O governo federal enfrenta um dilema crucial em tempos de crise sanitária e paralisação da atividade econômica: o que fazer? Em abril, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ao lado de outros economistas de linhas diferentes, como Henrique Meirelles e Pedro Paulo Zaluth Bastos, aventaram a hipótese de o governo imprimir mais dinheiro para minimizar os efeitos do Covid-19 sobre a economia.
Faz sentido. O país enfrenta a queda da atividade econômica provocada pelo isolamento social – que precisa ser respeitado e estimulado para evitar a perda de vidas –, mas corre o risco de enfrentar uma depressão, porque o consumo das famílias caiu. Em março, o PIB recuou 5,3% em março, a maior queda em 20 anos, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. A queda do consumo das famílias brasileiras foi de 6,5%.
“Sou a favor de imprimir moeda nova para que as pessoas tenham dinheiro pra ficar em casa. Não tem risco de inflação porque não tem demanda. A vida do ser humano não tem preço”, apontou Lula. “O Brasil pode rodar dinheiro, aumentar a massa monetária do país para que as pessoas tenham como sobreviver”, reforçou. A tese é encampada por Dilma. “Melhor expandir a base monetária do que usar as reservas internacionais”, defende.
O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles fez a mesma proposta: “O Banco Central tem grande espaço de expandir a base monetária, ou seja, imprimir dinheiro, na linguagem mais popular, e com isso recompor a economia”, sugeriu o economista, que foi presidente do BC no governo Lula.
Afinal, qual é o impacto da medida? O economista Pedro Paulo Zaluth Bastos diz que emitir moeda é a melhor opção, porque parte significativa não vai virar dívida pública, mas ser retida como papel moeda pelo público. “A parte que se tornar reserva bancária pode ser absorvida com custo fiscal muito menor (ou nulo) do que com lançamento de títulos da dívida pública”, afirma.
“O mantra ‘o dinheiro acabou’ é que as regras limitantes para o gasto público e a política monetária defendidas pelo neoliberalismo estão ruindo para qualquer observador atento do debate internacional entre os economistas”, sugere Zaluth Bastos, no artigo “Por que é melhor um governo emitir do que endividar-se em uma crise?”. “A justificativa era que, ao invés de gastar, o governo deveria apenas se preocupar em garantir estabilidade de preços e credibilidade da trajetória da dívida pública porque o mercado faria o resto, assegurando crescimento estável”.
“A função das velhas regras neoliberais é evidente: proteger credores e portadores de riqueza financeira contra o suposto populismo do gasto social para os ‘preguiçosos’ e contra o ‘racionalismo’ dos que planejam investimentos para desenvolver a estrutura produtiva do país. E assegurar que o governo possa gastar apenas se obtiver recursos através de impostos ou dívida”, argumenta.
“Os credores, sobretudo aqueles da parcela mais rica entre os brasileiros, preferem que o governo gaste se endividando com eles com a taxa de juros mais alta possível, proibindo a emissão”, aponta. “Ao mesmo tempo, vetam politicamente impostos progressivos. Quando a dívida pública aumenta, a pressão política dos credores se exerce sempre para que o governo corte gastos para mitigar seu próprio medo de calote”.
Resumindo: os ricos rejeitam os impostos progressivos sob a argumentação que isso prejudica a economia como um todo, e preferem emprestar ao governo com juros elevados a pagar impostos. “De fato, ao liberarmos o financiamento monetário do gasto público novo, quebramos um tabu que permite voos até mais altos. Daí, podemos pensar em complementar o financiamento monetário do déficit público com o verdadeiro ‘dinheiro de helicóptero’, para usar a metáfora que Milton Friedman usou ao cogitar sobre a transferência direta de dinheiro emitido pelo banco central para os cidadãos, sem compromisso de devolução”.
Zaluth Bastos questiona: “Se a birra é com o orçamento público inflado em meio à maior depressão da história brasileira, qual a oposição quanto a emitir dinheiro diretamente (sem passar pelo orçamento do Tesouro) para os cidadãos, sobretudo para aqueles que precisam sobreviver e respeitar o isolamento social ao mesmo tempo?”.