O Banco Central comandado pelo bolsonarista Roberto Campos Neto ultrapassou todos os limites do bom senso e vem abusando da autoridade do Comitê de Política Monetária (Copom). Além de sabotar o crescimento do país, a consequência da política de Campos Neto é uma perda direta de confiabilidade na instituição. O diagnóstico é do economista e professor de economia da Unifesp, André Roncaglia. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira (30), Roncaglia foi incisivo ao analisar a ata do Copom, divulgada nesta semana: “Essa postura intransigentemente restritiva está comprometendo a credibilidade do BC”, alertou.
“Após a última reunião do Copom, as curvas de juros já antecipavam quedas da Selic. Nem o mercado acredita mais no “argumento técnico” do BC”, escreveu o professor, ao se referir ao documento divulgado pelo banco. Na ata, Neto tenta justificar o injustificável: com o país registrando uma inflação que não é de demanda, na casa dos 5,6%, o comitê insiste em manter a Selic em 13,75%. Pior: na ata, ainda ameaçou subir mais os juros, caso não seja prontamente atendido por uma regra fiscal “crível”, em recado claro à equipe econômica do governo Lula.
“O documento traz contradições, falácias e ameaças veladas ao governo, mostrando que o BC age politicamente”, afirma Roncaglia, sobre a ata do banco.
No artigo, ele adverte também que a política monetária de Campos Neto tem afetado negativamente a atividade das empresas, sobretudo os pequenos negócios. “Se as grandes empresas não geram caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras, imagine as micro, pequenas e médias empresas que não têm acesso a crédito barato”, observou o economista.
Recessão e desemprego
“Manter o arrocho monetário até o fim de 2024 certamente produzirá uma recessão”, definiu Roncaglia. “A grande falácia da ata é atribuir a inflação a um excesso de demanda agregada. O fato de o setor de serviços ter preços elevados não implica aquecimento excessivo”, justificou.
Outro efeito da política restritiva do BC, segundo o professor, é o desemprego e a informalidade, sintomas da paralisia da atividade econômica que vem assolando o país nos últimos anos. “Um em cada cinco trabalhadores não consegue ou já desistiu de encontrar emprego. Onde está o excesso de demanda?”, questionou.
A chantagem e as ameaças de Campos Neto
O economista aborda aspectos da chantagem do Banco Central ao governo e o tom belicoso do documento emitido pelo Copom. “Ao reconhecer o esforço fiscal da Fazenda, o Copom ressalva que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal”, detalhou.
“Em tom de ameaça, o conselho avisa que tal resultado é “condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos”. Traduzindo: a Selic cai se o Copom aceitar a proposta”, explicou Roncaglia.
“Ao se pronunciar sobre (e atuar contra) propostas do governo, o Copom atua como um partido político clandestino”, criticou o economista. A autonomia operacional tem limites. O Copom precisa respeitá-los”, concluiu.
Da Redação