Um ato nesta quarta-feira (20), a partir das 11h, lança formalmente a Comissão Arns, com o objetivo de fazer “muito barulho”, segundo a professora da Universidade de São Paulo (USP) e socióloga Maria Victoria Benevides, que integra o colegiado de defesa de direitos humanos, com 20 fundadores, incluindo ex-ministros dos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. A ideia é “jogar holofote” e denunciar graves violações, mas sem caráter de oposição ao atual governo.
“Nós acatamos o resultado da eleição, a escolha do povo, mas queremos ser uma comissão que vai jogar luz, vai se mobilizar”, diz Maria Victoria. “A Comissão não vai se posicionar contra o governo, mas no sentido de denunciar. Independentemente da posição individual de seus membros, a Comissão não vai dizer ‘ele não’, por exemplo.”
Embora não tenha caráter de oposição e seja suprapartidário, o colegiado já manifesta preocupação com certo estímulo a violações de direitos humanos vindo justamente do Estado, do Executivo federal e mesmo estadual, como no Rio de Janeiro, onde “o governador incentiva claramente o uso maciço de força armada”, como diz a professora. “Os tempos estão hostis aos direitos humanos depois dessa última campanha (eleitoral) tenebrosa, baseada na manipulação, na deformação, na mentira. Ninguém pode dizer que foi enganado pelo governo que foi eleito.”
Ela lembra da manifestação do então deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) na sessão de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em louvor “a um dos piores torturadores da ditadura civil-militar”, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. E cita outras declarações, como a de que a ditadura “errou” ao torturar em vez de matar e que deveria ter assassinado “uns 30 mil”, entre eles o próprio Fernando Henrique, além de “termos jocosos e altamente ofensivos” em relação ao estupro.
A socióloga faz referência a diversos casos que atingem as chamadas populações marginalizadas, como quilombolas, indígenas, LGBT, mulheres, negros, os jovens em especial. Destaca os recentes casos da morte de um rapaz em um supermercado no Rio e a matança coletiva ocorrida durante uma operação policial no Morro do Fallet, na zona norte carioca. “E questões de perseguição política, ameaças a jornalistas, professoras”, acrescenta, destacando ainda os casos de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, “exemplos eloquentes de violações de direitos humanos”.
Muitos casos são recorrentes na história brasileira, como reconhece a própria Comissão Arns, para os quais o Estado não deu a devida atenção. Mas manifesto a ser lido amanhã destaca avanços com a Constituição de 1988 e a importância de evitar “retrocessos”. O ato de lançamento será realizado na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, centro de São Paulo, a partir das 11h.
Dom Paulo
Vinte ativistas compõem os fundadores do colegiado, cujo nome homenageia o cardeal-arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, que morreu em 2016. O presidente do grupo será o ex-ministro Paulo Sérgio Pinheiro, tendo Margarida Genevois como presidenta de honra. Também participam outros ex-ministros, como Paulo Vannuchi e José Gregori, o ex-secretário estadual Belisário dos Santos Jr. e os juristas Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Fábio Konder Comparato e Oscar Vilhena Vieira.
No início do mês, integrantes do grupo se reuniram com o Conselho Nacional de Direitos Humanos e com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “A defesa de direitos humanos passa pelo reconhecimento da diversidade e da pluralidade e, desde o ano passado, temos observado o crescimento da intolerância, o que nos impele a agir”, afirmou no encontro o ex-ministro Vannuchi.
O Ministério Público está entre as entidades com as quais a Comissão Arns pretende dialogar constantemente, incluindo ainda a Defensoria Pública e secretarias estaduais de direitos humanos, além de Pastorais, a organização Conectas e a Comissão Justiça e Paz. No ato desta quarta-feira, também estarão presentes integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
Maria Victoria observa que, apesar da presença de vários advogados no grupo, a Comissão não irá advogar: “Vai trabalhar em rede. Nós falamos em um ecossistema de direitos humanos. Pode vir a ter um papel de identificação dessas graves violações, no sentido de encaminhar para aquelas entidades mais próximas de encontrar soluções”.
“Justamente porque os tempos são difíceis o trabalho se justifica”, diz a sociológica, manifestando a intenção de “fazer bastante barulho” para denunciar o maior número de casos.