O Brasil bateu mais um recorde de mortes por infecção do coronavírus. Nas últimas 24 horas, foram registrados mais 600 óbitos. Enquanto disparam o número de novos casos, as subnotificações podem indicar que o país será o próximo epicentro da doença no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo de novos casos em 24 horas, com 4.588 novos registros. Diante da gravidade do cenário, o Comitê Científico do Consórcio Nordeste publicou um boletim no qual recomenda lockdown aos estados e municípios que já atingiram 80% da capacidade de leitos nos hospitais, entre outras medidas.
Especialistas apontam que o bloqueio total nas regiões mais afetadas pode ser o único caminho para deter o avanço da pandemia diante da falta de um plano de ação do governo federal. “Temos aumento de casos, aumento de mortes e redução de isolamento. Não vejo outra solução a não ser tomar uma medida muito mais forte, muito mais extrema”, afirmou o epidemiologista da USP, Paulo Lotufo à BBC, nesta quarta-feira (6). A agência de notícias elencou os erros e negligências que levaram à necessidade urgente da adoção de lockdown no país. O mais grave recai sobre o presidente Jair Bolsonaro, cujo comportamento irresponsável face à doença confunde a população.
“É um desserviço imenso, e influencia muito a população”, disse Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia. “De um lado, vemos na televisão notícias sobre a pandemia, sobre o coronavírus. De outro, vemos o presidente dando beijinhos, abraços, andando sem máscara e atraindo multidões”, criticou. “A postura do presidente tem dificultado o trabalho de todos que tentam mostrar, a área da saúde e da imprensa, qual é o caminho que deu certo nos outros locais e o que é importante para controlar a transmissão”, ressaltou.
“Alguns estados decretaram paralisação total das atividades e outros cogitam decretar nos próximos dias. Mas Bolsonaro parece preferir fazer disputa política com Moro ao invés de cuidar da saúde do povo brasileiro”, critica a deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR), pelas redes sociais. “Os dois não respeitam a situação delicada pela qual o país passa”.
Pelo último balanço, o Brasil tem 121 mil infectados e mais de 8 mil óbitos. Depois das medidas adotadas pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), mais governadores avaliam adotar lockdown para mitigar os efeitos da disseminação da pandemia. O governador do Pará, Helder Barbalho, anunciou que dez municípios também realizarão bloqueios a partir de quinta-feira (7). No Ceará, as restrições de circulação passam a valer em Fortaleza a partir de sexta-feira (8).
Falta de coordenação
Pesquisadores apontam que o descompasso entre governo federal e estados afeta diretamente o combate ao coronavírus no país. Na avaliação dos estudiosos, a ausência de um plano por parte do Ministério da Saúde e a insistência de Bolsonaro em confrontar governadores e prefeitos com pronunciamentos pelo fim do isolamento social foram fundamentais para o agravamento da crise.
Segundo a professora da Fundação Getúlio Vargas, Ana Maria Malik, a falta de coordenação entre estados e municípios causa insegurança na população. “Não há clara governança nacional, na qual as pessoas consigam acreditar”, disse Malik. “Os discursos não estão afinados”, observou.
Para pesquisadores da USP, a importância de ações coordenadas é absolutamente imprescindível no enfrentamento do Covid-19. “Quanto mais coeso for o anúncio de medidas de distanciamento, maior será a resposta positiva da população”, aponta a mais recente nota técnica publicada pela Rede Solidária de Pesquisa, assinada por cientistas da universidade e outras instituições.
Flexibilização pode agravar pandemia
Os pesquisadores da USP também alertam para os riscos de um relaxamento prematuro do distanciamento social no país, já detectado em várias cidades, inclusive nos estados que mantém a quarentena. “A flexibilização sem critérios pode agravar a pandemia”, adverte a nota técnica da instituição.
Os cientistas compararam medidas adotadas no Brasil com as de outros quatro países: Itália, Espanha, Argentina e Estados Unidos. Os resultados indicam que a adoção de medidas mais rígidas, com fiscalização, multas e a até prisão, mostraram maior eficácia na adesão à quarentena.
“Espanha e Itália adotaram medidas sequenciais, de notificações e multas, e, em alguns casos, à prisão dos transgressores”, aponta a nota. “No mesmo sentido, a Argentina criou um disque-denúncia para casos de descumprimento da ordem de permanecer em casa, fechou fronteiras estaduais, multou e notificou violações, com punições que variaram até a prisão”.
No Brasil, não houve fiscalização efetiva, o que levou a população a relaxar mais rapidamente. “A experiência de outros países confirma que mesmo com uma diminuição do número de casos, os países ou regiões que flexibilizaram as medidas de distanciamento social de maneira precoce vivenciaram uma retomada da epidemia ou uma segunda onda de contaminação”, conclui o estudo.
Da Redação, com a BBC