No sábado, o Brasil atingiu a trágica marca de 50 mil mortos pela Covid-19. A responsabilidade de Jair Bolsonaro e seu governo sobre a tragédia nacional é destaque nas páginas dos principais jornais do mundo. A omissão, a covardia e a sabotagem ficaram explícitas nas manifestações públicas do presidente da República. No entanto, os crimes praticados pelo Palácio do Planalto vão além do que os brasileiros já conhecem.
Em maio, por meio da Medida Provisória 969, pressionado pela sociedade e pela oposição, o governo definiu um orçamento emergencial de R$ 38,9 bilhões para combater a pandemia no país. Por determinação legal, a maior parte dos recursos, um total de R$ 26,9 bilhões, estava prevista para transferência a estados e municípios. Apesar da urgência e da necessidade, o governo só empenhou até agora R$ 13,2 bilhões e, mais grave, pagou apenas R$ 11,4 bilhões, cerca de 28% do total dos recursos previstos.
O governo não atuou para conter a pandemia e ainda dificultou a ação dos governos e estados para atender a população. A ação criminosa é denunciada pelo PT. Até 19 de junho, logo após superar a marca de 1 milhão de contaminados pelo Covid-19, o Tesouro mantinha nos cofres do governo federal R$ 27,4 bilhões retidos. O dinheiro não foi mandado a estados e municípios e sequer serviu para a compra de equipamentos e insumos médicos.
Bolsonaro não apenas faz jogo político com os recursos, denunciando governadores e prefeitos por manterem políticas de isolamento social para conter a pandemia, como se omite do controle da pandemia. Os números e cifras desmentem a campanha oficial, repetida pelo presidente da República, de que o governo “não deixa ninguém para trás”.
Não apenas deixou os brasileiros para trás como conta uma pilha de cadáveres, no mais grave caso de omissão criminosa e descaso com a saúde do país desde a Proclamação da República. Não há precedente na história de um governo que tenha sido tão compassivo e omisso diante de um caso de saúde pública.
Uma das razões do pedido de impeachment de Bolsonaro apresentado pelo PT e outros seis partidos de oposição – PCdoB, PCO, PSTU, PCB, PSOL e UD –, além de 400 organizações da sociedade civil e de juristas, intelectuais e personalidades da vida pública nacional, é o seu papel omisso e conivente – o que configura crime de responsabilidade – no combate à pandemia.
A MP 969 para o enfrentamento do Covid-19 também dotou o orçamento extraordinário de recursos destinados à instituições privadas sem fins lucrativos, transferências ao exterior, aplicações diretas e, ainda, aplicações diretas decorrentes de operações entre órgãos, fundos e entidades integrantes do orçamento do Fundo da Saúde.
Atraso nos repasses
No caso dos recursos para estados e municípios, a necrofilia política adotada pelo Palácio do Planalto se torna ainda mais grave. De um total de R$ 26,9 bilhões, foram empenhados para estados e municípios apenas R$ 9,8 bilhões e pagos R$ 9,6 bilhões. Enquanto o governo retém R$ 17,3 bilhões em caixa, Bolsonaro tenta afastar do governo federal a responsabilidade pelo agravamento da crise sanitária, atacando governadores e prefeitos com ofensas públicas e promovendo a perseguição política.
Ao tempo em que promove o represamento de verbas federais para as políticas públicas para superar a crise sanitária, o governo negocia recursos com o chamado Centrão – o grupo de parlamentares conservadores que praticam o fisiologismo como moeda de troca com os governos de ocasião. No domingo, 21, a ‘Folha de S.Paulo’ denunciou a ofensiva do Centrão que travou o acordo feito entre o General Eduardo Pazuello, ministro-interino da Saúde, com municípios e estados sobre a distribuição dos R$ 10 bilhões da MP.
Pazuello havia definido com secretários estaduais e municipais de Saúde que a distribuição dos recursos seria definida por critérios técnicos, como população e capacidade assistencial instalada. “O Centrão quer distribuição política. O tema foi tirado da pauta da Comissão Tripartite, na qual estão Pazuello e secretários, pouco antes de reunião na quinta”, informa a colunista Camila Mattoso, que assina o Painel, da ‘Folha’.
