírus é, em qualquer caso, um pré-requisito para salvar meios de subsistência”, destacaram os diretores.
Filiando-se à casta de negacionistas populistas como Donald Trump e Boris Johnson – que mais tarde, vítima de uma infecção quase fatal, reviu suas posições -, Bolsonaro manteve, solenemente, as investidas contra argumentos de economistas, cientistas e autoridades de saúde, mesmo após a confirmação de que ele próprio fora infectado. A mensagem difusa do presidente, participando ativamente de manifestações antidemocráticas em pleno surto, se máscara, confundiu a população brasileira, que no final das contas, nunca aderiu inteiramente ou por tempo suficiente à quarentena.
Pária internacional
Não há precedentes para a catástrofe que se seguiu. Conforme atestam indicadores econômicos, o desrespeito às regras de distanciamento social e a retomada das atividades, advogados pelo presidente, de nada adiantaram: o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou queda de 14,2% em um ano, deixando a economia em frangalhos, o desemprego atinge patamares inéditos – 7,8 milhões de empregos evaporaram em três meses e o Brasil caminha para voltar ao Mapa da Fome da ONU, com centenas de milhares de famílias empurradas de volta à miséria.
Como se não bastasse, a condução do país na crise, aliada ao servilismo quase infantil de Bolsonaro ao governo americano, transformou o país em pária internacional. “O Brasil, que já foi respeitado e reverenciado nos governos do PT, hoje é noticiado internacionalmente como um dos piores países no enfrentamento à pandemia da covid-19”, observou a deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffman. “É muita incompetência e descaso com o povo. Com Bolsonaro, o Brasil pede socorro”, criticou Gleisi.
De fato, desde março, quando a pandemia aterrissou no país, o Brasil é tema de extensas reportagens veiculadas diariamente nos mais prestigiados jornais, revistas, portais e telejornais do mundo. Nenhuma delas com tom elogioso para o governo ou um viés positivo para a imagem do país.
“Especialistas culpam a negação do potencial mortal do vírus pelo presidente Jair Bolsonaro e a falta de coordenação nacional, combinada a respostas dispersas dos governos municipais e estaduais, com reaberturas antes do recomendado pelos especialistas em saúde”, aponta despacho da ‘Associated Press’, publicado nesta quinta-feira (16), e replicado em veículos como o ‘New York Times’.
Líder em mortes diárias
A negligência do governo Bolsonaro levou o país a obter uma indesejável liderança mundial em mortes diárias, com uma média de mais de mil vítimas fatais a cada 24 horas. Segundo dados coletados pelo consórcio de veículos de imprensa, esta semana foi a mais letal desde o início da pandemia, com uma média de 1.056 óbitos, um dado que chama a atenção da mídia global.
“Desde o final de maio, três meses após o primeiro caso relatado de coronavírus, o Brasil registrou mais de mil mortes diárias, em média, em um platô horrível que ainda precisa se inclinar para baixo”, aponta a agência de notícias.
”Mesmo quando os casos diminuem um pouco nas maiores e mais atingidas cidades brasileiras, o vírus está chegando a novos locais no maior país da América Latina”, observa a reportagem, lembrando que um ministro interino da Saúde sem experiência na área, o general Eduardo Pazuello, é quem está liderando a resposta federal à pandemia.
A Associated Press aponta ainda para as projeções do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde da Universidade de Washington. Segundo a entidade americana, o número de mortos no Brasil poderá chegar a quase 200 mil em novembro, levando-se em conta ampla margem de erro.
Da Redação, com agências