Enquanto o mundo executa planos de vacinação em massa para imunizar as populações contra a Covid-19, o Brasil, o segundo colocado em mortes por coronavírus no mundo – são mais de 191 mil óbitos pela doença – continua atrasado. Como o governo federal não tem um plano detalhado para uma campanha nacional de vacinação, não há previsão de quando o processo terá início no país. Segundo levantamento do site ‘Poder 360’, pelo menos 47 países já começaram a aplicação das imunizações. A falta de planejamento do governo pode deixar o país sem cobertura vacinal em 2021, alertam especialistas.
Na América Latina, México, Chile e Costa Rica iniciaram a vacinação na quinta-feira (24), enquanto a União Europeia deu a largada no domingo (27). A Argentina começará nesta terça-feira (29). O presidente Alberto Fernandez autorizou a compra de 300 mil doses da vacina russa Sputnik V que chegaram na semana passada.
Em meio à crise, o presidente Jair Bolsonaro age como se estivesse escolhendo doces em uma padaria. Durante visita a um comércio de Brasília, no sábado (26), ele foi questionado se não se sentia pressionado pelo fato de outros países estarem à frente do Brasil sobre o início da vacinação. Sua resposta foi “não dou bola para isso”.
No dia seguinte, Bolsonaro mudou parcialmente o tom da conversa. Jogando com a ambiguidade, afirmou que o governo tem “pressa” em obter vacinas seguras, antes de ressaltar: “Mas a questão da responsabilidade por reações adversas de suas vacinas é um tema de grande impacto, e que precisa ser muito bem esclarecido. O presidente da República, caso exercesse pressões pela vacina, seria acusado de interferência e irresponsabilidade”, afirmou.
A suposta preocupação de Bolsonaro não encontra qualquer respaldo na ciência. De acordo com o jornal ‘The New York Times’, atualmente cinco vacinas foram liberadas para uso emergencial ou limitado, e três para uso definitivo. Ou seja, passaram por todos critérios científicos considerados seguros para aplicação na população. São elas a Pfizer/BioNTech, desenvolvida em parceria entre EUA e Alemanha, a americana Moderna e a chinesa Sinopharm-Pequim.
Entre as cinco liberadas para uso emergencial ou em caráter limitado, estão a Sputnik V, a CanSino (restrita à China), a russa Vector, a chinesa Sinopharm-Wuhan e a CoronVac, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan. Outras 19 vacinas estão na fase 3 de testes, segundo o ‘NY Times’.
No Brasil, a aposta maior é a CoronaVac, da chinesa Sinovac, motivo de disputa política entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória. O Instituto Butantan ainda não divulgou a conclusão final dos testes com a vacina, frustrando a comunidade científica, que esperava resultados conclusivos na semana passada.
“Se a CoronaVac se mostrar ruim, estamos em um mato sem cachorro”, resumiu a doutora em microbiologia pela USP, Natalia Pasternak, em entrevista ao ‘Blog Inconsciente Coletivo do Estadão’. Ela ressaltou o alto risco de o país ficar sem cobertura se passar a não contar com a vacina chinesa.
Falta de planejamento e incompetência do governo
Pasternak, especialista em genética molecular e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), lamentou a falta de planejamento do governo federal e a incompetência do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. “Ele é quase inexistente, quando aparece, atrapalha”, criticou a especialista, para quem Pazuello se mostrou “completamente incompetente em logística e planejamento”, quando deveria ter tomado a frente em acordos bilaterais para garantir os imunizantes.
A pesquisadora lembrou que o Brasil aderiu ao consórcio de vacinas da Organização Mundial da Saúde (OMS) mas optou por uma cobertura mínima de 10% da população, o que corresponde a apenas 40 milhões de doses da vacina. “Pra isso [garantia de ampla cobertura] ele se mostrou completamente inepto”, apontou Pasternak. “É surreal a desconexão com a realidade que os nossos representantes no governo federal têm”.
Da Redação, com informações de ‘Poder 360’, ‘El País’, ‘Blog Inconsciente Coletivo do Estadão’ e ‘NY Times’