O crime de responsabilidade de Bolsonaro se torna ainda mais escandaloso quando comparamos a execução orçamentária com a evolução da pandemia e seu avanço para o interior do país. Enquanto o número de infectados e de mortos aumentava, mesmo com disponibilidade orçamentária, os recursos do Ministério da Saúde transferidos para estados e municípios caiu quase R$ 2 bilhões entre abril e maio. De um total de R$ 4,2 bi pagos em abril, o valor liberado pelo governo federal cai para R$ 2,0 bi em junho.
Sem recursos, faltam insumos
A falta de insumos básicos para o tratamento da Covid-19 é uma das consequências da retenção dos recursos pelo governo federal. Neste final de semana, os jornais informaram que os hospitais pelo Brasil enfrentam a falta de anestésicos e produtos de equipamentos para os profissionais da saúde. Mesmo com leitos e respiradores, sem o anestésico para a intubação muitos pacientes acabam morrendo antes de receber o tratamento.
Na distribuição dos recursos previstos pela MP, o Ministério da Saúde conta com R$ 11,4 bi, creditados na rubrica “aplicações diretas”. Esses recursos deveriam ser destinados para ações diretas do ministério, como aquisição de respiradores, máscaras e outros itens essenciais. No entanto, 75% dos recursos seguem retidos sem aplicação. Nem encomendas foram feitas até agora.
A situação denuncia novamente a omissão do governo federal, que abdicou de sua responsabilidade de exercer o papel de Estado e suprir as necessidades de insumos e equipamentos para todo o país. Além da falta de recursos, a dificuldade de acesso por parte dos prefeitos e governadores aos insumos é agravada pela inexistência de produção local. Ainda, o agravamento da pandemia nos principais países produtores, como a Índia, reduziu a oferta internacional e aumentou o preço internacional.
Não dotar o país com os instrumentos e equipamentos necessários para combater a Covid-19, também tem repercussão junto aos profissionais de saúde. O Brasil é o país com maior número de mortes trabalhadores e profissionais de saúde por Covid-19 no mundo. Até o dia 17 de junho, morreram 139 profissionais médicas e médicos e 190 enfermeiras e enfermeiros. A denúncia é do Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP) e do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).
Vidas por votos
Além de sacrificar vidas, a retenção dos recursos para combater a pandemia tem objetivos políticos confessos. “Pazuello adia decisão sobre entregar R$ 10 bi a gestores do SUS ou Centrão”, noticiou o Estadão na quinta-feira, 18. A matéria informa que “o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, decidiu adiar a discussão sobre a destinação dos recurso. Pazuello retirou o tema da pauta de reunião de gestão do SUS realizada naquele mesmo dia.
A razão do “impasse” é a pressão do Palácio do Planalto que cobra que parlamentares de partidos do Centrão sejam privilegiados na distribuição dos recursos. De acordo com o jornal, Pazuello disse que há uma “batalha” para manter critérios técnicos da distribuição da verba. “Claro que a gente tem de discutir critérios políticos, mas tem de prevalecer o técnico. Essa é nossa missão, a gente vai costurando, costurando, até chegar numa posição bem inteligente”, disse o ministro.
Presentes na reunião, os secretários de Saúde pediram que a distribuição de uma primeira parcela de R$ 2 bilhões, pelo menos, seja feita por critérios como incidência de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e disponibilidade de leitos em cada região. O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, por sua vez, defende uma “divisão adequada, justa, que atenda interesses da saúde da população e que não sirva para nenhum outro interesse”.
Posição “inteligente”
A posição “inteligente” defendida por Pazuello é atender os líderes de partidos Centrão, em troca de votos no Congresso para tentar salvar Bolsonaro de um processo de impeachment. Na esteira do desmonte do Ministério da Saúde, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) foi entregue ao PSD, que indicou o coronel da Polícia Militar de Minas Gerais Giovanne Gomes da Silva. No orçamento de 2020, a Funasa tem 831,4 milhões de reais para investimento em obras de saneamento em pequenos municípios e áreas rurais.
A asfixia financeira de estados e municípios, acompanhada de ataques políticos e perseguição policial a governadores e prefeitos resume a estratégia federal de combate à pandemia. De um lado, a manipulação política dos recursos em beneficio próprio e, de outro, a distribuição de cargos na área da saúde aos parlamentares. O resultado da equação da “nova política” do governo Bolsonaro é a morte de mais brasileiros. Em troca de salvar a sua pele.