A volúpia de Jair Bolsonaro na apropriação de instituições do Estado chega ao paroxismo no caso da “Wal do Açaí”, um dos tantos escândalos sobre “rachadinha” que envolvem seu nome e dos filhos parlamentares. Dessa vez, Bolsonaro mandou a Advocacia-Geral da União (AGU) assumir a defesa da funcionária fantasma de seu gabinete na Câmara junto à Justiça Federal, num gesto contestado por entidades da advocacia.
“Cabe lembrar que a AGU é instituição permanente, prevista na Constituição. Seu papel abarca a defesa dos Três Poderes e o exercício de advocacia de Estado”, afirma a Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni) em nota. “Com base nos fatos narrados na imprensa, há dificuldade em identificar o interesse público na concessão da defesa à ex-servidora que é acusada de nunca ter exercido, de fato, as atribuições do cargo que ocupou por 15 anos”.
Na quinta-feira (12), a AGU se apresentou como representante da defesa de Walderice Santos da Conceição, conhecida como “Wal do Açaí”. De 2003 a 2018, ela esteve registrada como servidora comissionada no gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, mas não comparecia ao trabalho. Ao pedir o arquivamento do processo, em que Bolsonaro também é acusado, a AGU garantiu estar autorizada a representá-la porque os atos imputados a Wal teriam sido cometidos no exercício de cargo público.
Bolsonaro também é processado porque, segundo o Ministério Público Federal (MPF), ele tinha conhecimento de que Walderice não prestava os serviços correspondentes à função. Mesmo assim, atestou falsamente a frequência dela em seu gabinete para comprovar a jornada de trabalho exigida pela Câmara para pagar os salários.
A Anauni, que reúne advogados da AGU, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores federais, manifestou “profundo desconforto” e informou que irá oficiar a Procuradoria-Geral da União para pedir esclarecimentos. A entidade lembrou que as condutas de Wal do Açaí se deram quando Bolsonaro era deputado federal e que, por essa razão, não caberia à AGU entrar o caso.
“Esse sentimento se deve ao fato da atuação da AGU, em representação e defesa de agentes públicos, possuir requisitos claros e inequívocos sobre as hipóteses de seu cabimento, pois, vale frisar, se trata de uma atuação excepcional legitimada pela presença do interesse público, e não ordinária em defesa dos interesses da União”, conclui a nota.
Caso é apenas mais um
O caso de “Wal do Açaí” é apenas um entre mais de uma dezena que pipocam nas páginas dos portais de notícias desde antes das eleições de 2018. No primeiro ano de governo do atual presidente, o Brasil teve sua pior colocação no ranking mundial da corrupção: 106º lugar (veja abaixo os principais esquema de corrupção de Bolsonaro, ministros e sua família).
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Instalado no poder, Bolsonaro explora e abusa da autoridade conferida a um presidente da República o quanto pode, demonstrando não apenas total despreparo para o cargo quando o desprezo absoluto pelo Estado Democrático de Direito e as instituições criadas pela Constituição democrática, que lhe causa “embrulho no estômago”.
Bolsonaro, familiares e integrantes de seu desgoverno, além de acumular uma série de casos de suspeita de corrupção, multiplicam ações destinadas a barrar investigações e esvaziar instituições de fiscalização e controle. E há muito já faz por merecer uma “demissão por justa causa” de seu patrão: a população brasileira.
Instituições estão sendo erodidas, aponta jurista
“Como a AGU vai justificar a defesa da Wal do Açaí, que, aparentemente, sequer exercia a função pública? […] Isso é uma prova de como essas instituições vinculadas ao Poder Executivo estão sendo erodidas e como existe forte apropriação do público pelo privado no governo”, apontou Wallace Corbo, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em programa do portal UOL nesta sexta-feira (13).
“Apropriação de lógicas até mesmo milicianas de tudo que existe no poder público para funcionar em favor dos interesses do presidente, sua família”, acrescentou o jurista, contestando a argumentação da AGU. O mesmo faz Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP).
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“Fui procurador do Estado por muitos anos. A defesa de alguém que não é funcionário público me parece uma utilização indevida dos recursos públicos e da administração pública. Há um desvio, muito claro”, avalia Vilhena. “Além disso ela tem um interesse em comum com o presidente da República, o que viola o princípio da impessoalidade do Direito Administrativo.”
“Dentre as atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União está a defesa pessoal de autoridades e gestores públicos, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995”, afirma nota da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe). “Essa representação não se dá no interesse privado do agente, exigindo a identificação concreta do interesse público envolvido na decisão ou ato praticado por ele realizado, pressuposto indispensável à outorga de cobertura jurídica pela AGU.”
“A Anafe defende uma AGU forte e comprometida com os ideais republicanos que, a exemplo das demais Funções Essenciais à Justiça, é guiada pelo interesse público, visando à concretização máxima do valor constitucional ‘Justiça’, ao lado dos demais atores institucionais que compõem o sistema”, finaliza o documento.
Da Redação